terça-feira, 20 de setembro de 2011

Sacudir o Pó - Emmanuel



E se ninguém vos receber, nem escutar as vossas Palavras, saindo daquela casa ou cidade, Sacudi o pó de vossos pés” – Jesus (Mateus,10:14.)


Os próprios discípulos materializaram o ensinamento de Jesus, sacudindo a poeira das sandálias, em se retirando desse ou daquele lugar de rebeldia ou impenitência. Todavia, se o símbolo que transparece da lição do Mestre estivesse destinado apenas a gesto mecânico, não teríamos nele senão um conjunto de palavras vazias.


O ensinamento, porém, é mais profundo. Recomenda a extinção do fermento doentio.


Sacudir o pó dos pés é não conservar qualquer mágoa ou qualquer detrito nas bases da vida, em face da ignorância e da perversidade que se manifestam no caminho de nossas experiências comuns.


Natural é o desejo de confiar a outrem as sementes da verdade e do bem, entretanto, se somos recebidos pela hostilidade do meio a que nos dirigimos, não é razoável nos mantenhamos em longas observações e apontamentos, que, ao invés de conduzir-nos a tarefa a êxito oportuno, estabelecem sombras e dificuldades em torno de nós.


Se alguém te não recebeu a boa-vontade, nem te percebeu a boa intenção, por que a perda de tempo em sentenças acusatórias? Tal atitude não soluciona os problemas espirituais. Ignoras, acaso, que o negador e o indiferente serão igualmente chamados pela morte do corpo à nossa pátria de origem? Encomenda-os a Jesus com amor e prossegue, em linha reta buscando os teus sagrados objetivos. Há muito por fazer na edificação espiritual do mundo e de ti mesmo. Sacode, pois as más impressões e marcha alegremente.


(Do livro Pão Nosso – Cap.71 pág. 153 de Francisco Cândido Xavier pelo espírito de Emmanuel)

Sacudir o pó

“... Quando alguém não quiser vos receber, nem escutar vossas palavras, sacudi, em saindo dessa casa ou dessa cidade, o pó de vossos pés...” “... Assim diz hoje o Espiritismo aos seus adeptos: não violenteis nenhuma consciência; não forceis ninguém a deixar sua crença para adotar a vossa...” (Capítulo 21, itens 10 e 11.)


Não nos influenciemos pelos feitos alheios.


Nossas atitudes devem realmente nascer de nossas inspirações mais íntimas, e não constituir uma forma de “reagir” contra as atitudes dos outros.

Não permitamos que emoções outras determinem nosso modo peculiar de pensar e agir; caminhemos sobre nossas próprias pernas, determinando como agir


“Quando alguém não quiser vos receber, sacudi o pó de vossos pés”. A recomendação de Jesus poderá ser assim interpretada: não devemos impor aos outros o constrangimento de convencê-los à nossa realidade, como se nossa maneira de traduzir as leis divinas fosse a melhor; nem achar que a Verdade é propriedade única, e que somente coubesse a nós a posse exclusiva desse patrimônio.


Em muitas ocasiões, a título de aconselhar melhores opções e diretrizes, no sentido de esclarecer e priorizar a seleção de atitudes dos outros, que, na verdade caberia a eles próprios desempenhar, nós extrapolamos nossas reais funções e limites, transformando o que poderia ser esclarecimento e orientação em abuso e ocupação indevida dos valores e domínios dos indivíduos.


Sentimos necessidade de “corrigir” opiniões, “indicar” caminhos, “induzir” experiências, privando as pessoas de exercer opções e de vivenciar suas próprias experiências.


Deixando-as cair e se levantar, amar e sofrer, estamos, ao contrário, permitindo que elas mesmas possam angariar seus próprios conhecimentos e, dessa forma, estruturar sua maturação e crescimento pessoal.


“Deixar casas e cidades que não nos ouvem as palavras” é demonstrar que não temos a pretensão de únicos possuidores da revelação divina e que, não fosse nossa intermediação, as criaturas estariam desprovidas de outros canais de instrução e conhecimento divino.


“Reter o pó em vossos pés” é não ter a visão da imensidade e diversidade das possibilidades universais, que apóiam sempre as criaturas de conformidade com sua idade astral e sempre no momento propício para seu crescimento íntimo.


A Vida Maior tem inúmeras vias de inspiração e revelação, a fim de conduzir os indivíduos a seu desenvolvimento espiritual; portanto, não devemos nos arvorar em indispensáveis dignitários divinos.


Lancemos as sementes sem a pretensão de aplausos e reconhecimentos, mesmo porque talvez não haja florescimento imediato, mas na terra fértil dos sentimentos humanos haverá um dia em que o campo produzirá a seu tempo.


Ao aceitarmos as pessoas como indivíduos de personalidade própria, respeitando suas opiniões, idéias e conceitos, até mesmos seus preconceitos, estaremos dando a elas um fundamental apoio para que escutem o que temos para dizer ou esclarecer, deixando depois que elas mesmas, conforme lhes convier, mudem ou não suas diretrizes vivenciais.


Talvez o servo imprudente, arraigado no orgulho, esperasse louros dourados de consideração e entendimento de todos os que o escutassem, e que fosse amplamente compreendido em suas intenções, mas por enquanto, na Terra, o plantio é ainda difícil e as colheitas não são generosas.


Há muitas criaturas intransigentes e rigorosas que não entendem, impõem; não ensinam, pregam; não amam, manipulam; não respeitam, criticam; e por não usarem de sinceridade é que fazem o gênero de “suposta santidade”.


Portanto, se não formos bem acolhidos nos labores que desempenhamos na Seara de Jesus, silenciemos sem qualquer “reação” aos contratempos e aguardemos as providências das “Mãos Divinas”.


Nesse afã, prossigamos convictos de nosso ideal de amor, palmilhando, entre as realizações porvindouras rumo ao final feliz, nosso próprio caminho, cujo mapa está impresso em nosso coração.


