terça-feira, 26 de outubro de 2010

O Perdão dos Pecados - RICHARD SIMONETTI

Lucas, 7:36-50
O nome Simão, derivado de símio em português, costuma ser associado a macaco. Na antiga Palestina tinha significado mais nobre – alguém que se faz ouvir por Deus. Várias personagens evangélicas ostentaram esse nome respeitável. Pedro e o Zelota, membros do colégio apostólico...
Um irmão de Jesus... Um leproso curado... Outros aparecem em Atos dos Apóstolos.
Lucas nos fala de um Simão da casta dos fariseus que, em Cafarnaum, convidou Jesus para uma refeição em sua casa. Não obstante a hostilidade crescente de proeminentes membros da seita farisaica que o contestavam, o Mestre aceitou, exemplificando boa vontade. Segundo velho costume romano, imitado pelos judeus, em ocasiões de cerimônia usava-se o triclínio para as refeições.
Era um conjunto de três ou mais divãs, onde os convidados se recostavam, confortavelmente instalados, servidos pelos criados. 
O jantar ia em curso, quando uma mulher entrou no recinto. Trazia um vaso de alabastro, pedra calcária semelhante ao mármore, contendo perfume.
Ajoelhando-se, pôs-se a lavar os pés de Jesus.
Tão intensa era sua emoção que os molhou com as próprias lágrimas. Depois os enxugou com seus cabelos longos e sedosos, pondo-se a beijá-los e ungi-los de perfume. Algo inusitado hoje, amigo leitor, até chocante, mas normal na vida judaica daquele tempo. Personalidades ilustres eram homenageadas assim, em manifestações de humildade e submissão. O próprio Jesus, na última ceia, quando transmitiu as derradeiras instruções, lavou os pés dos discípulos, invertendo as posições, a fim de oferecer uma
lição inesquecível: A verdadeira grandeza, habilitando-nos aos páramos celestiais, exprime-se
na disposição de servir. Lá, o maior de todos é aquele que mais serve, disposto a sacrificar-se em
favor do bem comum. Simão, o ardiloso hospedeiro, certamente a conhecia e favorecera seu ingresso
no recinto, tanto que considerou com seus botões:
– Se este homem fosse profeta saberia quem é esta mulher. Trata-se de uma pecadora.
O fato de ter permitido que a “mulher de vida fácil” entrasse em sua casa evidencia que estava mal-intencionado. Pretendia testar os poderes de Jesus.
Os grandes profetas da raça, austeros e dotados de sensibilidade, facilmente identificariam a visitante.
Um Elias, um Eliseu não se deixariam iludir. Jamais permitiriam que ela os tocasse, atendendo aos rígidos costumes judaicos. O contato com uma prostituta tornava o homem impuro, algo inconcebível num homem santo. O dono da casa saboreava, intimamente, seu triunfo. Desmascarara aquele falso profeta!
Eis, porém, que o visitante se voltou para ele:
– Simão, tenho uma coisa para te dizer.
– Fala, Mestre...
– Certo homem tinha dois devedores: um devia quinhentos denários e o
outro, cinqüenta. Não tendo nenhum dos dois com que pagar, perdoou a dívida a
ambos. Qual deles, portanto, lhe terá maior amor?
O denário era uma moeda romana que equivalia a um dia de trabalho.
Respondeu Simão:
– Suponho que foi aquele a quem mais perdoou...
Fitando-o com complacência, Jesus comentou:
– Julgaste bem.
E apontando a mulher:
– Vês esta mulher? Entrei em tua casa e não me deste água para os pés: ela, porém os regou com lágrimas e os enxugou com seus cabelos. Não me deste ósculo; ela, porém, desde que entrei, não cessou de beijar-me os pés. Não ungiste minha cabeça com óleo; ela, porém, ungiu com perfume os meus pés.
Por isso te digo: perdoados lhe são os pecados, que são muitos, porque ela muito amou; mas aquele a quem pouco se perdoa, pouco ama.
E, dirigindo-se à mulher:
– Perdoados são os teus pecados. A tua fé te salvou; vai-te em paz!
Os que estavam à mesa comentavam, perplexos:
– Quem é este que até perdoa pecados?

Como sempre, Jesus surpreendeu o malicioso opositor com comentários
inteligentes, enfatizando inesquecível ensinamento: A força redentora do amor.
Em Deus, o amor em plenitude. Evidencia-se nos cuidados divinos.
O Pai não quer perder nenhum de seus filhos – ensina Jesus. Por isso, jamais nos marginaliza.
Ao invés de nos aniquilar como a uma erva daninha, quando nos comprometemos
com o mal, concede-nos a bênção de experiências que nos redimem.
Por isso, quando reconhecemos nossos desvios, tanto maior deve ser nossa
gratidão e o empenho por corresponder às suas expectativas, quanto maior o
abismo em que tenhamos mergulhado.
Legítimo representante da bondade celeste, Jesus convive sem problemas com o fariseu, comprometido com a hipocrisia, e com a mulher, comprometida com a prostituição. O amor nunca discrimina.

Mas, se Deus, o amor perfeito, perdoa sempre os deslizes de seus filhos, o
mesmo não ocorre com nossa consciência quando despertamos para a responsabilidade
e avaliamos a extensão de nossos comprometimentos.
Ela passa a exigir a reparação do mal praticado, impondo-nos dores e angústias
que guardam relação com nossos desvios. Colhemos o mal que semeamos, bebemos o fel que instilamos.
O perdão da própria consciência só pode ser conquistado a partir do exercício
de amor que se exprime na disposição de servir, eliminando o mal do pretérito
com o bem do presente.
Foi exatamente o que fez a mulher que procurou Jesus.
Naquele momento não era a pecadora quem ali estava, mas a serva amorosa,
disposta a homenagear aquele homem que, em nome de Deus, lhe acenava
com uma vida diferente.
Aos olhos de Jesus ela estava redimida por aquele amor, embora talvez
não redimida perante a própria consciência, que lhe pediria novos testemunhos.

Há outro aspecto importante.
Fácil dizer:
– Jesus é meu mestre!
A dificuldade está em ser seu discípulo. Podemos, como o fariseu, ostentar ligação com Jesus, entronizando em nossa casa ritos e rezas, imagens e estampas, a caracterizar sua presença em
nossas vidas.
Mas, somente seremos discípulos autênticos quando, como a pecadora, o procurarmos com o coração, conscientes de nossas misérias morais, sustentando contrição autêntica e inabalável disposição de servir.
Então, sim, estaremos exercitando o amor que redime! 

Ante Jesus

Eis que passa no tempo a imensa caravana –
A multidão revel que humilhada se agita –
Reis, tiranos e heróis, rondando a turba aflita
E fugindo à verdade augusta e soberana.
Sobre carros triunfais, a Treva se engalana...
E a mendaz ilusão freme, goza e palpita
Para rojar-se, após a miséria infinita,
Na cinza a que se acolhe a majestade humana.
Mas tu, Mestre da Paz, que a bondade ilumina,
Guardas, imorredoura, a grandeza divina,
Sem que o lodo abismal Te ofenda ou desconforte.
Tudo passa, descendo à sombra do caminho,
Mas no sólio da cruz inda imperas sozinho,
Na vitória do amor que fulge além da morte.
Amaral Ornellas
(Do livro “Antologia Mediúnica do Natal”, por diversos Espíritos, psicografado pelo médium
Francisco Cândido Xavier, cap. 38, p. 107, 4. ed. FEB.)

Maria de Magdala (Amélia Rodrigues)


Jesus almoçava na casa de Simão, rico fariseu e famoso por recepcionar pessoas ilustres.

Quase no fim do banquete ouviu-se gritos e vozes em alternação.

Era Maria de Magdala sendo impedida de chegar onde Ele estava... Ela olhou em derredor, como se procurasse alguém, e semi-enlouquecida, arrojou-se aos pés do Rabi.

Simão estava estupefado! Conhecia aquela mulher! Seu lar honrado acolhia uma mulher de má vida! Desejou expulsá-la. Intentou mesmo fazê-lo. Temeu, porém. Conhecia a coragem dela, a sua audácia, pois que se atrevera a chegar até alí...

Maria, no entanto, apenas via o Mestre, sentia-se esperançada, embora recém-saída do pantanal.

Refaria os caminhos. Lutaria!

