domingo, 5 de maio de 2013

A VERDADEIRA PUREZA



A VERDADEIRA PUREZA

Richard Simonetti
richardsimonetti@uol.com.br

Mateus, 15:1-11
Marcos, 7:1-23

Qual a finalidade da existência? De onde viemos? Que fazemos na Terra? Para onde vamos?
Estas dúvidas inspiram, desde sempre, especulações teológicas e filosóficas.
O mérito da Doutrina Espírita, neste particular, é o contato com a espiritualidade, oferecendo-nos uma visão objetiva dos destinos humanos, sem fantasias. Aprendemos que a principal finalidade da jornada terrestre é nossa evolução, com a conquista de valores de cultura e virtude, a caminho de uma comunhão autêntica com Deus, a meta suprema de nossas almas. Dores, atribulações, dificuldades, problemas que aqui enfrentamos, fazem parte do aprendizado.
Quando desbastarmos as imperfeições mais grosseiras poderemos dispensar essas "lixas grossas".
Iremos habitar planos mais altos do Infinito.
A religião representa um atalho nessa jornada, na medida em que nos conscientiza da presença de Deus, estimulando-nos à virtude e ao Bem.
Há um problema: tendemos a corromper a atividade religiosa com o formalismo, as práticas exteriores, os ritos e as rezas...
Mais fácil aparentar virtude; menos convidativo exercitá-la.
Isso era comum ao tempo de Jesus, principalmente entre os fariseus. Julgavam que comparecer à sinagoga, efetuar sacrifícios de animais e aves, oferecer o dízimo, cumprir as disciplinas do culto, respeitar o sábado, jejuar e observar outras práticas formais era suficiente para ter a consciência tranquila e merecer as graças de Jeová.
Se problemas surgiam no seio da comunidade, em virtude de comportamento pecaminoso ou inobservância dos textos sagrados, realizava-se um culto especial, onde, por força de sortilégios, os pecados dos fiéis eram transferidos para um bode que seria imolado. Morria a besta, sacrificada pela bestialidade humana.
Daí a expressão bode expiatório, quando se pretende arranjar um inocente para pagar por alheias culpas.

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Havia o ritual de lavar as mãos antes das refeições.
Dirá o leitor que se trata de algo salutar. As mãos são repositórios de bactérias, mas não era essa a intenção, mesmo porque não havia mínima noção sobre a existência dos microrganismos. Tratava-se de mera prática ritualística.
Por isso mesmo, nas regiões onde havia escassez de água, fazia-se a ablução areenta. Usava-se areia para substituir o precioso líquido. No aspecto higiene, seria preferível não fazer nada.
Ritual enjoado. Devia-se banhar as mãos duas vezes, até os pulsos. Na primeira eram retiradas as impurezas. Na segunda, as gotículas residuais contaminadas. Depois, ficavam erguidas, até secarem. Mera tradição dos antigos, tornara-se prática formal que se devia observar com rigor.
A maior divergência de Jesus com o judaísmo dominante era essa intransigência. O Mestre reiterava que os aspectos exteriores da religião são secundários. Importa o empenho de renovação, o esforço por cumprir a vontade de Deus, amando e servindo o semelhante.

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Frequentemente aproximavam-se escribas e fariseus, enviados pelas autoridades religiosas de Jerusalém, a fim de vigiar suas ações. Jesus operava prodígios e transmitia ensinamentos que contrariavam a orientação mosaica. Era preciso cuidado. Aquele galileu, que muitos julgavam o Messias, poderia subverter a ordem religiosa.
Acompanhando seus passos, durante o ministério da Galileia, constataram, de pronto, falta gravíssima: os discípulos do nazareno não se submetiam ao ritual das mãos. Talvez até as lavassem, mas superficialmente, sem cumprir os preceitos.
Tantos assuntos importantes, tantas lições a aprender com o mensageiro divino, e eis um bando de fanáticos preocupados com formalidades, envolvidos em ridículas querelas!
E questionaram: – Por que transgridem teus discípulos a tradição dos mais velhos? Pois não lavam as mãos quando comem.
Respondeu Jesus: – E por que vós transgredis o mandamento de Deus, por causa da vossa tradição? Moisés ensinou:"Honra a teu pai e a tua mãe e quem amaldiçoar o pai ou a mãe seja punido com a morte." Vós, porém, proclamais: "Quem disser ao pai ou à sua mãe: – é oferta ao Senhor o que poderias aproveitar de mim, esse não precisa honrar nem a seu pai nem a sua mãe." Assim, invalidastes, pela vossa tradição, o mandamento de Deus.
Hipócritas! Bem profetizou de vós Isaías, quando disse: "Este povo honra-me com os lábios, enquanto o seu coração está bem longe de mim. Em vão me prestam culto, ensinando doutrinas que são preceitos humanos".
Honrar pai e mãe implicava não apenas em respeitá-los, mas, também, em dar-lhes amparo e assistência na velhice. No entanto, para livrarem-se desses encargos, certamente vários daqueles questionadores situavam seus bens como corbã, isto é, constituíam ofertas ao templo. Poderiam ser utilizados para o que desejassem, menos para dá-los aos genitores.
Assim, sentiam-se desobrigados de ampará-los na velhice, não obstante o preceito divino. Mais interessante e econômico cumprir o corbã. Com invejável conhecimento das escrituras, Jesus expunha as mazelas dos escribas e fariseus.
Como sempre, buscaram lã e saíram tosquiados.