Pelo Espírito Hammed - Da obra Renovando Atitudes - Psicografia do médium Francisco do Espírito Santo Neto

Clique aqui para ler mais: http://www.forumespirita.net/fe/auto-conhecimento/sacudir-o-po-18890/#ixzz1YXb51X2m

INSTRUÇÕES AOS EMISSÁRIOS – PARTE I - Pastorino

(Ano 30 A. D. ou 783 A. U . C. - Janeiro - Fevereiro)

Mat. 10:5-15

5. A estes doze (veja vol. 2) enviou
Jesus, dando-lhes estas instru-
ções: 'Não ireis pelas estradas
dos gentios, nem entrareis nas
cidades dos samaritanos,
6. mas ide antes às ovelhas perdidas da casa de Israel.
7. Pondo-vos a caminho, pregai
dizendo "está próximo o reino
dos céus".
8. Curai os enfermos, ressuscitai os
mortos, limpai os leprosos, expeli
os espíritos desencarnados; de
graça recebestes, de graça dai.
9. Não vos provereis de ouro, nem
de prata, nem de bronze em vossas cinturas;
10. nem de alforge para a jornada,
nem de duas túnicas, nem de
sandálias, nem de bordão, pois é
digno o operário de seu sustento.
11. Em qualquer cidade ou aldeia
em que entrardes, indagai quem
nela é digno; e aí ficai até vos retirardes.
12. Ao entrardes na casa, saudai-a
13. e se a casa for digna, desça sobre
ela a vossa paz; mas se o não for,
torne para vós vossa paz.
14. E se alguém vos não receber nem
ouvir vossas palavras ao sairdes
daquela casa ou daquela cidade,
sacudi o pó de vossos pés.
15. Em verdade vos digo, que no dia
do carma haverá menor rigor
para a terra de Sodoma e de
Gomorta, do que para aquela cidade".

Marc. 6:7 -11

7. E chamou a si os doze e
começou a envió-los dois
a dois e deu-lhes autoridade sobre os espíritos
atrasados,
8. e ordenou-lhes que nada
levassem para o caminho, exceto um só bordão; nem alforge, nem
pão, nem dinheiro na
cintura;
9. mas que fossem calçados
de sandálias e que não
vestissem duas túnicas.
10. Disse mais a eles: "Em
qualquer casa onde entrardes, permanecei ali
até que vos retireis do
lugar.
11. E se algum (lugar) não
vos receber, nem vos ouvir saindo dali sacudi o
pó da sola de vossos pés
em testemunho contra
eles”.

Luc. 9:1-5
1. Convocando a si os doze,
deu-lhes poder e autoridade sobre todos os espíritos desencarnados e
para curarem doenças,
2. e enviou-os a pregar o
reino de Deus e a curar.
3. E disse-lhes: "Nada leveis para o caminho,
nem bordão, nem alforge, nem pão, nem prata,
nem tenhais duas túnicas.
4. Em qualquer casa em
que entrardes, nela ficai
e dali partireis.
5. E qualquer (local) que
vos não receber, ao sair
da cidade, sacudi o pó
de vossos pés, em testemunho contra eles.

Tal como faz no "Sermão do Monte", Mateus conservou-nos, de seguida, uma série de recomendações
atinentes à pregação da Boa-Nova, por parte dos Emissários, enquanto nos outros evangelistas as encontramos esparsas.
Podemos dividir a alocução de Mateus em cinco partes principais. Em nosso texto apenas as enumeraremos. São elas:
A - Instruções (vers . 5 a 15);
B - Avisos (vers. 16 a 23);
C - Encorajamento (vers. 24 a 33);
D - Dificuldades (vers. 34 a 39) e
E - Recompensas ( vers. 40 a 42) .

Muitas coisas foram ditas sob o império das circunstâncias da época, e necessitam ser atualizadas. À
recomendação de "não seguir pela estrada dos gentios nem entrar nas cidades dos samaritanos, mas só
falar às ovelhas perdidas da casa de Israel", pode bem substituir-se hoje: "não pretender fazer prosélitos de outras religiões, tirando-os de suas crenças, mas falar apenas àqueles que estiverem insatisfeitos e perturbados em sua própria religião".

"Os doze" é fórmula frequente em Marcos (4:10; 9:34; 10:32; 11:11; 14:10,17,20,43) e em Lucas (8:1;
9:2; 18:31; 22:3,47; At. 6:2, etc.), designando os discípulos mais chegados, aos quais Jesus denominou
oficial mente como "seus Emissários" (Apóstolos).

A partir deste momento os doze se tornam efetivamente Emissários de Jesus, e Este os instrui sobre o
comportamento durante a viagem. Essas recomendações voltarão, quando do envio dos 72 discípulos,
mais adiante.

Marcos esclarece que eles foram mandados "dois a dois", tal como é dito a respeito dos setenta e dois.
O tema básico da pregação é ainda a fórmula do Batista (Mat. 3:2) repetida no início por Jesus (Mat.
4:17), de que "o Reino dos céus está próximo", ou seja, não se acha distante no tempo (após a desencarnação) nem espaço (nas alturas, acima das  nuvens), mas antes acha-se próximo a nós no tempo
(agora, já) e no espaço (dentro de nós, Luc. 17: 21).

Além disso recebem os doze a ordem taxativa de curar os enfermos ressuscitar os mortos, de limpar os
corpos (da lepra) e os espíritos (dos obssesores). Tudo isso deve ser feito, sem que jamais se pense em
retribuição de qualquer espécie, mormente financeira: de graça recebestes (este dom) de graça dai(-o a
todos os que vo-lo pedirem).

Até aqui a concordância dos três sinópticos  não oferece dúvida. Mas na enumeração do que devem
levar ou não, no caminho, há certas discrepâncias. Concordam em proibir: a) dinheiro; b) alforge (com
víveres) e c) d túnicas, Entretanto Mateus e Lucas proíbem o bordão, enquanto Marcos o recomenda;
Mateus proíbe as sandálias, Marcos as autoriza e Lucas silencia a respeito.
Analisemos o texto.

Falando no dinheiro, Marcos diz "bronze", Lucas escreve "prata" e Mateus especifica "nem ouro
(krysÛn) nem prata (argyrÛn) nem bronze (kalkÛn). Nesses materiais eram cunhadas as moedas, segundo seus valores, sendo que de bronze eram confeccionadas as moedinhas de pequeno valor.
Traduzimos "na cintura" (e não no "bolso", nem na "bolsa"), pois era a cintura (ou às vezes o turbante)
o local utilizado para carregar as moedas, quer colocadas em pequenos sacos, quer numa cava costurada para isso na cintura da túnica. Já expressamos (vol. 2) nosso pensamento, quanto à tradução dos
Evangelhos, como deve ser feita: com toda a clareza e fidelidade em termos da língua atual, mas que
dêem com a máxima exatidão o sentido da época. Falar em bolsas ou bolsos seria anacronismo, pois o
que na época se utilizava não era o que hoje entendemos com essas palavras. E não só entre israelitas
se carregava o dinheiro na cintura, pois Horácio (Epíst. II. 2, 40) escreve: ibit eo quo vis, qui zonam
pÈrdidit, isto é, "irá aonde quiseres, quem perdeu a cintura", ou seja, o dinheiro.

As sandálias ou alpercatas também são proibidas em Mateus, que as chama hypodÍmata (sola de couro
ou de madeira, amarrada aos pés), mas são autorizadas em Marcos, com a expressão: hypodedemÈnois
sand·lia, "amarrando sandálias sob os pés".