As lágrimas saltavam-lhe os olhos e caíam sobre os pés dEle. Enxugava-os com a basta cabeleira. Quebrou o gargalo do vaso de alabastro que conduzia e derramou o ungüento nos pés do Rabi, balsamizando-os com piedoso carinho. O perfume de rara essência invadiu o recinto e ela prosseguiu repetindo o generoso gesto.

Ele não dizia nada, como se nada sentisse.

O almoço foi encerrado friamente. Os demais convidados faziam questão de não ocultar o falso constrangimento.

Entre dentes e irado, Simão resmungava:

*"- Se este fosse profeta bem saberia quem e qual é a mulher que lhe tocou, pois é uma pecadora".

Jesus relanceou tranquilamente os olhos muito puros, e com serena entonação de voz, indagou:

"- Simão! Uma coisa tenho a dizer-te".

"- Dize-a, Mestre".

"- Um certo credor tinha dois devedores: um devia-lhe quinhentos e o outro cinquenta dinares. Não tendo eles com que pagar a dívida, perdoou-lhes a ambos. Dize, pois, qual deles o amará mais?"

Simão sorriu pela primeira vez. Era astuto, hábil nos negócios. Instado à conversação direta, respondeu com alegria:

*"- Tenho para mim que é aquele à quem mais perdoou".

"- Julgaste bem".

O Rabi dirigiu o olhar à mulher sofredora e inquiriu Simão, outra vez:

*"- Vês esta mulher? Entrei em tua casa, e tu não me deste água para os pés; mas esta mos regou com lágrimas e mos enxugou com os seus cabelos. Tu não me deste o ósculo, mas esta, desde que entrou, não cessa de me beijar os pés. Tu não me ungiste a cabeça com óleo, mas esta ungiu-me os pés com ungüento... Por isso te digo que os seus muitos pecados lhe são perdoados, porque muito amou; mas aquele a quem pouco é perdoado, pouco ama".

Simão estava estarrecido. Não compreendia aquelas palavras claras, talvez pelo impacto das suas desordenadas emoções, onde arrogante e hipócrita, cria ser melhor e mais merecedor que a pecadora que lhe invadira a casa descaradamente.

Abriu desmesuradamente os olhos e fitou o Rabi.

O Mestre pôs-se de pé e oferecendo as mãos à pecadora, falou com doçura:

*"- Os teus pecados te são perdoados... vai-te em paz!"

Ela se levantara de um salto, exuberante de felicidade, e saiu como chegara: a correr.

Desapareceu de Magdala.

Todas as tardes, porém, na multidão, ajudando crianças enfermas, oferecendo olhos à cegos e mãos a trôpegos, arrependida e ansiosa pela própria renovação total, pôs-se a seguir Jesus de cidade em cidade, por onde Ele fosse...

Após a partida dEle, os próprios apóstolos lhe desprezaram. Deles ouviu frases de sarcasmo e zombaria pela sua antiga condição. Solitária e com a alma bordejando de amor, pôs-se a serviço no Vale dos Leprosos, o único lugar onde encontrou abrigo e carinho. Viveu entre eles, pregando o Evangelho e balsamizando suas feridas, por 30 anos, quando contraiu a doença e retirou-se da matéria, com o corpo atacado pela lepra, porém angelicalmente renovada e espiritualmente linda, sendo recebida pelo próprio Mestre.

De todos os personagens do Evangelho, Maria de Magdala foi aquela que conseguiu superar-se mais, diante da mensagem renovadora e amorosa do Cristo, tendo sempre a lembrança da frase que ouviu dEle, quando O viu pela primeira vez: "Há flores perfumadas e de brancura imaculada que espalham aroma sobre o lodo que lhes segura as raízes".

*Lucas (VII - 36 à 50).

Maria de Magdala

Matéria publicada no Jornal Mundo Espírita - dezembro/2003

Ninguém lhe conhecia a origem. Ela aparecera em Magdala, numa ocasião em que a cidade transbordava de estrangeiros, vindos das festas de Jerusalém e de caravanas carregadas de especiarias do Egito.

A cidade, também denominada de Migdol Nunaya no Talmude, era uma aldeia de pescadores, na beira ocidental do lago de Genesaré. Os palácios se erguem, ao longo da praia, entre os leques das palmeiras e a sombra dos jardins.

Nas ruas calçadas, trafegam os mercadores, soldados de escudo e lança, publicanos, o povo. Pelas mãos circulam dracmas, sestércios, denários e papiros cambiais aos sons do hebraico, aramaico, grego e latim.

Ela chegara e logo adquirira fama: Maria. Logo se lhe acrescentara à denominação, o nome da cidade: de Magdala. Era uma mulher de grandes olhos nostálgicos e de longos cabelos caídos sobre as espáduas, como onda escura de ouro.

Seu palácio era procurado pelos príncipes das sinagogas, ricos negociantes, opulentos senhores de terras e de escravos, funcionários de alta categoria da administração herodiana, que lhe depositavam no regaço moedas de ouro, jóias, dracmas de prata, perfumes raros, presentes exóticos.

Ela se dava ao luxo de escolher quem lhe aprouvesse e se tornou detentora dos segredos dos fariseus, aqueles que baixavam a cabeça na rua, com ares pudicos, mas que a buscavam, embuçados em mantos negros, a horas mortas.

Maria, de Magdala ou Madalena, contudo, não era feliz. Surda tristeza a minava, entregando-se, por vezes, dias seguidos, à profunda amargura. Espíritos infelizes a tomavam, em noites variadas, deixando-a alheada, olhos perdidos no mistério de insondáveis distâncias.

Nessas horas, as servas despediam, do átrio, todos os que a buscassem. Alguns homens, sentindo-se preteridos, dobravam as ofertas pelas horas de prazer que anteviam. Tudo em vão.

"Numa noite de perfumes primaveris, instada por uma serva de confiança, dedicada e fiel, permitiu um diálogo" (1) sobre o Rabi que andava pelas estradas da Galiléia e da Judéia.

Sentiu a esperança renascer, ante a informação de que aquele Rabi convivia com os pecadores, os excluídos. Ele viera para encontrar o que estava perdido.

Numa noite que "balouçava luzes miúdas no firmamento escuro" (1), servindo-se de uma embarcação, atravessou o lago e foi ter com Ele, em Cafarnaum.

Quando Ele veio a Magdala, ela tomou de um vaso de alabastro que continha o perfume do lótus. Custara-lhe o preço de um campo. Era seu presente ao Amigo.

Sabendo-O em casa de Simão, para lá se dirigiu. Como bom fariseu, Simão experimentava um gozo particular em ostentar virtudes e recepcionar amigos, apresentando, em seu palácio, personalidades que, por qualquer motivo, se tornaram famosas.

Durante meses, após um banquete, os comentários persistiam na cidade, acerca dos personagens que sua casa acolhera.

Com Jesus não fora diferente. Ele e dois de seus discípulos haviam "merecido" a distinção de um banquete na rica vivenda de Simão.

Quase ao seu final, ouviram-se gritos e altercações. Depois, rompendo a segurança, Madalena irrompe na sala.

Tudo se deu tão rápido! Ela se arroja aos pés do Rabi que permanece impassível, na posição em que se encontrava.

Surdos cochichos perpassam pelo ambiente. Simão se enche de cólera, ante o epílogo desastroso do seu jantar. Teme mandar expulsá-la, porque sabe da sua coragem e ousadia. Ela o conhece muito bem, bem como a tantos outros que ali se apresentam como homens de honra.

Jesus serve-se do momento para lecionar o Amor, exaltando o gesto daquela mulher que ajoelhada a seus pés, rega-os com suas lágrimas, enxuga-os com seus cabelos e os unge com o excelso perfume que impregna todo o ambiente, concluindo: "Por isso te digo que os seus muitos pecados lhe são perdoados, porque muito amou; mas aquele a quem pouco é perdoado, pouco ama."(Lucas, VII, 47)

Ergue-se a voz de Jesus com infinita majestade:

"Mulher, a tua fé te salvou; vai-te em paz."(Lucas, VII, 48)

"Na manhã seguinte Magdala soube, pasmada, a notícia da conversão da pecadora. Distribuíra tudo quanto possuía e, com o estritamente necessário, iniciara nova vida." (1)

As vozes da desonra e do despeito sussurravam que ela voltaria às noites de prazer, que enlouquecera, que sempre fora louca.

Ela se juntou aos que seguiam o Mestre. Discreta, mais de uma vez, recebeu a bofetada da desconfiança. Sabia que não confiavam em sua renovação, nem se davam conta de quantas tentações ela estava procurando sublimar.

