sábado, 10 de maio de 2014

A vida perante a morte e o futuro

A vida perante a morte e o futuro
   



"O homem não se preocupará com a vida futura senão quando vir nela um fim claro e positivamente definido, uma situação lógica, em correspondência com todas as suas aspirações, que resolva todas as dificuldades do presente e em que se lhe depare coisa alguma que a razão não possa admitir."  - Allan Kardec

A visão que temos do futuro é determinante para o modo como conduzimos nossas vidas. Cada uma das nossas atitudes mantém-se com ou sem coerência na medida em que tornamos claro, para nós mesmos, qual o caminho que pretendemos trilhar, com que fim desejamos seguir. A afirmativa não é nova. Muitos já tiveram a oportunidade de relatá-la.

Joel Arthur Barker - futurista de nosso tempo - em um de seus mais interessantes trabalhos destaca a importância da Visão do Futuro para as realizações do cotidiano e a considera mesmo como o fator fundamental que determinada o sucesso e o fracasso de pessoas e de organizações. Em seu trabalho Barker analisa a obra de três estudiosos: The Image of the Future de Frederic Polak, The Future Focuse Roles Image, de Benjamin D. Singer e Man’s Search for Meaning de Victor E. Frankl. Em cada um dos trabalhos Barker destaca o papel da visão que o homem faz do futuro sobre as atitudes das nações, das crianças e do homem em condições adversas. Podemos resumir o trabalho na seguinte frase do Próprio Joel Barker:

"De fato, ter uma visão positiva do futuro talvez seja o mais poderoso motivador que você e eu temos para mudança."

Ao final do trabalho, Barker relata uma estória bastante curiosa a qual se baseia nos escrito Loren Eiseley. Descreve que um homem muito sábio seguia pela beira da praia quando divisou a uma certa distância um vulto que lhe pareceu estar dançando. A idéia de alguém dançando na praia lhe pareceu interessante e ele buscou aproximar-se. Verificou tratar-se de um jovem com uma atitude peculiar. O que lhe parecia um bailado era na verdade um conjunto de movimentos que o rapaz fazia para abaixar-se, pegar estrelas-do-mar e atirá-las de volta ao oceano. O sujeito achou a atitude curiosa e inquiriu ao rapaz:

- "O que fazes?"

- "Jogo estrelas de volta ao mar.." - foi a resposta dele.

- "Talvez devesse ter perguntado por quê o fazes..." - continuou o homem com um ar de deboche.

- "É que o sol está a pino e a maré está baixando, se não as atirar elas morrerão ressecadas" - retrucou.

- "Mas que ingenuidade! Você não vê que há quilômetros e quilômetros de praias e nelas há milhares e milhares de estrelas! Sua atitude não fará diferença."

O jovem abaixou-se, pegou uma estrela e cuidadosamente a atirou de volta ao mar, seguindo o seu peculiar procedimento. Em seguida voltou-se para o homem e disse:

- "Para essa aí fez diferença..." - O homem ficou muito pensativo sobre o que ocorrera e naquela noite não conseguiu dormir pensando nas palavras do jovem. No dia seguinte levantou-se, vestiu suas roupas, foi até a praia e começou com o jovem a atirar estrelas no oceano.

Barker conclui a estória com uma reflexão importante. O que o jovem tinha de diferente era a sua opção de NÃO ser mero observador do universo, mas AGIR nele, modificá-lo de alguma forma e afirma: "... uma visão sem ação é um sonho. Ação sem visão é passatempo. Mas se aliamos nossas visões a nossas ações faremos diferença no universo."

Particularmente fiquei surpreso com a estória. A frase final me tocou profundamente por retratar uma verdade por demais conhecida e tão pouco praticada. O que mais me impressionou porem foi a relação que involuntariamente fiz com o problema da vida e da morte. Perguntei-me sobre qual era a minha visão. O que afinal eu esperava do futuro? A morte?!