"Vestir duas túnicas" era costume de viagem, para proteger-se do frio à noite, servindo a segunda de
"muda", enquanto se lavava a de baixo, que estava suada.

Todas essas recomendações são feitas para treinar a confiança na Providência do Pai ("que não deixa
morrer de fome um pardal' ...), assim como o espírito de desprendimento e pobreza, indispensável a
quem pregava o reino do Espírito. E tudo foi dito em vista da conclusão: "o operário é digno de seu
sustento". O grego trophÍ exprime o alimento e algo mais: como acolhida e hospedagem. A trophÍ era
o que se proporcionava aos filhos da casa.

Ao chegar à localidade, mister informar-se de alguém que fosse "digno" (·xios), e nessa casa se permaneceria todo o tempo, pois ausentar-se dela constituiria, segundo o hábito israelita, ofensa ao hospedeiro.

Ao entrar na casa, a primeira coisa a fazer é "saudar" seus moradores (Mateus: asp·sasthe), fórmula
simples que Lucas (10:5) dá por extenso: "em qualquer casa em que entreis, começai dizendo paz a
esta casa." E, uma vez atraídas as vibrações de paz, ela se derrama fatalmente, quer sobre a casa, se a
sintonia for boa, quer sobre o próprio emissário.

Se o emissário cristão não fosse recebido, devia fazer o que era hábito de todo o israelita, quando regressava à Palestina proveniente de terras pagãs: sacudia o pó da roupa e dos pés, para não conspurcar
a Terra Santa. Paulo e Barnabé (At. 13:5) obedecem à letra a essa recomendação, quando são obrigados a sair de Antióquia da Pisídia para dirigir-se a Icônia. De qualquer forma, não deveria haver polê-
mica: caso não fosse aceito, devia retirar-se imediatamente.

A memória do cataclismo de Sodoma e Gomorra permanecia viva, e era julgado como o mais terrível
castigo da impiedade. Pois menos rigor haveria para essas cidades, que para aquela que não recebesse
os enviados do Mestre.

No entanto, a permanência em cada localidade devia ser curta. A tradição da época, registrada da DidachÍ (11:1) prescreve um dia ou, no máximo, dois, acrescentando que "aquele que permanecer três
dias é falso profeta".

O "dia do carma" (krisis) não se refere ao "juízo final", mas à colheita do resultado das ações feita por
meio da frequência vibratória de cada um: de acordo com as ondas básicas (tônica) de cada ser, será
ele atraído para este ou para aquele local, tal como as ondas hertzianas que penetram no aparelho de
rádio-receptor de acordo com a sintonia em que este se encontra.

Se as ações forem na linha do bem (na direção do Espírito) a colheita será alegria e paz; se forem no
sentido do mal (matéria ou satanás) o resultado colhido (carma) será dores e sofrimentos. Essa triagem,
essa "separação" (KrÌsis) é exatamente o carma automático, pois a Lei já estabeleceu tudo de antemão,
e não é necessário que ninguém faça julgamentos. A humanidade de hoje não precisa mais dessas figurações infantis: já está madura para receber a verdade sem distorções. Então, de acordo com o carma
será o estado de espírito dos seres, vibratoriamente separados segundo suas tônicas.

JULGAMENTO

Há um verbo grego (krÌnÛ) que é sistematicamente traduzido nas edições correntes por JULGAR; e seu
substantivo (krÌsis) é sempre transladado por JULGAMENTO ou JUÍZO.
Estudemos esses termos, que são de capital importância na compreensão do ensino de Jesus.
O verbo KRÕN‘ apresenta os sentidos básicos de: separar, fazer triagem, escolher, decidir, resolver e,
por analogia e extensão, julgar.
O substantivo KRÍSIS exprime fundamentalmente: aÁ„o, separaÁ„o, triagero, escolha, o resultado da
aÁ„o de escolher, decis„o, donde, por analogia e extens„o, julgamento, ou juÌzo.

Analisemos, agora o sentido etimológico, que também importa. Foram consultados: "Émile Boisacq,
Dictionnaire …timologique de Ia Langue Grecque, 4.ª edição, Heidelberg, 1950"; Liddell & Scott,
Greek-English Dictionary", Oxford, 1897"; e "Sir Monier Monier-Williams, A Sanskrit-English Dictiona,y, Oxford, 1960", pág. 258 e 300.
KRÍNÔ e KRÍSIS (assim como o latim CERNO) vêm da raiz sânscrita KRI, que significa: agir, fazer,
causar, elaborar, construir, escolher, etc.
Dessa mesma raiz KRI deriva o substantivo sânscrito KARMA, que exprime: aÁ„o, realizaÁ„o, efeito,
resultado da aÁ„o escolhida, escolha, e cujo sentido é perfeitamente compreendido pelos estudiosos
do espiritualismo, ou seja: CARMA é a consequência (boa ou má) de uma ação (boa ou má) que a criatura tenha realizado por sua livre escolha .
Verificamos, pois, que traduzir sistematicamente KRÍNÔ e KRÍSIS por “julgar" e "julgamento" (sentidos analógicos e extensivos) é, em muitos casos, forçar o sentido e até desvirtuá-lo totalmente.
EXEMPLOS – “O Pai a ninguém julga, mas deu todo julgamento ao Filho" (João, 5:22) só formaria
sentido se aceitássemos um deus pessoal, sentado num trono (como Salomão) a proferir sentenças,
embora de grande sabedoria. Aliás, muita gente imagina exatamente uma cena assim ... Sabemos, porém, que isso jamais pode dar-se com o Ser Absoluto e Impessoal que é O Pensamento Criador e Sustentador dos universos, transcendente a tudo e a todos, mas imanente em todos e em tudo, pois que
constitui a essência última de todos os seres e de todas as coisas.