Chegados os dias da denúncia de Judas, a prisão de Jesus, o julgamento arbitrário, ei-la, caminhando para o Gólgota, acompanhando-O.

Permaneceu ao pé da cruz, junto a Maria e o discípulo João. "Quando a cabeça D'Ele pendeu, desejou cingir-lhe outra vez os pés e osculá-los com ternura, mas se sentiu imobilizada." (1)

No domingo, indo ao túmulo com Joana de Cusa, Maria, a mãe de Marcos e outras mulheres, encontrou a pedra do sepulcro removida, dobrados os lençóis que lhe haviam envolvido o corpo.

Ela temeu que os judeus houvessem roubado o seu corpo. Enquanto as demais mulheres retornaram a Jerusalém a informar o ocorrido, ela permaneceu no jardim, a chorar.

A saudade feita de dor lhe estrangulava o peito, quando ouviu a voz d'Ele, chamando-a pelo nome. O Mestre estava ali, vivo, radioso como a madrugada recém nascida.

Foi anunciar o fato aos discípulos, que não creram. Por que haveria Jesus de aparecer a ela, logo para ela? Somente Maria, a mãe d'Ele a abraçou e lhe pediu detalhes.

Os dias que se seguiram foram de saudades e recordações. As notícias lhe chegavam doces. O encontro com os jornaleiros dos caminhos de Emaús. A pesca incomparável. A jornada a Betânia.

Após 40 dias, no Monte das Oliveiras, junto aos quinhentos discípulos, O viu ascender lentamente, as mãos voltadas para eles, como num gesto de afago, as vestes luminosas, desaparecendo ante seus olhos.

Desejou então seguir com os novos disseminadores da Boa Nova. Temeram que sua presença pudesse ser perniciosa, semeando desconfiança, naqueles dias incipientes das luzes do novo Reino.

Ela experimentou soledade e abandono e, para arrefecer a imensa saudade do Rabi passou a andar pelas longas praias que tanto O recordavam.

Numa dessas tardes, encontrou leprosos que vinham de muito longe buscar o socorro da cura.

Ela os abraçou, dizendo-lhes que Jesus já partira. Deteve-se por horas a falar, saudosa, do que aprendera com quem era o Caminho, a Verdade e a Vida.

Depois, seguiu com eles ao vale dos imundos.

Sentindo que a seiva da vida diminuía em suas veias, desejou rever a doce Mãe de Jesus, aquela que tanto a afagara em suas amarguras, e foi a Éfeso, morrendo às portas da cidade, sendo brandamente recolhida nos braços do Amor não Amado.

Bibliografia:
01.FRANCO, Divaldo Pereira. A rediviva de Magdala. In:___. As primícias do reino. Pelo espírito Amélia Rodrigues. Rio [de Janeiro]: SABEDORIA, 1967.
02.SALGADO, Plínio. O abismo e a estrela.. In:___. Vida de Jesus. 21. ed., São Paulo: VOZ DO OESTE, 1978. pt. 3, cap. XLI.
03.ROHDEN, Huberto. Madalena. In:___. Jesus Nazareno. 6. ed. São Paulo: União Cultural. v. 1, cap. 53.
04.Van Den Born, A. Dicionário enciclopédico da bíblia. Vozes, 1985.
05.XAVIER, Francisco Cândido. A mulher e a ressurreição. In:___. Boa nova. Pelo espírito Humberto de Campos. 8. ed. Rio de Janeiro:FEB, 1963. cap. 22.
06.______. Maria de Magdala. Op. cit. cap. 20

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Duas Unções Diferentes

Paulo Alves Godoy. O evangelho por dentro. Editora:  Livraria e Editora Humberto de Campos – FEESP. Ano:  1 edição, 1989. Pgs: 82, 97 a 99 e 137 a 138


Maria de Betânia, Espírito dócil e dedicado, muito achegada a Jesus, propiciou-nos o espetáculo grandioso de, após ter lavado os pés do Mestre com lágrimas e com perfume, ter enxugado-os com seus cabelos, merecendo, apesar da crítica de um dos apóstolos, as célebres palavras de Jesus: "Muitos pecados lhe são perdoados, por­que ela muito amou."


"Não me ungiste a cabeça com óleo, mas esta ungiu-me os pés com ungüento."
(Lucas, 7:46)

Os Evange1hos registram dois eventos diferentes, acontecidos em circunstâncias diversas, em datas opostas; o fato de um dos pro­tagonistas principais, de ambos os casos, se chamar Simão tem levado a acreditar-se que o caso aconteceu uma só vez.
Logo no início de Sua missão pública, possivelmente na cidade de Naim, na Galiléia, Jesus Cristo foi convidado a visitar a casa de um fariseu chamado Simão. Narra o evangelista Lucas (7:37) que, estando o Mestre ali acomodado, chegou uma mulher pecadora, da cidade, levando um vaso de alabastro com ungüento puro; abaixou-se e começou a regar-lhe os pés com lágrimas, enxugando-os com seus cabelos. Em seguida, pôs-se a beijar Seus pés e a ungi-los com ungüento.
O fariseu Simão, que certamente havia convidado Jesus com segunda intenção, com o intuito de  apanhá-lo em alguma falta, con­jeturou: Este homem certamente não é profeta, pois, do contrário, saberia que a mulher que o toca é uma pecadora.
Vendo o pensamento negativo que se aninhara no coração de Simão, Jesus Cristo propôs-lhe uma parábola: Um certo credor tinha dois devedores, um lhe devia quinhentos dinheiros e outro cinqüenta.. E, não tendo eles com que pagar, perdoou-lhes a ambos. Dize, pois, qual deles o amará mais?
Simão respondeu prontamente: Tenho para mim que é aquele a quem mais perdoou. Diante dessa resposta () Mestre disse: julgas­te bem.
E, voltando-se para a mulher, disse a  Simão: vês tu esta mulher? Entrei em tua casa, e não me deste água para os pés; mas esta re­gou-me os pés com lágrimas, e enxugou-os com seus cabelos. Não me deste ósculo, mas esta, desde que entrou, não tem cessado de me beijar os pés. Não me ungiste a cabeça com óleo, mas esta ungiu-me os pés com ungüento, porque ela muito amou.
Como Magdala, também na Galiléia, era uma cidade não muito distante de Naim, tudo sugere que a protagonista desse fato foi Maria Madalena.
Outro evento, descrito por outros Evangelistas, ocorreu uma semana antes do sacrifício do Calvário, ou seja, quase três anos depois. Ocorreu em Betânia, na Judéia, não muito distante de Je­rusalém. Nesta ocorrência, quem convidou Jesus também se chamava Simão, mais conhecido por Simão, o leproso, um amigo da família de Lázaro, que residia naquele vilarejo.
Então Maria de Betânia, irmã de Lázaro e de Marta, tomando um arratel de ungüento de nardo puro, de alto preço, ungiu os pés de Jesus, e enxugou-os com seus cabelos, enchendo a casa com o cheiro de ungüento.
O apóstolo Judas Iscariotes disse: Por que não se vendeu este ungüento por trezentos dinheiros e não se deu aos pobres? Jesus, ouvindo esse comentário do apóstolo, disse: Por que afligis esta mulher? Pois praticou uma boa ação para comigo, porquanto sempre tendes convosco os pobres, mas a mim não me haveis de ter sempre.
Não se pode jamais confundir Maria Madalena com Maria de Betânia. Afirma o evangelista Lucas: Algumas mulheres que haviam sido curadas de Espíritos malignos e de enfermidades: Maria, cha­mada Madalena, da qual saíram sete Espíritos trevosos, Joana, mulher de Khouza, procurador de Herodes, e Suzana, e muitas outras que o serviam com suas fazendas.(Lucas, 8:1-3)
Esta afirmação de Lucas deixa claramente transparecer que Maria Madalena, quando conheceu Jesus, era uma mulher que pos­suía muitos bens e trajava-se ostentosamente. Maria de Betânia, por sua vez, era uma mulher humilde, pobre, que vivia com seus dois irmãos Lázaro e Marta, na pacata vila de Betânia, não muito distante de Jerusalém, lar que era freqüentemente visitado por Jesus, quando se dirigia aquela vila.
Também não se pode confundir Maria Madalena com a Mulher Adultera (João, 8:3-11), pois não consta que Maria fosse casada. Ela, na realidade, havia-se transviado nos caminhos da vida, mas não era adúltera.
Os antigos judeus tinham penalidades terríveis para as mulheres e homens adúlteros, principalmente o apedrejamento em praça pú­blica. O caso narrado pelo evangelista João aconteceu nas proximi­dades do Templo de Jerusalém, e Jesus, com a célebre sentença: Atire a primeira pedra quem estiver sem pecados. livrou a mulher de um terrível apedrejamento.
Não consta de nenhuma passagem evangélica que Maria Mada­lena, que seguiu Jesus até o seu sacrifício na cruz, e posteriormente acompanhou os apóstolos, tenha sido ameaçada de lapidação, pena­lidade que acometia todas as mulheres reconhecidamente adúlteras.
Bittencourt Sampaio, um dos grandes espíritas do século pas­sado, contemporâneo e amigo do Dr. Bezerra de Menezes, em sua obra "A Divina Epopéia", comentando a diferença entre as duas ocorrências, escreveu: Em conseqüência destas diferenças, a maior parte dos intérpretes das letras sagradas admite duas unções distintas. Não se confunda. pois, a ação praticada por Maria, irmã de Marta e de Lázaro, com a da pecadora em casa do Fariseu, numa cidade da Galiléia, no começo da missão de Jesus.
Em testemunho do que afirma, Bittencourt Sampaio mencionou vários exegetas dos Evangelhos, dentre eles Tholuck, Lucke e Olshau­sen, Hase e outros.

