28 - O que se deve entender por pobres de espírito
Bem aventurados os pobres de espírito
Bem-aventurados os pobres de espírito, porque
deles é o reino dos céus (Mateus, 5:3) - Rodolfo Calligaris
Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus, disse Jesus, iniciando o Sermão da Montanha. Situou assim, a humildade espiritual em primeiro lugar entre as virtudes que precisamos adquirir para merecermos a glória das almas redimidas.
Exegetas do Evangelho, adulterando por completo o sentido dessa máxima, pretendem que ela proclame bem-aventurados os apoucados de inteligência, os retardados mentais, os idiotas e imbecis.
Tal interpretação, todavia, é insustentável, pois, a ser verdadeira, não haveria lugar nos céus para os ricos de espírito, e o próprio Mestre, o expoente máximo da riqueza espiritual que a Terra já conheceu, ficaria de fora.
Por "pobres de espírito", na acepção em que Jesus empregou essas palavras, devem-se entender aqueles que, aspirando à perfeição e, comparando com o ideal a ser atingido e o pequenino grau de adiantamento a que chegaram, reconhecem quanto ainda são carentes de espiritualidade.
São bem-aventurados porque a noção que têm de suas fraquezas e mazelas fá-los lutar por aquilo que lhes falta, e esse redobrar de esforços leva-os realmente a conseguirem maior progresso espiritual.
Já aqueles que se acomodam a ínfimos padrões de moralidade, ou se mostram satisfeitos com seu estado, considerando-se suficientemente bons, ao contrário dos primeiros, não se incluem entre os bem-aventurados porque, seja por ignorância, seja por orgulho, permanecem estacionários, quando a vida espiritual, assim como tudo na Natureza, rege-se por um impulso constante para a frente e para o alto.
Igualmente, os que entendem não ser preciso cultivar um caráter nobre e reto, porque (segundo julgam) "o sangue do Cristo foi derramado para remir os pecados da Humanidade",também não são incluídos entre aqueles cuja atitude de espírito foi exaltada pelo Nazareno.
Malgrado a respeitabilidade de seus princípios religiosos, só vislumbrarão o reino celestial quando venham a reconhecer a pobreza de suas virtudes, e se empenhem com afinco pelas conquistas, pois todo aquele a quem o Cristo haja redimido, de fato, terá de deixar as más obras, para "apresentar-se santo e imaculado e irrepreensível diante dele". (Colossenses, 1:22)
A colocação da humildade de espírito, como a primeira das beatitudes, parece-nos, pois, não ser meramente fortuita, mas sim proposital, visto que a felicidade futura de cada indivíduo depende muito do conceito que ele faça de si mesmo.
Quem se imagina com perfeita saúde não se preocupa com ela, nem procura um médico para tratá-la. Também aquele que se presume sem defeitos, ou já se considera salvo, descuida da higidez de sua alma, e, quando menos espera, a morte o surpreenderá sem que tenha avançado um passo sequer no sentido da realização espiritual.
NECESSITADOS DIFÍCEIS
E - Cap. XII - Item 1
Em muitas circunstâncias na Terra, interpretamos as horas escuras como sendo
unicamente aquelas em que a aflição nos atenaza a existência, em forma de tristeza,
abandono, enfermidade, privação...
O espírita, porém, sabe que subsistem outras, piores talvez... Não ignora que aparecem
dias mascarados de felicidade aparente, em que o sentimento anestesiado pela ilusão se
rende à sombra.
Tempos em que os companheiros enganados se julgam certos...
Ocasiões em que os irmãos saciados de reconforto sentem fome de luz e não sabem
disso...
Nem sempre estarão eles na berlinda, guindados, à evidência pública ou social, sob
sentenças exprobatórias ou incenso louvaminheiro da multidão...
Às vezes, renteiam conosco em casa ou na vizinhança, no trabalho ou no estudo, no
roteiro ou no ideal... O espírita consciente reconhece que são eles os necessitados
difíceis das horas escuras. Em muitos lances da estrada vê-se obrigado a comungar-lhes
a presença, a partilhar-lhes atividade, a ouvi-los e a obedecê-los, até o ponto doméstico
lhe preceituem determinadas obrigações.
Entretanto, observa que para lhes ser útil, não lhe será lícito efetivamente aplaudi-los, à
maneira do caçador que finge ternura à frente da presa, afim de esmagá-la com mais
segurança.
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Como, porém, exercer a solidariedade, diante deles? - perguntarás. Como menosprezá-
los se carecem de apoio?
Precisamos, no entanto, verificar que, em muitos requisitos do concurso real, socorrer não
será sorrir.
Todos conseguimos doar cooperação fraternal aos necessitados difíceis das horas
escuras, seja silenciando ou clareando situações, nas medidas do entendimento
evangélico, sem destruir-lhes a possibilidade de aprender, crescer, melhorar e servir,
aproveitando os talentos da vida , no encargo que desempenham e na tarefa que o
Mestre lhes confiou. Mesmo quando se nos façam adversários gratuitos, podemos auxiliá-
los...
Jesus não recomendou festejar os que nos apedrejem a consciência tranqüila e nem nos
ensinou a arrasá-los. Mas, ciente de que não nos é possível concordar com eles e nem
tampouco odiá-los, exortou-nos claramente: "amai os vossos inimigos, orai pelos que vos
perseguem e caluniam!..."
É assim que a todos os necessitados difíceis das horas escuras, aos quais não nos é
facultado estender os braços de pronto, podemos amar em espírito, amparando-lhes o
caminho, através da oração.