Apliquemos a tradução lógica (não a "analógica") e vejamos: "O Pai a ninguém escolhe, mas deixa
toda escolha ao filho". Aí o sentido procede: justamente por ser imanente em todos, o Pai Impessoal a
ninguém escolhe, porque a todos, "bons e maus, justos e injustos" (cfr. Mat. 5:45), santos e criminosos,
dá as mesmas oportunidades, a mesma quantidade de amor e, liberdade absoluta do livre-arbítrio. Mas
"toda escolha é dada ao filho", isto é, ao ser humano, "filho de Deus" que, com seu livre-arbítrio, escolhe o caminho que quer, arcando depois com as consequências, na "época  do carma” (no "dia do
juízo", que pretende traduzir exatamente a palavra  krisis). No caso de Jesus, Ele podia afirmar, em
continuação: "e minha escolha é justa, porque não busco a minha vontade, mas a vontade de quem me
enviou” (João, 5:30), isto é, o Pai que é representado em nós pelo Cristo Interno, pelo Logos em nós .
Se nesse trecho traduzíramos KRÍNÔ por "julgar", haveria frontal contradição com os seguintes textos:

a) João, 8:15-16: "vós julgais segundo a carne (as aparências); eu a ninguÈm julgo. Mas se eu julgo
alguém, é verdadeiro meu julgamento, por que não estou só, mas eu, e o Pai que me enviou". Afinal, é o Pai que julga? ou deu o julgamento ao filho? E como o filho não julga ninguém? Não seria
possível compreender-se.
Substitua-se, porém, nesse passo, a tradução analógica pela lógica, e o sentido se torna claro, óbvio, compreensível: "vós escolheis segundo a carne (as aparências); eu não escolho ninguém; mas,
se escolho alguém, é verdadeira minha escolha, porque não estou só, mas eu, e o Pai que me enviou".

b) João, 12: 47: "Se alguém me ouve as palavras e não confia, eu não o julgo, pois não vim para julgar o mundo, mas para salvar o mundo". Afinal o julgamento é do filho ou do Pai? Se "todo o julgamento foi dado ao filho”, como diz o filho que “não veio para julgar"? Então, compreendemos
que realmente, há uma diferença entre os dois textos, e que, neste último passo, krÌnÙ tem, de fato,
o sentido analógico de "julgar". Aqui é mesmo JULGAR como naquele outro passo de Lucas
(5:37): "Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados".
No trecho que aqui comentamos, compreendemos perfeitamente que não pode haver um "dia do juí-
zo", interpretação que deu margem à invenção de  um "juízo particular" e de um "juízo universal",
quando "o mundo terminaria”. Esses absurdos anticientíficos e antilógicos não mais podem ser aceitos
hoje. Não haverá "fim do mundo", pois no máximo poderá ocorrer um "fim de ciclo", que coincide
com o movimento pendular do eixo do planeta, cada 26.000 ou 28.000 anos. No entanto, há comprovadamente a época da "colheita de resultado de nossas ações" a cada término de existência terrena, ou seja, "o dia do carma", assim como, a cada fim de ciclo, haverá uma triagem (separação) de acordo com as vibrações de cada um. Portanto, a melhor tradução do trecho, em termos atuais, para compreendermos o que Jesus ensinou, é exatamente "o dia do carma", isto é, "o dia da colheita (krÌsis) dos resultados de nossas ações, boas ou más".

Isto porque, a cada pessoa ou coletividade, "será dado segundo suas obras” (cfr. Mat. 16:27; Rom. 2:6;
2 Cor. 5:10 e 11:15; 1 Pe. 1:17: Apoc. 2:23 e 22:12; e outros semelhantes).
Ao ler este primeiro trecho, temos a impress„o de estar recordando as recomendaÁıes que s„o feitas
‡queles que, emiss·rios do Alto para a Terra, reencarnam com tarefas especÌficas de evangelizaÁ„o.
Os que costumamos chamar de "espÌritos mission·rios aÌ encontram as diretrizes b·sicas de seu comportamento: desprendimento total e absoluto de tudo o que pertence ao plano material, inclusive ‡s
pessoas fÌsicas e ‡s organizaÁıes religiosas. A tarefa È especÌfica: ensinar a proximidade do reino dos
cÈus, que se encontra dentro de cada um. Se n„o for aceito num local, numa famÌlia, saia para os outros, para todos os que est„o "perdidos", isto  È, desorientados. Nessa  passagem r·pida, distribuir
PAZ, sa˙de, luz e amor, sem nada esperar de volta.
Ensina-nos o trecho que nenhuma preocupaÁ„o devemos ter com a personalidade transitÛria, que fenece como a erva do campo. O aceno ao "dia do carma" esclarece que na colheita do resultado das
aÁıes È muito mais levada em conta a atitude espiritual (recusa de espiritualizar-se) do que os atos
fÌsicos do corpo, os erros do sexo (Sodoma e Gomorra) e as imperfeiÁıes sempre naturais a quem È
imperfeito. O ato de recusar o convite para espiritualizar-se ("pecado contra a EspÌrito") È que constitui a condenaÁ„o, n„o como castigo, mas porque isso vem assinalar externamente a direÁ„o interna
de seu caminhar. Se a criatura est· caminhando para o sul e, embora convidada, recusa ir para o
norte, est· condenada a jamais chegar ao norte; assim, se caminhar para a matÈria ("anti-sistema") e
recusa voltar-se para dirigir-se ao EspÌrito (ìSistema"), fica ipso facto "condenada", porque ìpeca
contra o EspÌrito" (Luc. 12:10), isto È, se movimenta na direÁ„o oposta ao EspÌrito.
Resumindo: todo aquele que pretende dedicar-se ‡ vida real do Espirito, tem que desprender-se (desapegar-se) de tudo quanto È material: dinheiro, roupa, calÁado, comidas, etc., vivendo apenas para
fazer o bem: curando, ressuscitando, limpando, distribuindo PAZ, tudo "de graÁa", sem esperar retribuiÁ„o. SÛ o EspÌrito vale: a personalidade È precária e transitória.

O REINO DOS CÉUS



Artigo publicado no jornal Unificação - Ano IX - Agosto de 1961 - Número 101

“E, interrogado pelos fariseus sobre quando havia de vir o Reino de Deus, respondeu-lhes, e disse: O Reino de Deus não vem com aparência exterior. Nem dirão: Ei-lo aqui, ou, Ei-lo ali, porque eis que o Reino de Deus está entre vós”.
(Lucas, Cap. XVII, v. 20/21).

“ E dizia: A que é semelhante o Reino de Deus, e a que o compararei? É semelhante ao grão de mostarda que um homem, tomando-o, lançou na sua horta, e cresceu, e fez-se grande árvore, e em seus ramos se aninharam as aves do céu.
E disse outra vez: A que compararei o Reino de Deus?
É semelhante ao fermento que uma mulher, tomando-o, escondeu em três medidas de farinha, até que tudo levedou”.
(Lucas, Cap. XIII, v. 18/21).

“O reino dos céus é semelhante a um tesouro escondido num campo que um homem achou e escondeu, e, pelo gozo dele, vai, vende tudo quanto tem, e compra aquele campo”.

(Mateus, Cap. XIII, v. 44).
“ O reino dos céus é semelhante ao homem negociante, que busca boas pérolas.
E, encontrando uma pérola de grande valor, foi, vendeu tudo quanto tinha, e comprou-a.
O reino dos céus é semelhante a uma rede lançada no mar, e que apanha toda a qualidade de peixes.
E, estando cheia, a puxam para a praia; e assentando-se, apanham para os cestos os bons; os ruins, porém, lançam fora”.
(Mateus, Cap. XIII, v. 45/48).