"MUITOS PECADOS LHE SÃO PERDOADOS, PORQUE MUITO AMOU"

Rohden, Huberto (Filosofia Cósmica do Evangelho), Ed. Alvorada. 1982. São Paulo. Pág. 73-78




A atitude de Jesus em face do sexo feminino é algo inteiramente inédito na história da Humanidade, revelando, mais que outra coisa qualquer, a grandeza cós­mica do Nazareno.
Para o homem comum, há três atitudes possíveis em face da mulher: 1) adoração; 2) desprezo; 3) indiferença.
       Nenhuma dessas três atitudes caracteriza a pessoa de Jesus.
O homem que adora a mulher, o "eterno feminino", considera-a como uma espécie de divindade, e a si mesmo como um humilde escravo dessa deusa.
O homem que despreza a mulher serve-se dela, geralmente como de um instrumento para satisfazer os seus instintos masculinos, e esse desprezo é, comumente, chamado "amor". Quase tudo que, no domínio da nossa literatura romântica, nas películas de cinema e na vida social passa por "amor", é simples sexualismo, mais ou menos bem disfarçado em afeição. Servir­ se duma pessoa para satisfazer o seu egoísmo sexual é desprezar essa pessoa, porque ela nos serve apenas como um meio para um fim alheio ao valor humano dela.
À margem dos adoradores e desprezadores da mulher. vivem os homens que professam atitude de indiferença em face do sexo feminino, espécie de neutralidade psíquica, que tanto pode provir de uma natural deficiência do homem não plenamente masculino, como também pode ser uma "virtude" ascética laboriosa­mente adquirida. E, neste último caso, a "frieza" sexual do homem ascético é o resultado de um secreto medo e duma inconfessada fraqueza que ele sente em face da mulher, o secreto receio de sucumbir aos encantos de alguma Beatriz ou às seduções de uma Circe, receio quiçá inconsciente, que leva esses homens a se revestirem duma couraça de gelo, a fim de manterem distante o fogo de algum vulcão feminino.
Não encontramos em Jesus nenhuma dessas três atitudes em face de Eva: nem adoração, nem desprezo, nem indiferença. E, o estranho é que quase todas as figuras femininas do Evangelho que cruzam os caminhos do Nazareno têm fama de impuras: a Madalena, pecadora pública possessa de sete demônios; a samaritana, que casara cinco vezes e vivia, nesse tempo, com um homem que nem era seu marido; a mulher adúltera apanhada em flagrante.
A mais famosa dessas mulheres pecadoras é, sem dúvida, a formosa estrela de Magdala, que adquiriu excepcional celebridade, como qualquer miss dos nossos tempos, não só nas páginas do Evangelho e. na história do Cristianismo, como também na literatura mundial e na arte.
Pouco sabemos da vida ulterior da samaritana e da mulher adúltera absolvida por Jesus. Muita coisa, a coisa gloriosa, sabemos daquela que, após a sua "conversão", se tornou a mais ardente discípula do Nazareno.
A teologia eclesiástica de Roma popularizou o conceito, hoje quase proverbial, de que a maior das virtudes seja a castidade, ou, mais especificamente, a virgindade duma pessoa. Desde que, no século XI, o celibato clerical se tornou obrigatório nessa igreja, era lógico que à virgindade fosse conferida a primazia entre todas as virtudes, uma vez que era (ou pelo menos devia ser) a virtude clássica do sacerdote celibatário; e como o sacerdote é apontado ao leigo como a quintessência da espiritualidade e do Cristianismo, era evidente que tanto mais espiritual e cristã era uma pessoa quanto mais virginal.
Entretanto, Jesus nada sabe dessa primazia da virgindade. Para ele, o amor é a maior das virtudes, a quintessência do Cristianismo, a perfeição máxima do homem e da mulher, o amor puro e universal que ele recomenda a seus discípulos como supremo distintivo do seu Evangelho. Não mandou a seus apóstolos que fossem celibatários, mas que se amassem uns aos outros. Quando o doutor da lei quis saber qual era o mandamento maior da lei, não cantou o Nazareno as excelências da virgindade, mas sim a apoteose do amor.
A mais gloriosa página escrita por São Paulo – ­aliás considerado antifeminista e advogado do celibato – é o capítulo 13 da primeira Epístola aos Coríntios e essa página não enaltece a virgindade, mas o amor.
A Madalena era tudo, menos virgem. Disto sabia Jesus. E, no entanto, ele a aceita publicamente como sua genuína discípula e a defende contra as impiedosas invectivas do ascético fariseu Simão e até contra as críticas dos seus próprios discípulos. Mais tarde, concede-lhe o privilégio único da sua primeira visita na madrugada da primeira Páscoa, e incumbe-a explicita­mente de servir de primeira mensageira oficial da ressurreição perante os discípulos.
Segundo certas teologias ascéticas de hoje, é tudo isto estranho; mas para Jesus o amor é tudo menos  aquilo que os homens mundanos costumam chamar amor, é um amor puro e dinâmico que destrói tudo que o pseudo-amor impuro construiu na vida humana, assim como um violento incêndio reduz a cinzas e fumaças qualquer quantidade de combustível.
E, o que é sumamente fascinante, a própria Ma­dalena compreende intuitivamente esse espírito de Jesus e sua nova atitude em face dele. Apesar da sua vida passada, não se julga indigna de ser a discípula número um do profeta de Nazaré; não se esquiva da presença do Mestre com alegações de pretensa "humildade"; presta-lhe o mais apaixonado serviço que uma alma feminina pode prestar a um homem que ela, ao mesmo tempo, ama e respeita. Deixara o fariseu de oferecer água e toalha para lavar e enxugar os pés do hóspede, Madalena supre essa falta; não manda buscar uma bacia d'água, mas substitui a água, impessoal e fria, com o calor tão pessoal e quente das lágrimas dos seus olhos. Nem manda vir uma toalha inerte para enxugar os pés do querido Mestre, mas lança mão da suave maciez da sua linda cabeleira para prestar a Jesus uma prova de afeição eminentemente pessoal, não menos de discípula que de mulher. Depois, abre um frasco de essência perfumosa e de tão elevado preço que Judas, perito no assunto, se revoltou contra semelhante "desperdício"; o amor, porém, não sabe nada de "desperdício", porque quem se "perdeu" em outra pessoa está disposto a "perder" tudo por amor ao ente amado, na certeza de que toda a perda é lucro. E a Madalena deita o conteúdo do frasco sobre os pés e a cabeça do Mestre querido e completa essa homenagem espalhando o precioso ungüento com os beijos dos seus lábios.
O "escândalo" era completo, de maneira que até os discípulos de Jesus se revoltaram. O Nazareno, po­rém, aceita em silêncio essa homenagem da parte duma mulher que, na opinião pública, continuava a passar por uma pecadora.
Como é tão diferente a filosofia cósmica do Naza­reno das teologias espiritualistas dos mestres humanos!
Jesus
Não adora a mulher.
Não despreza a mulher.
Não é indiferente à mulher.
Não receia a mulher.
Não foge da mulher.
Aceita o amor puro de uma chamada · 'impura" .
Não se escandaliza, como o fariseu.
Não se revolta, como Judas e os demais discípulos.
Defende o "desperdício" que uma ardente discípula faz com seu querido Mestre.
Permite que a Madalena desabafe, finalmente, em público, a plenitude do seu coração de fogo na ardente homenagem ao único homem plenamente humano e totalmente divino que encontrou nos caminhos tortuo­sos da sua vida, finalmente retificada. De fato, o que os machos humanos haviam dado a essa mulher era apenas aquilo que toda fêmea humana deseja - mas nenhum deles lhe dera aquilo por que todo o seu ser humano anseia: compreensão, reverência, delicadeza, simpatia, estima, amor.
A Madalena, nada virgem de corpo, era perfeitamente virgem de alma; acasalada com muitos, não casara com ninguém; as núpcias do seu verdadeiro Eu, humano e feminino, nunca haviam sido celebradas. E foi por isto que ela, a ardente virgem de Mágdala., pôde celebrar, finalmente, as suas verdadeiras e eternas núpcias com o divino Lógos, o Verbo que se fizera homem em Jesus, cheio de graça e de verdade.
Simão, o fariseu, nada compreendeu desse mistério que se passava em sua casa; só sabia, ou julgava saber, que essa mulher era uma pecadora; mas não sabia que ela era a virgem pura do livro dos Cantares; que ela, mesmo sem o conhecer, passara a vida toda suspirando pelo Esposo, em longas noites de agonia anônima, e dele era noiva ignota - até, finalmente, se lhe prostrar aos pés e reconhecê-la pelo grande -e único Amor de sua vida.
Apesar desse impetuoso amor da Madalena, ela, guiada por uma intuição infalível, sempre se mantém a reverente distância de Jesus; sempre se sente "discí­pula" do grande "Mestre"; sente-se bem aos pés dele, não reclama lugar ao lado dele. Sente-se qual humilde violeta a florir, feliz, à sombra do Himalaia; não pre­tende ser um edelweiss no cume da montanha. Em casa do fariseu, jaz aos pés do Mestre; no horta do Getsê­mani. na alvorada da Páscoa, abraça-se com os pés do Mestre - ela, a feliz discípula, ela, a ditosa violeta à sombra do gigantesco Himalaia do seu místico Esposo. . .
Não parece que a Madalena fugiu das páginas do Cântico dos Cânticos? Poderia repetir tudo o que, nesse poema erótico-místico, disse a Esposa ao Esposo tão longínquo - e tão propínquo. . .
       Entretanto, para se sentir o que ela sentiu, deve-se ser o que ela era.
       Muitas são o que Madalena foi - poucas se tornam o que ela se tornou.
       "Os seus muitos pecados lhe são perdoados, porque muito amou."
       De muitas são os muitos pecados - de poucas é o grande amor.
Todas as águas turvas da vida libidinosa da peca­dora abismaram-se, finalmente, na imensa limpidez do divino oceano de Lógos que se fez homem em Jesus e habita entre nós. . .
- E houve hosanas e aleluias na alma da Madalena.

