sexta-feira, 9 de maio de 2014

Judaísmo e o espiritismo

Judaísmo e o espiritismo

Carlos Alberto Ferreira

Revista de Espiritismo nr. 31 - Abril/JunhoOutubro 1996

O judaísmo, que primeiro foi o berço do cristianismo e depois do islamismo, teve a sua origem através da mediunidade extraordinária de Moisés. O plano espiritual superior serviu-se dessa mediunidade portentosa para transmitir à Humanidade os «Mandamentos da Lei», que gradualmente foram moldando um povo – os hebreus – e depois grande parte do planeta.

O Antigo Testamento, constituído pelos cinco livros atribuídos a Moisés – o Pentateuco – e por mais 34 dos profetas, é um autêntico repositório de factos espíritas. Os profetas não passavam de médiuns que faziam o papel de ponte entre o mundo espiritual e o mundo corpóreo. Através deles, os espíritos superiores contribuíram de forma acentuada para o avanço espiritual da Humanidade.

Assim, Isaías, Jeremias, Elias, Daniel, Joel, etc. não passaram de verdadeiros médiuns, autênticos intérpretes dos espíritos. Toda a fenomenologia de que foram o centro está hoje bem estudada e catalogada pela ciência espírita e pelas modernas ciências psíquicas que surgiram após o espiritismo.

Não podemos confundir o fenómeno espírita, também designado de mediúnico, psíquico ou paranormal, que é de todos os tempos da Humanidade, com o espiritismo, que é uma doutrina recente, surgida em Paris, no dia 18 de Abril de 1857, com a publicação de «O Livro dos Espíritos», por Allan Kardec. Questão esta que infelizmente confunde muita gente.

Quando algumas seitas cristãs dizem que Moisés condenou o espiritismo, estão profundamente enganadas, visto o espiritismo não existir ainda naqueles tempos, como vimos. Algumas traduções da Bíblia foram recentemente, mais uma vez, adulteradas, para introduzirem a palavra espiritismo. Sabemos que os adulteradores se estão a referir ao fenómeno mediúnico – designado de «espírita», com o nascimento do espiritismo em 1857 – descrito por Moisés no Deuteronómio (cap. 18: 9-12): «Senhor, quando entrares na terra que o Senhor, teu Deus, te der, não aprenderás a fazer conforme as abominações daquelas nações. Entre ti se não achará quem faça passar pelo fogo o seu filho ou a sua filha, nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoureiro, nem feiticeiro; nem encantador de encantamentos, nem quem consulte um espírito adivinhante, nem mágico, nem quem consulte os mortos; pois todo aquele que faz tal coisa é abominação ao Senhor; e por estas abominações o Senhor, teu Deus, as lança fora diante dele.» (tradução do padre João Ferreira de Almeida).

Essas práticas mediúnicas de cariz egoísta e, portanto, inferior, que ainda hoje se vêem pelo país e pelo mundo, também são liminarmente estigmatizadas pelo espiritismo. A título de curiosidade vejamos o anúncio que a Federação Espírita Portuguesa passou a publicar no seu órgão oficial – «Revista de Espiritismo» – a partir de Março de 1929: «AVISO AOS INCAUTOS – Não são espíritas os que exploram a fácil credulidade das pessoas incultas ou fanáticas, exibindo falsas faculdades e recorrendo a artifícios de toda a espécie para melhor iludirem a boa fé dos incautos. Não são espíritas os que se entregam à adivinhação pela invocação dos espíritos (necromância), porque o espiritismo não é arte adivinhatória e por isso os espíritos que se prestam a semelhante papel são necessariamente inferiores (por mais pomposos que sejam os nomes com que se apresentem) e o seu convívio só poderá ser prejudicial. As casas das chamadas mulheres de virtude, cartomantes, bruxas, e de todos os que se dedicam a estas práticas supersticiosas, são focos de infecção espiritual onde os espíritos inferiores vivem permanentemente e fazem seu campo de manobras».

Como vimos, Moisés ao condenar essas práticas, não está a condenar o espiritismo, visto o mesmo ainda não existir nessa longínqua época. Também não está a condenar a mediunidade, mas sim o uso incorrecto que faziam dela, para além de querer cortar com os hábitos e costumes religiosos dos povos da região que estava a ser ocupada, para assim melhor poder moldar cultural e religiosamente o povo hebreu. Esta última é a razão fundamental da proibição do grande legislador, que estava empenhado em constituir a nação judaica, e que os adversários do espiritismo ignoram e/ou teimam em não querer ver. E para dar mais autoridade às suas proibições, dizia-lhes que eram ordenadas por Deus, como podemos verificar no Deuteronómio (cap. 18: 14): «Porque estas nações, que hás-de possuir, ouvem os prognosticadores e os adivinhadores: porém, a ti, o Senhor, teu Deus, não permitiu tal coisa».

Sabemos que Moisés como médium – naqueles tempos designados de profetas – foi o centro de fenómenos mediúnicos extraordinários, tanto de efeitos intelectuais como físicos. Para além desse facto, bem documentado no Pentateuco, ele próprio dispunha de uma equipa de médiuns, não para interpelar o mundo espiritual, de forma egoísta e pessoal, mas para orientação colectiva do povo. Analisemos a seguinte passagem da quarta obra do Pentateuco – «Números» (cap. 11: 24 a 29) – em que Moisés termina fazendo a apologia da própria mediunidade: «E saiu Moisés, e falou as palavras do Senhor ao povo, e ajuntou 70 homens dos anciãos do povo (verdadeira equipa mediúnica), e os pôs de roda da tenda (câmara mediúnica). Então o Senhor desceu na nuvem (atmosfera de ectoplasma criada pelos médiuns), e lhe falou; e tirando do espírito que estava sobre ele (fenómeno de psicofonia, designado correntemente de incorporação), o pôs sobre aqueles setenta anciãos; e aconteceu que, quando o espírito repousou sobre eles, profetizaram (foram intermediários do espírito comunicante); mas depois nunca mais (suspensão temporária da mediunidade, fenómeno muito corrente nos médiuns). Porém, no arraial ficaram dois homens; o nome de um era Eldad, e o nome de outro Medad; e repousou sobre eles o espírito (porquanto estavam inscritos, ainda que não saíram da tenda), e profetizaram no arraial (não passavam de dois médiuns que estavam a ser actuados mediunicamente). Então correu um moço, e o anunciou a Moisés, e disse: Eldad e Medad profetizam no arraial. E Josué, filho de Nun, servidor de Moisés, um dos seus mancebos escolhidos, respondeu e disse: Senhor meu, Moisés, proíbe-lho. Porém, Moisés lhe disse: Tens ciúmes por mim? Oxalá que todo o povo do Senhor fosse profeta, que o Senhor lhes desse o seu espírito!»*.

Os outros livros que compõem o Antigo Testamento também estão cheios de descrições de factos espíritas. Por exemplo, em I Samuel encontramos uma verdadeira acta de uma sessão mediúnica: no cap. 28, vers. 7 a 12, lemos a descrição do encontro de Saul com a célebre pitonisa de Endor para falar com o espírito de Samuel.

Pelos exemplos citados, que todos podemos verificar, concluímos que a mediunidade – e não o espiritismo, porque ainda não existia naqueles tempos – foi determinante no nascimento da religião e cultura hebraicas.

Extracto do trabalho «Espiritismo: religião futura ou futuro das religiões», de Carlos Ferreira, apresentado no II Congresso Nacional de Espiritismo.

* Nota: o itálico entre parêntesis corresponde a comentários do autor.

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