Nos trechos evangélicos supra, o Mestre fez evidenciar que o Reino dos Céus não existe como lugar confinado, como mansão de repouso ou plano de contemplação beatífica.
Asseverando que o Reino dos Céus virá sem qualquer demonstração exterior, e ainda mais, que o tão almejado reino está perenemente entre nós, Jesus definiu, de modo inequívoco, como deveremos concebê-lo.
Evidentemente, se uma criatura vive em paz com sua consciência e é perseverante na observação dos ensinamentos evangélicos, estará, obviamente, vivendo num paraíso. Por outro lado, se qualquer indivíduo apenas pratica iniqüidades e reluta em seguir as veredas do Bem, estará, implicitamente, vivendo num verdadeiro inferno.
O Espiritismo proclama a existência dos planos superiores da Espiritualidade, onde os Espíritos que bem desempenharam o aprendizado nas “múltiplas moradas da casa do Pai”, gozam das bem-aventuranças peculiares àqueles que souberam assimilar as leis do amor. Essas regiões elevadíssimas não são destinadas à inação, ao descanso ou a servirem de reduto para espíritos egoístas que consideram a humanidade como parias ou intocáveis relegados à própria sorte.
No intuito de revelar aos seus pósteros a premente necessidade da preparação das almas para a tarefa dignificante de assimilação do reino dos Céus, o Nazareno fez várias comparações concludentes em torno do verdadeiro sentido em que devemos conceber a existência daquele reino. Naquelas felizes demonstrações o Reino dos Céus foi apresentado sob vários prismas que giram em torno do mesmo significado. Comparou-o, Jesus, ao grão de mostarda, que apesar de ser uma das mais minúsculas sementes, produz enorme vegetação; ao fermento que é capaz de levedar grande quantidade de massa; ao tesouro escondido, que, quando é achado por uma criatura, esta vende tudo quanto tem para adquiri-lo; a uma pérola de grande valor, que, quando achada serve de incentivo para quem a descobrir vender tudo quanto tem a fim de adquiri-la e, finalmente, a uma rede lançada ao mar e que, apanhando grande quantidade de peixes, uns são lançados fora como ruins e outros guardados como bons.
A máxima: “Buscai antes o Reino de Deus e sua justiça e tudo vos será acrescentado”, por si só é suficiente para demonstrar que, abrindo o coração para que nele se aninhe o sentimento do Bem, a criatura estará, tacitamente, recebendo pequena semente que se traduzirá em coisas empolgantes e gigantescas a ponto da criatura se sentir em íntimo contacto com as entidades boas e puras da Espiritualidade Superior, as quais, como aves do céu, dela aproximar-se-ão atraídas pelos vários ramos de virtude que emanam da sua alma.
Aquele que sentir em seu íntimo o despertar para as coisas de Deus deverá se desvencilhar de todas as imperfeições, deixando à margem todos os impulsos menos edificantes. Nesse caso deverá agir como aquele homem que, encontrando uma pérola de alto valor ou um tesouro escondido, se decidiu a dispor de tudo quanto tinha a fim de adquiri-los. O ser que pressentir, no âmago da sua alma, que as primícias do Reino dos Céus o estão bafejando com seus influxos, dada a sua qualidade de pessoa que pretende palmilhar a senda do Bem, deverá abandonar todas as preocupações escusas, os vícios, os maus pendores, a fim de possuir aquele Bem maior.
Fazendo analogia entre o Reino dos Céus e uma rede cheia de peixes, da qual o pescador separará os bons, guardando-os na cesta, e atirando os maus para fora, o Messias nos legou um ensino velado do qual temos que subtrair o espírito que vivifica.
O Reino dos Céus é para todas as criaturas de Deus. A rede generosa é lançada para toda a humanidade, indistintamente, assim como o Senhor derrama da sua infinita misericórdia sobre todos os seus filhos. Muitos, porém, não se contagiam por essas coisas sublimes e, quando ultrapassarem o limiar do túmulo, ocorrerá àquela separação lógica que os Evangelhos nos retratam, simbolizada no levantamento da rede e separação dos peixes: aqueles que se compenetraram dos seus deveres entrarão no gozo das coisas do Alto e aqueles que perverteram suas obrigações, que apenas aninharam o mal em seus corações, serão atirados para os lugares onde haverá choros e ranger de dentes – os planos terra-a-terra onde os espíritos ociosos curtirão as dores oriundas de um dever não cumprido, o umbral tenebroso servirá de cenário para essas criaturas que prevaricaram com os seus deveres.
Quando alguém nos disser que o Reino dos Céus está ali ou acolá, não devemos dar crédito. O tão aspirado Reino está dentro de nós e sua penetração em nosso coração se fará sem qualquer manifestação exterior, ou seja, pela simples prática das boas obras, conforme nos ensina o Cristo, através dos versículos 20 e 21 do Capitulo XVII do Evangelho de Lucas.