A pecadora que ungiu os pés de Jesus (7 :36-50)

Morris, Leon L. Lucas – Introdução e Comentário. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000, p.138-142




            Cada Evangelho tem uma história acerca de uma mulher que ungiu Jesus (Mt 26:6-13; Mc 14:3-9; Jo 12:1-8). Há boas razões para acreditar que os outros três estão descrevendo o mesmíssimo incidente, mas Lucas, um incidente diferente. Aqueles se referem a um incidente na última semana da vida de Jesus, e Lucas a um acontecimento muito anterior a ele. A "pecadora" do relato de Lucas molhou os pés de Jesus com suas lágrimas, enxugou-os com seus cabelos; beijou-os, e os ungiu, o que é diferente daquilo que os demais Evangelistas descrevem. E a discussão que se seguiu é diferente. Em Lucas, diz respeito ao amor e ao perdão, e nos demais, à venda do ungüento para fazer uma oferta aos pobres. Não há razão alguma para sustentar que a mulher nos demais Evangelhos fosse "uma pecadora" (João diz que era Maria de Betânia). Alguns têm sustentado que a "pecadora" em Lucas fosse Maria Madalena, mas isto é pura especulação.          .
36. Um fariseu chamado Simão (40) convidou Jesus a uma refeição. Em Mateus e Marcos o hospedeiro também é chamado Simão (Simão, o leproso), mas o nome era muito comum e não estabelece a identidade. É uma marca das largas simpatias de Jesus que jantou antes com um publicano (5 :29) e agora com um fariseu.
37,38. Uma mulher da cidade descrita como uma pecadora, que provavelmente significa uma prostituta, veio a saber disto, e entrou na casa. Uma refeição tal qual aquela da qual Jesus estava participando não era particular. As pessoas podiam entrar e ver o que estava acontecendo. Ao mesmo tempo, uma prostituta não seria benvinda na casa de Simão, de modo que exigia coragem chegar até lá. A mulher trouxe um vaso de alabastro com ungüento. A palavra alabastros denotava um recipiente globular para perfumes. Não tinha alças, e era dotado de um gargalho longo que era quebrado quando se queria usar o conteúdo (AG, LS). A despeito do nome, o recipiente nem sempre era feito de alabastro, mas Plínio diz que recipientes desta matéria eram os melhores (História Natural xili. 19, xxxvi.60). Podemos deduzir razoavelmente que este perfume era caro. As senhoras judias geralmente usavam um frasco de perfume pendurado em uma corda ao redor do pescoço, e tanto fazia parte delas que tinham licença de usá-lo no sábado (Shabbath 6 :3). O uso extensivo dos perfumes pode ser deduzido do fato de que os Sábios alocaram a certa mulher uma verba de 400 moedas de prata para perfume (Ketuboth 66b; mesmo assim, ela ficou insatisfeita!). Ungüento não é uma boa tradução, pois a referência diz respeito a um óleo perfumado, e não a um sólido. Tais óleos eram acompanhamentos comuns de ocasiões festivas. As pessoas não se sentavam à mesa, mas, sim, reclinavam-se em divãs baixos, apoiando-se no braço esquerdo, com a cabeça em direção à mesa, e o corpo esticado para fora desta. As sandálias eram removidas antes de reclinar-se. A mulher, portanto, não teria dificuldade em aproximar-se dos pés de Jesus. Decerto, pretendia ungi-los, mas enquanto ficava ali, suas emoções a dominavam, e suas lágrimas começavam a cair sobre os pés de Jesus. Imediatamente os enxugou com seus cabelos, uma ação significante, porque as senhoras judias não desatavam os cabelos em público. Claramente, estava totalmente esquecida da opinião pública, dominada como estava por sua forte emoção. Este fato também explicava por que beijava os pés de Jesus. Há exemplos de os pés de um rabino especialmente honrado serem beijados (e.g. Sanhedrin 27b), mas era longe de ser fato comum. Finalmente, ungiu os pés de Jesus com o ungüento. Normalmente, este teria sido derramado sobre a cabeça. Que ela o derramou nos pés é provavelmente uma marca de humildade. Tratar dos pés era uma tarefa menial que era atribuída a um escravo. É um conjectura razoável que Jesus fizera esta mulher voltar-se dos seus caminhos pecaminosos, e que tudo isto era a expressão do amor e da gratidão dela. Não fica claro se já conhecia Jesus pessoalmente. É possível que simplesmente estivesse entre as multidões que ouviam Seus ensinos, e que ficara tão convicta que sua vida foi transformada. Ou pode ter tido alguma conversa não registrada com Jesus. Não sabemos.
39. O hospedeiro viu tudo isto e teve uma pequena conversa de desaprovação consigo mesmo. A forma de frase condicional que empregou dá a entender em Grego (a) que Jesus não era profeta, e (b) que não sabia quem e qual era a mulher que lhe tocou.
40. Jesus passou a corrigir os dois conceitos falsos. O fariseu não falara em voz alta, mas Jesus respondeu aos pensamentos dele. Mostrou que sabia quem e que tipo de homem Simão era. Começou avisando que tinha uma coisa a dizer. Assim recebeu a atenção total de Simão. A resposta do fariseu: Dize-a, Mestre, é cortês mas não encorajadora.
41, 43. Jesus começou com uma pequena história de dois devedores cujas dívidas lhes foram perdoadas; o primeiro devia quinhentos denários, e o outro, cinqüenta (um denário era o salário diário de um trabalhador, Mt 20:2). Não era necessário muito entendimento para reconhecer quem amaria mais o benfeitor. Mesmo assim, a resposta de Simão é dada com um pouco de má vontade, com seu Suponho antes de mencionar aquele a quem mais foi perdoado. Jesus não comentou sobre isto, mas concordou que Simão dera a resposta certa.
44, 46. Depois chegou à aplicação. Voltou-se para a mulher e perguntou a Simão: Vês esta mulher? Via-a mesmo? A questão é interessante. " Simão não conseguiu ver aquela mulher conforme então era, porque olhava-a conforme tinha sido" (Morgan). Jesus passou a contrastar a atitude dela com a do Seu hospedeiro. Agora transparece que, embora Simão tivesse convidado Jesus ao seu lar, não Lhe dera o tratamento devido a um hóspede honrado. Era de se esperar que o hospedeiro tivesse fornecido água para os pés dos seus hóspedes (cf. Gn 18:4; Jz 19:21). Jesus não recebera este ato de cortesia. Mas Seus pés foram lavados pelas lágrimas da mulher. De modo semelhante, ao invés do beijo de boas-vindas que poderia ter esperado do Seu hospedeiro (cf. Gn 29:13;45:15), recebeu beijos nos Seus pés. E finalmente, ao passo que Simão omitira a unção da cabeça de Jesus (cf. SI 23:5; 141 :5), a mulher ungira Seus pés (óleo é azeite, que era abundante e barato; há um contraste com bálsamo, que era um perfume raro e caro).
47. Jesus passa a dizer a Simão que os pecados da mulher são perdoados. Ele não atenua aqueles pecados: são muitos. Mas é consistente com o ensino neotestamentário que não importa quantos ou quão grandes os pecados tenham sido, a graça de Deus pode perdoá-los. Devemos entender com cuidado as palavras porque ela muito amou. Jesus não está dizendo que as ações da mulher mereceram o perdão, nem sequer que seu amor o merecera. Em harmonia com Sua pequena parábola e com Suas palavras posteriores (50), Jesus está dizendo que o amor que ela demonstrou é prova de que já tinha sido perdoada. Era a resposta dela diante da graça de Deus. JB ressalta o significado, dizendo: "seus pecados, seus muitos pecados, decerto já lhe foram perdoados, senão, não teria demonstrado tão grande amor." Por contraste, aquele a quem pouco se perdoa, pouco ama. É natural pensar em Simão. Certamente demonstrara bem pouco amor, e a implicação é que não lhe fora perdoada muita coisa.
48-50. Jesus passa a dizer à mulher: Perdoados são os teus pecados (cf. 5:21-24). Lucas nos diz que isto provocou uma discussão entre os hóspedes. O perdão dos pecados era uma prerrogativa divina. Quem é este, perguntavam, portanto, que até perdoa pecados? Jesus, porém, não fez caso algum deles. Sua solicitude era dirigida à mulher. A tua fé te salvou, disse Ele. Isto é importante, pois demonstra que o amor do qual se falara antes era a conseqüência, e não a causa, da sua salvação. Como no restante do Novo Testamento, é a fé que é o meio de receber a boa dádiva de Deus. Jesus a despediu com as palavras: vai-te em paz (cf. 8:48). O Grego é literalmente "vai para dentro da paz" e talvez valha a pena notar que os rabinos sustentavam que "Vai em paz" era apropriado ao despedir-se dos mortos, mas aos vivos deve.se dizer, "Vai para dentro da paz" (Moed Katan 29a).