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Voltando-se para a multidão, Jesus enunciou um de seus ensinamentos mais importantes: – Ouvi-me todos e entendei: Não é o que entra pela boca que contamina o homem, mas o que sai da boca, é isso que o contamina.
Mais tarde, conversando com os discípulos, explicou: – Tudo o que entra no homem não pode contaminá-lo, porque não entra no coração, mas no ventre, e é lançado em lugar escuso. O que sai do homem, isso é o que o contamina, pois do interior, do coração dos homens, é que procedem os maus pensamentos, as prostituições, os furtos, os homicídios, os adultérios, a cobiça, a malícia, a mentira, a intemperança, a inveja, a calúnia, o orgulho e a loucura; todas essas más coisas procedem de dentro e contaminam o homem.
A pior contaminação não está no que comemos, que atende às necessidades do organismo, com eliminação dos resíduos.
Vem do coração! Extravasa o que está dentro de nós.
Opera-se em três estágios:
Sentir – a reação aos estímulos exteriores.
Pensar – a consciência do que sentimos.
Falar – a verbalização do que pensamos.
Exemplo típico: nosso comportamento diante das injúrias, a partir de sentimentos negativos que moram em nós.
Primeiro estágio: grande raiva.
Segundo estágio: pensamentos inamistosos.
Terceiro estágio: descontrole emocional, palavrões, ofensas, agressividade.¬
Veio tudo do coração!
Uma reação dessa natureza não está subordinada ao mal que nos façam. Nasce dos sentimentos que mobilizamos, da maneira como reagimos.
Há pessoas que exacerbam tanto a mágoa, na loucura instantânea de quem não tem o mínimo controle sobre as emoções, que podem sofrer colapso fulminante.
Outras experimentam contaminação cumulativa. As pequenas irritações, as ofensas não esquecidas, os pensamentos negativos, o palavreado chulo, envenenam lentamente nossa alma, com reflexos na economia física e psíquica, dando origem a males variados.

***
A partir da observação de Jesus, podemos definir como andamos espiritualmente, analisando nossos pensamentos. Eles informam com precisão quais são os inquilinos de nosso coração.
Em O Evangelho Segundo o Espiritismo, Allan Kardec faz interessante colocação no capítulo VIII, enunciando três atitudes reveladoras:
Não pensamos no mal. Grande progresso. Estágio superior. Encontramos uma pasta cheia de dinheiro, pequena fortuna. Imediatamente decidimos: – Preciso encontrar o dono.
Pensamos no mal, mas o repelimos. Relativo progresso. Estamos a caminho. Diante da pasta, divagamos: – Que beleza! É suficiente para a viagem de meus sonhos... Sentimo-nos tentados a ficar com ela, mas a consciência vence: – Procurarei o dono.
Pensamos no mal e nos comprazemos. Senso moral insipiente. Apropriamo-nos da bolsa, justificando: – Dinheiro perdido é de quem o encontra!
Raros situam-se na primeira categoria. Se somente cogitássemos do Bem, se puro fosse nosso coração, não estaríamos na Terra.
Resta saber se o mal que asilamos nos incomoda; se estamos preocupados em identificá-lo; se empregamos nosso melhor esforço por eliminá-lo. Ou não pensamos nisso?
Se alimentamos ideias invejosas, maliciosas, viciosas, agressivas e tudo o mais que nos torna impuros, temos longa jornada pela frente.
Testes assim ensejam uma avaliação importante, que devemos efetuar com frequência: estamos assimilando os valores da religião, buscando a verdadeira pureza ou a encaramos como mera formalidade, no propósito de atender nossas conveniências, como faziam os fariseus?

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