O Reino

José Argemiro da Silveira
de Ribeirão Preto, SP
“Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua Justiça, e tudo o mais vos será dado por acréscimo” - Jesus.
Em várias passagens do Evangelho Jesus acentua a importância do Reino de Deus, ou Reino dos Céus. Podemos considerar este ensino como sendo o tema central, a coluna mestra de sua Doutrina. “O Reino dos Céus é semelhante a um negociante que procurava pérolas preciosas; descobriu uma pérola de grande valor, foi vender tudo que possuía e a comprou”. Em outro lugar: “O Reino dos Céus é semelhante a um tesouro que, oculto no campo, foi achado e escondido por um homem, o qual, movido de gozo, foi vender tudo o que possuía e comprou aquele campo”. J. Herculano Pires, grande filósofo e escritor espírita, escreveu um livro sobre “O Reino”, onde ele fala da tese do Reino. Diz ele: “A tese do Reino de Deus tem permanecido oculta nos Evangelhos, porque os homens insistem na tentativa de servir a dois senhores. Mas o anseio do Reino os arrasta cada vez mais à descoberta da tese”. Conquistar esse Reino significa o desabrochar das potencialidades do Espírito para compreender e viver de acordo com as Leis Divinas, ou seja, realizar a evolução espiritual. O Reino de Deus está em nós, afirmou o Mestre. Logo, para conquistá-lo não temos que buscá-lo fora, e sim trabalhar por despertar as potencialidades existentes em nosso íntimo. A medida que o ser evolui, passa a trabalhar para melhorar o meio em que vive.
Diz Herculano: “Para obtermos um verdadeiro mundo de luz é necessário acendermos a luz nas almas. Esse é o primeiro tema da tese do Reino. Mas, se o mundo é o reflexo do homem, esse reflexo também condiciona o homem. Não basta melhorar apenas o homem; é necessário trabalhar para melhorar o meio onde esse homem vive. Assim, o segundo tema da tese do Reino é a modificação do meio. Ao mesmo tempo que acendemos a luz nas almas, temos de fazê-la brilhar no meio social. As almas iluminadas iluminam a sociedade, mas a sociedade iluminada deve iluminar as almas. Não podemos nos esquecer dessa reciprocidade”. E cita José Ingenieros: “Num meio em que todos rastejam, é difícil alguém andar em pé”.
É preciso lutar para criar condições sociais adequadas ao aprimoramento do homem. Segundo Herculano, o terceiro tema da tese do Reino é o da escolaridade. “o Reino exige a preparação dos candidatos, exige escola, Os candidatos do Reino estão todos na escola da vida, mas é evidente que a maioria pertence às classes primárias”. A escola da vida são as tarefas confiadas a cada um; os deveres da profissão, da família, da vida social. Há sempre oportunidades para aprender e nos exercitarmos na vivência dos valores que nos levarão ao despertamento, a desenvolver as qualidades que estão em nós, ainda latentes. As religiões e escolas espiritualistas são processos pedagógicos, com seus diferentes métodos didáticos em desenvolvimento no Mundo. Muitas delas estão deturpadas, comprometidas com o homem velho de que falava Jesus, mas todas as criaturas humanas dispõem de recursos didáticos para auxiliarem os sistemas pedagógicos deficientes. Não só ensinar, mas acima de tudo dar o exemplo. Quem ensina aprende, e vice-versa. A escolaridade é então o processo da experiência.
O quarto tema da tese do Reino é a obrigatoriedade, afirma J. Herculano. “Esse tema nos mostra que as almas obedecem a leis morais, como os corpos obedecem a leis físicas. Umas e outras são leis de Deus que nos conduzem obrigatoriamente para o Reino”. A palavra “obrigatoriedade” pode causar alguma estranheza, considerando a afirmativa de Paulo que “onde há o Espírito do Cristo aí há liberdade”. Mas o mesmo Paulo afirmou: “Tudo me é permitido, mas nem tudo me convém”. Deus nos dá o livre-arbítrio, podemos fazer opções, escolher caminhos. Tudo nos é permitido, mas somos responsáveis pelas nossas escolhas. Daí o alerta de que “nem tudo nos convém”. O livre-arbítrio não colide com as leis divinas, pois ele mesmo é parte da Lei. Enquanto não nos enquadrarmos na Lei, não agirmos de acordo com ela, não vamos adiante, não progredimos. Portanto, para o Espírito evoluir, construir o Reino de Deus no seus íntimo, terá obrigatoriamente que observar os princípios éticos, as leis morais, assim como os corpos obedecem as leis físicas. Sabemos que, no plano físico, as leis da Física, da Química, da Biologia, da Gravidade, etc. funcionam matematicamente, não se podendo burlá-las. O mesmo ocorre em relação às leis morais, às leis divinas, que vigoram no plano espiritual. Lei de causa e efeito, lei de evolução, de justiça, de amor, etc. Podemos agir em desacordo com a Lei, mas receberemos sempre resultados equivalentes às ações praticadas; somos responsáveis por tudo que fazemos.
Nesses quatro temas temos um roteiro para trabalhar a nossa evolução espiritual, ou seja, edificar, paulatinamente, o Reino dos Céus em nosso íntimo. Esta é a meta de nossas vidas, o caminho da felicidade que todos buscamos.

Bibliografia:

  • O Reino - José Herculano Pires - Editora EDICEL.
(Jornal Verdade e Luz Nº 168 de Janeiro de 2000)

O Reino de Deus

Sérgio Biagi Gregório
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Notícias Históricas. 4. Fundação do Reino de Deus. 5. Alguns Textos Evangélicos. 6. Ter ou Ser?: 6.1. A Importância da Diferença entre Ter e Ser; 6.2. Ensinamento dos Grandes Pensadores; 6.3. Experiência Cotidiana. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO

De acordo com a Teologia, o Reino de Deus é tema central da pregação de Jesus. Ele ocupa lugar de destaque em várias de suas parábolas - principalmente o grão de mostarda - , a menor das sementes que, depois de plantada, dará a maior das árvores. Assim, o objetivo deste estudo, à semelhança do grão de mostarda, é enaltecer o desenvolvimento das potencialidades interiores de cada um de nós, a fim de que nos tornemos árvores frondosas em virtude e sabedoria.

2. CONCEITO

Reino - 1) Nação ou Estado governado por um rei ou uma rainha. 2) Domínio longínquo pertencente ao rei.
Reino dos Céus/Deus
Catolicismo: realidade misteriosa cuja natureza só Jesus pode dar a conhecer.
Espiritismo: estado de felicidade proporcional ao grau de perfeição adquirida; materialização da felicidade dos bem-aventurados; obra divina no coração dos homens; estado de sublimação da alma, criado por ela própria, através de reencarnações incessantes. (Espiritismo de A a Z, FEB)

3. NOTÍCIAS HISTÓRICAS

O conceito de Reino de Deus vem do Antigo Testamento:
  1. desde a época da instalação de Israel em Canaã, Iavé é reconhecido como seu Rei e mais tarde como rei de todas as nações;
  2. dado o regime monárquico de Israel, a realeza humana passa a ser considerada como uma participação da de Iavé, o rei davídico, sentado no trono régio do Senhor, como seu representante;
  3. as infidelidades dos reis denunciados pelos profetas e sobretudo a queda da monarquia favoreceram a espiritualização do tema e contribuíram para que se pensasse na realização do reino de deus nos fins dos tempos. (Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura)
No Novo Testamento, observamos:
  1. os judeus nos tempos de Cristo entenderam-no como um reino messiânico, isto é, uma nova era em que Iavé, Deus de Israel e Deus do mundo, tendo triunfado dos seus inimigos que eram também os do povo eleito, havia de implantar o seu reinado no universo graças ao estabelecimento da supremacia política e religiosa desse povo.
  2. Jesus, porém, interpretou-o de forma diferente, ou seja, sem o caráter de nacionalismo, reservado somente aos descendentes de Abraão. Evocava, por assim dizer, a grande esperança na vida futura e a transcendência pelo qual importava sacrificar tudo na terra, inclusive a própria vida. Para ele, não é apenas esse reino futuro de justiça definitiva, mas posto ao alcance de todas as boas vontades no combate ao mal. Isento de seitas, referia-se à construção do reino de Deus dentro dos próprios corações. (Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira)