6. A pecadora agradecida no banquete na casa do fariseu Simão Lc7.36-50 (material exclusivo)

Rienecker, Fritz. Evangelho de Lucas – Comentário Esperança. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 2005, p. 41-44
  
       Novamente começa a desenrolar-se um episódio acerca do "ano da graça do Senhor" (cf. Lc 4.19) já iniciado. Lucas informa acerca dessa nova etapa.
      Em seu "material exclusivo" ele oferece uma das narrativas mais comovente dos evangelhos. Grata, uma pecadora conhecida na cidade unge os pés do Senhor. Por delicadeza, o evangelista omite o nome da mal-afamada. Esse silêncio fez com que na igreja antiga se desenvolvesse uma interpretação extremamente confusa. Na revisão harmonista da história da unção nos evangelhos, a pecadora aqui mencionada foi identificada com Maria Madalena e até mesmo com Maria de Betânia, a irmã de Lázaro. A presente história do material exclusivo de Lucas possui inegáveis pontos de contato com a história da unção relatada em Mateus (Mt 26.6-13), Marcos (Mc 14.3-9) e João (Jo 12.3-8).
      As semelhanças dos quatro relatos também geraram na igreja antiga lendas da mais ousada espécie. No entanto, não se trata de quatro, mas de duas histórias diferentes. Aquilo que Mateus, Marcos e João relatam é uma história que deve ser rigorosamente separada daquela que Lucas apresenta. Época e lugar são totalmente distintos nessas duas narrativas. A unção relatada pelos evangelistas, exceto por Lucas, refere-se à morte de Jesus. O que o presente evangelista informa ocorreu muito antes. Aquilo que é exposto no presente texto aconteceu em uma cidade da Galiléia. A outra unção foi dada ao Senhor em uma aldeia nas cercanias de Jerusalém. Em favor da diversidade de duas histórias de unção depõem os nomes dos anfitriões, Simão, o fariseu, e Si­mão, o leproso (cf. Comentário Esperança, Mateus, sobre Mt 26.6-13).
     Jesus, que de forma terrível é chamado de glutão e beberrão de vinho (v. 34), aceita o convite do fariseu (Lc 7.36; 11.37; 14.1) e do coletor de impostos (Lc: 5.29) para banquetes festivos. Tem um afeto especial por publicanos e pecadores, motivo de irritação para os fariseus (Lc 5.30; 7.34; 15.ls; 19.1-10). Segundo o juízo do Senhor, os fariseus se encontravam sob uma luz mais desfavorável (L: 7.29-35; 18.9-14), ao contrário daqueles desprezados. Os v. 29s de Lc 7 escanca­ram o profundo contraste entre os fariseus e João Batista. Dizem eles: "Todo o povo que o ouviu e até os publicanos deram razão a Deus e se deixaram batizar com o batismo de João. Mas os fariseus e os intérpretes da lei rejeitaram, quanto a si mesmos, o desígnio de Deus, de modo que não se deixaram batizar por ele!­- Como soam arrasadoras essas palavras do Senhor! Quanto poder possui, pois, o ser humano mortal, pecador e impotente! Ele é capaz de rejeitar o eterno desíg­nio salvador de Deus todo-poderoso e todo-misericordioso. Para "rejeitar", o grego usa athetéo, i. é, eliminar, tornar ineficaz.
      Na história subseqüente Lucas fala de modo dramático de uma pecadora que caíra em profundo pecado e que chegara para aceitar o desígnio salvador de Deus. Esse contraste existente entre os fariseus e mestres da lei, que rejei­taram o desígnio salvador de Deus, e os rejeitados, que agarraram a salvação de Deus com ansioso desejo, expressa-se nitidamente na presente narrativa. Ao contrário do povo, o fariseu anfitrião não o reconhecia como profeta, mas tão somente como mestre de autoridade questionável (v. 39s). Para a pecado­ra, porém, Jesus era muito mais que um profeta, a saber, o Cristo, o Salvador da culpa e do pecado. Tudo isso revela um contexto próprio com aquilo que foi narrado nos v. 24-35.

a) O escândalo na casa do fariseu Simão - Lc 7.36-38
                                                                                                           
36 - Convidou-o um dos fariseus para que fosse jantar com ele. Jesus, entrando na casa do fariseu, tomou lugar à mesa.
37 - E eis que uma mulher da cidade, pecadora, sabendo que ele estava à mesa na casa do fariseu, levou um vaso de alabastro com ungüento
38 - e, estando por detrás, aos seus pés, chorando, regava-os com suas lágrimas e os enxugava com os próprios cabelos; e beijava-lhe os pés e os ungia com o ungüento.