Mas a questão era bem diferente. Eu sabia que a morte não era o fim. Tinha consciência das minúcias que o Espiritismo havia descortinado a respeito da vida futura. Li as narrações de André Luiz e os esclarecimentos de Manoel Philomeno de Miranda através de Chico Xavier e Divaldo Franco, respectivamente. Esses Espíritos me falavam da imortalidade da alma com tanta clareza como um guia turístico a me antecipar a viagem que em breve eu faria. Essa era a minha visão do futuro. Está é a minha visão do futuro! Então me lembrei de Barker: "... uma visão sem ação é um sonho...". Intimamente me perguntei sobre as minhas ações. E constatei que de fato o Espiritismo havia modificado a minha posição com relação à vida. Neste momento percebi a extensão das palavras de Kardec quando afirmou na conclusão de O Livro dos Espíritos:

"Falsíssima idéia formaria do Espiritismo quem julgasse que a sua força lhe vem da prática das manifestações materiais e que, portanto, obstando-se a tais manifestações materiais, se lhe terá minado a base. Sua força está na sua filosofia, no apelo que dirige à razão e ao bom-senso." - grifos nossos.

Percebi que a visão do futuro que o Espiritismo nos permite faz-nos ver a vida por além-da-morte e uma tal visão nos modifica positivamente o comportamento e as atitudes, conforme falava Joel Barker. Foi quando analisando Obras Póstumas, no capítulo sobre A VIDA FUTURA deparei-me com uma passagem cujo teor sintetizaria a obra de Barker se ela tivesse sido produzida antes. Vi o quão perspicaz era a mente de Kardec. O quanto ele pode antecipar-se ao nosso tempo e descrever de maneira tão segura uma realidade que hoje vem transformando a conduta de homens e organizações; a maestria com que ele toca no problema da visão do futuro:

"O homem não se preocupará com a vida futura senão quando vir nela um fim claro e positivamente definido, uma situação lógica, em correspondência com todas as suas aspirações, que resolva todas as dificuldades do presente e em que se lhe depare coisa alguma que a razão não possa admitir. Se ele se preocupa com o dia seguinte, é porque a vida do dia seguinte se liga intimamente à vida do dia anterior; uma e outra são solidárias ; ele sabe que do que fizer hoje depende a sua posição amanhã e do que fizer amanhã dependerá a sua posição no dia imediato e assim por diante.

"Tal tem de ser para ele a vida futura, quando esta não se mais achar perdida nas nebulosidades das abstrações e for uma atualidade palpável complemento necessário da vida presente, uma das fases da vida geral, como os dias são fases da vida corporal. Quando vir o presente reagir sobre o futuro, pela força das coisas, e, sobretudo, quando compreender a reação do futuro sobre o presente; quando, em suma, verificar que o passado, o presente e o futuro se encadeiam por inflexível necessidade, como o ontem, o hoje e o amanhã na vida atual, oh! então suas idéias mudarão completamente, porque ele verá na vida futura não só um fim, como também um meio; não um efeito distante, mas atual. Então, igualmente, essa crença exercerá sem dúvida, e por conseqüência toda natural, ação preponderante sobre o estado social e sobre a moralização da Humanidade.

Tal o ponto de vista donde o Espiritismo nos faz considerar a vida futura." - grifos originais

É uma visão profundamente abrangente!... Kardec determina a maneira pela qual a visão sobre a morte e sobre o além dela influencia a conduta humana e a ordem social. Analisando a vida perante a morte restitui ao homem uma dignidade singular que lhe deve nortear o procedimento de modo a fazê-lo reunir visão e ação na construção de um mundo melhor para ele e para o seu próximo. A perspectiva do futuro demonstrada pela Doutrina Espírita coloca o homem numa posição privilegiada no tocante ao futuro pois lhe demonstra de maneira muito clara o caminho a seguir.

Modificado o homem ele se esforçará para modificar a sua sociedade que por sua vez modificará outros homens na dialética do crescimento. Por esse motivo, ao iniciar a parte V da conclusão de O Livro dos Espíritos Kardec estabelece de forma magistral:

"Por meio do Espiritismo, a Humanidade tem que entrar numa nova fase, a do progresso moral que lhe é conseqüência inevitável"

É a posição da vida perante a morte. Viver e morrer na carne são fases de uma Vida Maior da qual todos nós fazemos parte. Essa a nossa visão. Este o nosso procedimento: encontrar nossa estrela e fazer diferença para ela!

- André Henrique de Siqueira (RN)

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