4. FUNDAÇÃO DO REINO DE DEUS

João Batista, o precursor do mestre, dizia: "Arrependei-vos porque está próximo o reino dos céus"... "Eu vos batizo com água, para arrependimento; mas aquele que vem depois de mim é mais poderoso do que eu, cujas sandálias não sou digno de levar. Ele vos batizará com o Espírito Santo e com o fogo". (Mateus, 3, 2 a 11)
O Espírito Irmão X, no capítulo 3, do livro Boa Nova, dá-nos uma idéia da implantação do reino de Deus feita por Jesus.
Estando Jesus sentado nas adjacências do Templo, em Jerusalém, Hanã, sacerdote, dirigiu-se a ele e lhe perguntou:
- "Galileu, que fazes na cidade?
- Passo por Jerusalém, buscando a fundação do Reino de Deus! - exclamou o Cristo, com modesta nobreza.
- Reino de Deus? - tornou o sacerdote com acentuada ironia. - E que pensas tu venha a ser isso?
- Esse Reino é obra divina no coração dos homens! - esclareceu Jesus, com grande serenidade.
- Obra divina em tuas mãos? - revidou Hanã, com uma gargalhada de desprezo".
Continuando a conversa, perguntou-lhe sobre quem os ajudaria e como levaria a cabo tamanho empreendimento. Jesus sempre respondia com firmeza e tranqüilidade.
Daí a algum tempo, na cercanias de Cafarnaum, dirigiu-se a um grupo de alegres pescadores, convidando-os a pescar homens.

5. ALGUNS TEXTOS EVANGÉLICOS

"Buscai primeiro o Reino de Deus e sua justiça." (Mateus, 6, 33)
Muitos procuram o evangelho para a realização dos próprios caprichos: mandar e fazer-se obedecer, ter privilégios... Raros aceitam a condição do discipulado. Querem ser favoritos de Deus. Busquemos, sim, em primeiro lugar a vontade Deus. (Vinha de Luz, 18)
"O reino de Deus não vem com aparência exterior." (Lucas, 17, 20)
Lembremo-nos de que a prática do proselitismo é, muitas vezes, prejudicial aos elevados projetos de realização. Por que apresentar pompas e números vaidosamente, nos grupos de fé? A realização divina começará no íntimo de cada um. No corpo que se vai, a maioria pode ver apenas a carne. Por que constrangê-lo a ver o Espírito se ainda não é a sua hora? (Caminho Verdade e Vida, 107)
"O Reino de Deus está no meio de Vós." (Lucas, 17, 21)
Nem nas obras sem fé que se reduzem a pedra e pó. Nem na fé sem obras que é estagnação da alma. Nem no movimento sem ideal de elevação que é cansaço vazio. Nem no ideal de elevação sem movimento que é ociosidade brilhante. Nem exigência a todo o instante. Nem desculpa sem fim. A edificação do Reino Divino é obra de aprimoramento, de ordem, esforço, aplicação aos desígnios do Mestre, com bases no trabalho metódico e na harmonia necessária. (Vinha de Luz,177)
"Aquele que não nascer de novo não pode ver o Reino de Deus." (João, 3, 3)
Conservemos do passado apenas o que for bom e justo, belo e nobre. Cada hora na atualidade pode ser o reajustamento de uma atitude. Alguém nos magoa? Reiniciemos o esforço da boa compreensão. Alguém não nos entende? Perseveremos em demonstrar os nossos intuitos mais nobres. (Fonte Viva, 56)
"Se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo algum entrareis no Reino dos Céus." (Mateus, 5, 20)
Os escribas e fariseus não eram criminosos, cumpriam os seus deveres, respeitavam as leis, jejuavam, pagavam impostos... Adoravam o eterno Pai, mas não vacilavam em humilhar o irmão de jornada. O cristão não surgiu na Terra para circunscrever-se à casinhola da personalidade, mas para transformar vidas e aperfeiçoá-las com a própria existência. (Vinha de Luz, 161)
"E Jesus lhe disse: Ninguém, que lança mão do arado e olha para trás é apto para o reino de Deus." (Lucas, 9, 62)
Por que Jesus usou o símbolo do arado? É pesado, demanda esforços, provoca suor, fere a terra... Contudo, depois chegam semeaduras e colheitas, pães e pratos e celeiros guarnecidos. (Pão Nosso, 3)

6. TER OU SER?

6.1. A IMPORTÂNCIA DA DIFERENÇA ENTRE TER E SER

Ter é uma função normal de nossa vida: ter casa, ter parentes, consumir etc. Como, porém, descortinar uma alternativa entre ter e ser, se temos a impressão de que a própria essência de ser é ter: de que se alguém nada tem, não é?

6.2. ENSINAMENTO DOS GRANDES PENSADORES

Buda ensinava que, para chegarmos ao mais elevado estádio do desenvolvimento humano, não devemos ansiar pelas posses.
Jesus ensinava que devíamos perder a própria vida para salvá-la.
Mestre Eckhart ensinava que ter nada e tornar-se aberto e "vazio", e não colocar o eu no centro, é condição para conseguir riqueza e robustez espiritual.
Marx ensinava que o luxo é tanto um mal como a miséria, e que nosso ideal deve consistir em ser muito, e não ter muito.

6.3. EXPERIÊNCIA COTIDIANA

Estudante - No modo ter é memorizar e passar de ano: no modo ser, é raciocinar junto com o professor.
Fé - No modo ter é a posse de uma resposta àquilo para o que não se tem qualquer prova racional; no modo ser, é uma orientação íntima, uma atitude. Seria preferível dizer estar na fé em vez de ter fé.
Amor - No modo ter implica confinamento, aprisionamento ou controle do objeto que se "ama"; no modo ser, liberdade, ajuda mútua, crescimento. O namoro geralmente é modo ser, enquanto o casamento pode tornar-se modo ter, pois se cada um pode querer exercer domínio sobre o outro. Observe que a palavra "cair de amor" é de uso incorreto, porque amar é uma atividade criativa, pois só se poder estar em amor ou andar no amor; não se pode cair no amor, porque cair denota passividade. (Fromm, 1977)

7. CONCLUSÃO

O reino de Deus não é um lugar circunscrito, mas "obra divina no coração dos homens", ou seja, a edificação da sabedoria e a conquista do amor, através do trabalho incessante na prática do bem. É o desapego aos bens materiais, o perdão às ofensas dos inimigos, enfim, é a lembrança das Leis Divinas ou Naturais, gravadas por Deus em nossa consciência. Nesse sentido, todo o esforço despendido em auxiliar o próximo, em silenciar uma crítica, em pensar duas vezes antes de querelar com o vizinho assume papel relevante na prática da perfeição.