            Jesus era hóspede de um fariseu de nome Simão. Ainda não havia aconte­cido a ruptura definitiva entre o Senhor e os fariseus. Por isso membros do partido dos fariseus podiam convidar Jesus à mesa sem dificuldades. Lucas traz vários relatos de que Jesus era convidado por fariseus (Lc 11.37; 14.1). No entanto, é possível concluir da presente história que Simão recepcionou seu hóspede não com muita cordialidade e amizade, mas mais com reserva crítica (v. 45s). Em suas respostas a Jesus percebe-se o tom de uma ma poli­dez (v. 40,43). De acordo com sua própria observação, ele oscila entre o impacto da nobreza de Jesus e a contrariedade manifestada por seu partido contra ele (v. 39). Simão, portanto, estava em atitude de espera (v. 40).
             Verifiquemos agora a história tão belamente narrada por Lucas segundo as diversas fases tão vivamente ilustradas.
             As casas dos judeus ricos tinham colunatas para o lado do pátio interior. Conforme o costume oriental, também estranhos podiam observar o lauto e sole­ne banquete a partir do pátio. Vemos dispostas sobre as mesas as comidas e frutas. Diante das mesas estão colocadas almofadas altas e macias, sobre as quais repou­sarão os convivas. Durante o banquete eles se apoiarão sobre o braço esquerdo. Os pés desnudos, livres das sandálias, ficarão esticados para trás.
      Já se aproximam os hóspedes. De acordo com o colorido costume oriental, deve-se concluir que eles são escribas e membros famosos do Conselho. O senhor da casa vai ao encontro de cada um deles, cumprimentando-o com a saudação: "paz seja contigo", e beijando-o com o ósculo da paz. Esse beijo sobre a face afiança-lhes que são bem-vindos e que gozam de amor e amizade. Depois chegam os servos com água fresca e lavam os pés dos hóspedes, sujos do pó da estrada, refrescando assim os membros cansados. É verdade que em casa eles já tomavam um banho completo e usavam bálsamos perfumados antes de cada banquete desses. Por isso, uma vez que se andava descalço ou de sandálias, agora, ao entrar na casa do anfitrião, era necessário lavar apenas os pés, porque o pó da estrada na verdade sujara tão-somente os pés. Vemos com que rigor os fariseus se submetiam às prescrições de purificação. Para eles, impureza signi­ficava transgredir a lei. Depois de lavados os pés, o anfitrião ainda oferecia óleo aromático (perfume) para arrumar os cabelos e para ungir a cabeça e as mãos (que os hóspedes igualmente haviam lavado).
      Uma vez que o Senhor não tinha nenhum interesse em dar motivo aos fariseus para que o acusassem de rejeição, ele aceitou gratamente o convite. Ele não queria perder nenhuma oportunidade de pregar-lhes o arrependimen­to, para que, caso se curvassem, pudesse conquistar suas almas. Tentava che­gar neles de diversas maneiras, com rigor e com bondade, com dureza e com amabilidade. Não é verdade que apenas os criticava, mostrou-lhes também todo o seu amor. ''Veio João Batista, não comendo pão, nem bebendo vinho, e dizeis: Tem demônio! Veio o Filho do Homem, comendo e bebendo, e dizeis: Eis aí um glutão e bebedor de vinho, amigo de publicanos e pecadores!" – Os fariseus condenavam a si mesmos com essas palavras que haviam dito sobre Jesus. Era também conviva deles, aceitava também convites deles para a ceia, embora na verdade fossem seus inimigos pessoais. Já haviam considerado a idéia de matá-lo, Lc 6.11) se não se igualasse aos publicanos ávidos de salva­ção. Apesar da hostilidade deles, o Senhor não tem medo, mas mostra a eles e também a nós o que significa amor ao inimigo.
      O banquete está em pleno andamento. Subitamente entra uma hóspede não-convidada, v. 37s: E eis, uma mulher que na cidade havia sido uma peca­dora e descobrira que Jesus era hóspede na casa do fariseu, trouxe um peque­no vaso de alabastro cheio de óleo de ungüento; e enquanto, chorando, se aproximava de trás a seus pés, ela começou a molhar seus pés com lágrimas, a secá-los com os cabelos de sua cabeça, a beijar seus pés e a ungi-los com ungüento.
      A palavra: "E eis" indica extraordinária manifestação de admiração por esse súbito incidente. A pessoa que entrou era uma pecadora que vivera em grandes transgressões. Para explicar o inusitado de sua manifestação em hon­ra a Jesus, temos de supor que ela já tenha visto e ouvido o Senhor anterior­mente e que ele já lhe concedera um grande beneficio. Os v. 42 e 47 mostram que grande beneficio foi esse: "O perdão de todos os seus pecados." "Foram­lhe perdoados muitos pecados." Independentemente de que isso tenha ocorrido ao ouvir uma pregação, em um diálogo especial ou através de um desses olhares de Jesus que incidiam como um raio do céu nos corações quebranta­dos... ela havia recebido dele a grande mensagem do perdão de todos os seus pecados, e o perfumoso ungüento que ela trazia consigo foi a resposta de sua grande e profunda gratidão pelo inestimável beneficio. - Não vinha de mãos vazias. Como judia ela sabia o que havia sido ordenado a seu povo pelo Se­nhor: "Não compareçais de mãos vazias diante de mim, sem oferta ou sacrifi­cio!" [Êx 23.15; 34.20; Dt 16.16].
      Como o costume dos servos, que ficavam atrás de seus senhores à mesa, para atendê-los de pé, prontos para instantaneamente cumprir ordens de seus senhores, assim ela também se aproximou por trás, a fim de servi-lo e presti­giá-lo. Visto que, como já foi dito, as pessoas estavam deitadas à mesa sobre um divã e estendiam os pés descalços para trás, a mulher conseguiu alcançar Jesus sem dificuldade e perfumar seus pés. Contudo, no momento em que ela começa a lhe prestar essa hora, ela desaba em prantos ao se recordar de suas transgressões. Suas lágrimas escorrem sobre os pés do Redentor e, por não possuir toalha para enxugá-Ias, ela transforma em toalha seu cabelo rapida­mente desprendido. A fim de dar o devido valor a esse gesto, precisamos recordar que entre os judeus uma das maiores humilhações era aparecer em público com o cabelo solto.
      Nenhuma palavra sequer saiu de seus lábios. Para que, afinal, era necessá­rio que a língua falasse? Pois seus olhos e suas mãos falavam com tanta clare­za! Todo o seu agir e proceder foi pura eloqüência. É melhor que as obras falem e a língua silencie do que a língua falar e as obras silenciarem. Essa mulher estava calada, mas o coração era interiormente movido com intensida­de, gritando por amor, adoração e gratidão a Deus. - O choro continha sua oração. - A lavagem dos pés, seu serviço, o mais humilde e modesto. – A secagem dos pés, seu amor. - O beijo nos pés, sua submissão. Era assim que os súditos beijavam sua autoridade. Samuel beijou a Davi depois de tê-lo ungido rei, para mostrar que ele o havia reconhecido como seu Senhor. Era assim que os persas beijavam seus reis, os romanos seus imperadores. Era assim que também os filhos beijavam os pais, Jacó a Isaque, José a Jacó, Tobias a seu pai, o aluno a seu mestre. - A unção representava sua oferta de gratidão. Era um perfume precioso, pelo qual ela talvez tivesse entregue toda a sua fortuna. Os ungüentos e perfumes eram embalados em garrafas de ala­bastro, seladas na boca e abertas pela quebra do gargalo.

Lc 7.39
39 - Ao ver isto, o fariseu que o convidara disse consigo mesmo: Se este fora (o) profeta, bem saberia quem e qual é a mulher que lhe tocou, porque é pecadora.

O fariseu não ouviu nem sequer uma palavrinha da mulher. Porém viu e ouviu muito, muito choro e lágrimas. Não obstante, seus pensamentos estão cheios de desamor contra Jesus e a mulher!
Segundo a concepção judaica, o fariseu pensava que como profeta o Se­nhor deveria saber todas as coisas ocultas, motivo pelo qual reagiria com horror ao contato com a mulher impura. Embora Jesus não precisasse da informação humana acerca dessa mulher, ele sabia com precisão quem essa mulher havia sido e como sua ação atual apenas significava a expressão de sua profunda gratidão para com o Salvador de sua vida, devendo ser reconhecida e aceita como prova do amor.
A alta consideração de Jesus para com os gestos da pecadora como sinal do amor agradecido, é demonstrada ao fariseu por meio da parábola dos dois credores incapazes de saldar os débitos.

b) A parábola dos dois devedores - Lc 7.40-43

40 - Dirigiu-se Jesus ao fariseu e lhe disse: Simão, uma coisa tenho a dizer-te. Ele respondeu: Dize-a, Mestre.
41- Certo credor tinha dois devedores: um lhe devia quinhentos denári­os, e o outro, cinqüenta.
42 - Não tendo nenhum dos dois com que pagar, perdoou-lhes a ambos. Qual deles, portanto, o amará mais?
43 - Respondeu-lhe Simão: Suponho que aquele a quem mais perdoou. Replicou-lhe: Julgaste bem.

      A parábola relatada por Jesus fornece uma bela demonstração do dom profético de Jesus. As palavras de Jesus assinalam o que acontecia no coração da pecadora e também o que representam os pensamentos e as perguntas de Simão.
      Jesus mostra na parábola a grande remissão de culpa e o grande amor, a pequena remissão de culpa e o pequeno amor. Somente os pobres são capazes de aquilatar o que significa a graça de Deus. O fariseu não entende que, apesar de sua culpa, essa mulher está mais perto de Deus do que ele. Conse­qüentemente, o Senhor defende a honra da pecadora agraciada com essa opor­tuna parábola. Precisamos admirar a inteligência com que Jesus leva o acusa­dor a testemunhar contra si mesmo, mas igualmente a delicadeza de não fazer uma reprimenda mais severa perante o anfitrião. Na ilustração do grande e do pequeno devedor vislumbramos Simão e a pecadora. O amor transbordante da pecadora constitui a prova de uma grande remissão de culpa. O pouco amor de Simão é comprovação de seu pecado que ainda não foi perdoado, um aspecto que Jesus no entanto não declara abertamente, mas remete ao julga­mento do próprio fariseu.

c) Aplicação da parábola - Lc 7.44-47

44 - E, voltando-se para a mulher, disse a Simão: Vês esta mulher? Entrei em tua casa, e não me deste água para os pés; esta, porém, regou os meus pés com lágrimas e os enxugou com os seus cabelos.
45 - Não me deste ósculo; ela, entretanto, desde que entrei não cessa de me beijar os pés.
46 - Não me ungiste a cabeça com óleo, mas esta, com bálsamo, ungiu os meus pés.
47 - Por isso, te digo: perdoados lhe são os seus muitos pecados, porque ela muito amou; mas aquele a quem pouco se perdoa, pouco ama.

            Simão, que na ma recepção não concedeu ao Senhor, seu convidado, nem água para lavar os pés nem beijo de boas-vindas nem óleo perfumado para a cabeça, como era costume e regra de boa educação segundo as normas orien­tais, é remetido expressamente à pecadora agraciada. A pergunta: "Simão, vês esta mulher?" permite depreender que o fariseu nem a considerou digna de um olhar. A agraciada molhava os pés do Senhor com suas lágrimas, secava os pés de seu Salvador.
      A razão da gratidão da grande pecadora é formulada por meio das pala­vras: "Por isso te digo, perdoados lhe são os seus muitos pecados, porque ela muito amou."
      Essas palavras do Senhor sofreram toda sorte de interpretação. É possível interpretar a parábola equivocadamente em dois sentidos.
      O primeiro mal-entendido consiste no seguinte: afirma-se que a pecadora teria alcançado o perdão dos pecados pelo fato de que fez muito, ou seja, molhou (com lágrimas), enxugou, beijou e ungiu os pés - tudo isso é arrolado e elogiado por Jesus. Seus muitos pecados somente lhe teriam sido perdoados porque "muito amou", segundo as palavras do texto.
      Esse equívoco, porém, contradiz o conteúdo da parábola dos dois devedo­res incapazes de quitar o débito. Com base na parábola, não são as muitas ações, mas unicamente o perdão da dívida que motiva o amor do devedor. A seqüência ordenada por Deus (primeiro o perdão dos pecados e depois o amor agradecido do pecador) seria totalmente invertida se o amor do pecador carre­gado de culpa tivesse motivado o grande Deus a perdoar os pecados. A frase final "a quem pouco se perdoa, pouco ama" refuta essa conclusão. Nesse caso o texto deveria ser "A quem ama pouco, pouco é perdoado."
      Um breve resumo em outras palavras: assim como o devedor recebe primeiro a anulação da dívida para então ter amor agradecido - assim Deus primeiro perdoa os pecados e redime pelo seu sangue, para que somente depois seja a nova vida em amor agradecido ao Senhor, que se revela em obras da fé.
      O segundo mal-entendido da parábola dos dois devedores é o seguinte: "Para poder amar muito, é preciso primeiro enredar-se profundamente na culpa, é preciso primeiro ter cometido graves pecados."
      Resposta: o tamanho de nosso amor a Deus não se baseia no tamanho do pecado (porque perante Deus o maior e o menor pecados recebem o mesmo rótulo e a mesma condenação), e sim na profundidade e autenticidade de nosso arrependimento, na profundidade e autenticidade da conscientização a respeito da catástrofe da queda no pecado. O fariseu dificilmente tinha consciência de sua culpa. Para que necessitaria ele de um Redentor dos pecadores? Ele acredita que tem poucos pecados, ~o pela qual precisa de pouco perdão e não ama ao Senhor. Tinha orgulho de seu rigor legalista, defendia sua auto­justificação, na certeza de suas virtudes e boas obras.
      Pelo fato de procurar a si mesmo, era incapaz de procurar a Deus, de entregar-se a Deus. Seu amor próprio representava a morte do amor a Deus e ao próximo. Ele era o verdadeiro pecador, o pior adúltero, porque desprezava de forma tão ignominiosa o maior de todos os amores.
      Como é diferente a pecadora! Desabou diante do santo Jesus, arrasada pelo sentimento de sua culpa. Sua consciência havia obtido paz. Agora brota­va em sua alma liberta, com força incontida, o irrestrito amor àquele que lhe havia retirado o fardo, que lhe havia perdoado a culpa de seus pecados. O tamanho de seu amor assinala o quanto lhe havia sido perdoado. Por saber como havia sido grande a culpa de seus pecados, ela havia experimentado um grande perdão de pecados, e por isso amava muito (cf. também D. Hilbert. Eins ist not, 1928, sobre a referida passagem).
      Não é preciso que primeiramente caiamos em profundos pecados para termos necessidade de um grande perdão. Todos nós (até mesmo os melhores e mais devotos) temos diante de Deus uma dívida impagável, ou seja, todos nós, sem exceção, somos pecadores perdidos e condenados e carecemos todos de um grande perdão.

d) As palavras de consolo do Senhor à pecadora - Lc 7.48-50

48 - Então, disse à mulher: Perdoados são os teus pecados.
49 - Os que estavam com ele à mesa começaram a dizer entre si: Quem é este que até perdoa pecados?
50 - Mas Jesus disse à mulher: A tua fé te salvou; vai-te em paz (para dentro da paz)!

         Em contraposição à negativa dos fariseus em perdoar os pecados, Jesus repete a garantia do fato divino de que seus pecados estão perdoados, pelo qual expressara ao Senhor uma tão viva gratidão. Essa certificação pessoal expressa por parte do Senhor corresponde ao testemunho do Espírito Santo em nossa vida, depois que agarramos a promessa da salvação pela fé (Ef 1.13 - Godet).
      Por isso, ao dizer "Tua fé te ajudou, vai em paz" à mulher, ele revela aos convivas o inabalável fundamento sobre o qual o perdão dela está exclusiva­mente alicerçado. Ela goza do desígnio: quem crê é bem-aventurado. Não foi amor nem obras que a ajudaram, mas sua fé a salvou e a tomou bem-aventu­rada. O amor e as obras são os frutos de sua fé.
      A bem-aventurança que tomou conta da mulher agraciada por intermédio das palavras do Redentor (''vai em paz") não é descrita. Contudo, assinala-se a impressão que as palavras do Redentor causaram entre os presentes. Os convidados deitados à mesa reagem, intimamente atigidos: "Quem é esse, que até perdoa pecados?" Não podiam deixar de escandalizar-se com o amor dele pela pecadora.
      Profundamente comovidos, pois, despedimo-nos de Lc 7, tão rico em conteúdo. De forma nova desvendou-se a riqueza e a plenitude do ano da graça do Senhor anunciado em Lc 4.19 e agora iniciado, mais especificamen­te nos dois milagres (a cura do servo do centurião de Cafarnaum e a ressusci­tação do jovem em Naim), depois nos relatos sobre a pergunta de João Batista e o incomparável e brilhante testemunho do Senhor e, por fim, narra a história tão autenticamente pitoresca da grande pecadora.
      O surpreendente desfecho do ano da graça do Senhor que irrompe lumi­nosamente é que não são os líderes espirituais de Israel, o povo eleito como tal, que aceitam e acolhem a glória da extraordinária presença graciosa do Senhor, mas que o gentio e a pecadora em profundas transgressões chegam a crer vivamente no Senhor e Redentor. É esse o precioso relato da primeira e da última história do cap 7.