8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

  • Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura. Lisboa, Verbo, s. d. p.
  • EQUIPE DA FEB. O Espiritismo de A a Z. Rio de Janeiro, FEB, 1995.
  • FROMM, E. Ter ou Ser? Rio de Janeiro, Zahar, 1977.
  • Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, s.d. p.
  • XAVIER, F. C. Boa Nova, pelo Espírito Humberto de Campos. 11. ed., Rio de Janeiro, FEB, 1977.
  • XAVIER, F. C. Caminho, Verdade e Vida, pelo Espírito Emmanuel. 6. ed., Rio de Janeiro, FEB, 1973.
  • XAVIER, F. C. Fonte Viva, pelo Espírito Emmanuel. Rio de Janeiro, FEB, s.d.p.
  • XAVIER, F. C. Pão Nosso, pelo Espírito Emmanuel. 5. ed., Rio de Janeiro, FEB, 1977
  • XAVIER, F. C. Vinha de Luz, pelo Espírito Emmanuel. 3. ed., Rio de Janeiro, FEB, 1971.

NÃO VADES PARA OS GENTIOS


NÃO VADES PARA OS GENTIOS

"Não vades a caminho de gentios, nem entrei nas cidades dos Samaritanos,
mas ide antes, às ovelhas perdidas da casa de Israel.. (Mateus, 10:5-7).
À primeira vista parece que razões insondáveis teriam levado Jesus Cristo a recomendar a seus discípulos que não procurasseis os gentios nem os samaritanos, mas de preferência aqueles que, em Israel, estivessem desviados do caminho certo.
Porventura não preceituou o Mestre que "o Pai faz o sol nasce para os bons e para os maus, e a chuva beneficiar justos e injustos". Não é certo que o Mestre tomou os Samaritanos como paradigma de bondade ou de compreensão, conforme se depara da Parágrafo do Bom Samaritano, do seu colóquio com a Mulher Samaritana; do episódio da Cura dos Dez Leprosos? Nestas três passagens evangélicas o Senhor situou alguns samaritanos em nítida situação de superioridade moral e espiritual sobre muitos judeus ortodoxos.
O Mestre jamais recomendou qualquer espécie discriminação, por parte dos seus discípulos, quando fossem pregar as verdades eternas dos Evangelhos. Na recomendação acima ele disse "ide antes" às ovelhas perdidas da Casa de Israel. Isso significa, que, após terem ido às aldeias e cidades de Israel, poderiam aldeias e cidades dos gentios.
À primeira vista parece que estas palavras de Jesus encerram sentimentos de intolerância e menosprezo por determinados agrupamentos humanos, e o trecho acima, do Evangelho de Jesus, deve ter servido, no passado, para justificar perseguições e severos movimentos de repressão contra minorias religiosas que pactuavam com a ortodoxia religiosa prevalecente.
Realmente, o Mestre foi enviado às ovelhas desgarradas de Israel, e não poderia ter sido de outra forma, a povo judeu havia sido adredemente preparado, no decurso de vários séculos, para receber o Grande Missionário. O esforço no sentido de se manter uma estrutura monoteísta no arcabouço religioso do povo hebraico havia custado lágrimas, longos cativeiros, dores e até morte. Graças ao empenho dos antigos profetas e de outros grandes missionários que habitaram a Terra, Israel era a única nação que estava preparada para receber o Messias, para que em seu solo ele desempenhasse sua fulgurante missão de paz e de luz. Eis por que ele disse à Mulher Samaritana: "A salvação vem dos judeus".
O desempenho de um Messiado no seio de uma nação politeísta teria sido muito mais difícil, demandaria muito maior esforço e lograria menor êxito, a trabalho dos apóstolos teria sido muito mais espinhoso, pois entre os gentios tudo estava por fazer, a começar da necessidade de se implantar a crença num só Deus. Haja vista o trabalho gigantesco que Paulo de Tarso, Barnabé e outros missionários tiveram de desenvolver no sentido de proceder à semeadura cristã no coração daqueles povos.
Recomendando a seus apóstolos que não fossem aos pagãos, não representou isso qualquer descaso pela sua conversão, o que teria sido pouco caridoso e até conflitante com o caráter universal da revelação cristã.
É óbvio que o Mestre tem suas vistas voltadas para toda a Humanidade, uma vez que sua missão abarca todos os povos da Terra, entretanto, em seu incomensurável amor, previu tudo para que o seu Messiado fosse completo e suscitou outros missionários que tiveram a tarefa gigantesca de proceder à semeadura da sua mensagem no cenário dos povos politeístas.
Este ensinamento do Mestre se aplica aos homens de todas as épocas, muitos dos quais nem sempre estão preparados para a assimilação dos ensinamentos reformadores. Sempre existiram e existem os céticos, os escarnecedores, os obstinados, os detratores, os opositores sistemáticos. A estes de pouco adiantam palavras esclarecedoras, as quais eles não estão aptos a receber.
O Mestre jamais se importunou em converter os grandes da Terra. Quando algumas pessoas de influência lhe pediram um sinal, sua resposta foi categórica: "Nenhum sinal será dado a esta geração má e infiel". Quando Herodes mandou procurá-lo, pretextando querer conhecê-lo, ele deu ao portador do convite o célebre recado: "lde dizer a essa raposa que ainda por três dias devo expulsar os maus espíritos e curar os leprosos e paralíticos e no terceiro dia serei levantado". Não estava na cogitação imediata de Jesus a conversão dos homens insensíveis, dos cegos que não queriam ver, dos gentios que viviam a braços com grotesco paganismo e dos samaritanos que estavam mergulhados no mais denso obscurantismo, originado por dogmas e observância de pueris tradições. O Senhor preferia antes ir em demanda dos pequeninos, dos Lázaros, das Madalenas, dos Zaqueus, das Marias de Betânia e de outros dessa linhagem - ovelhas desgarradas que careciam voltar sem mais delongas ao redil.
Enquanto, na época de Jesus, devido à estreiteza das idéias: à materialidade dos costumes, tudo estava confinado, hoje, as idéias tendem para um sentido libertador e a tendência é de se caminhar para um mais ativo processo de espiritualização. Na atualidade não existem mais "povos eleitos", nem "gentios", nem "samaritanos pois todos os povos estão sendo preparados para a assimilação luz que brilha nos horizontes do mundo e que não é privilégio de nenhuma nação, de nenhum povo, de nenhuma religião. Os "gentios" deixaram de ser um povo para se tornar uma opinião generalizada em cujo seio as verdades reveladas por Jesus triunfariam um dia. Assim, como o Cristianismo causou a derrocada do paganismo, o Espiritismo, que representa a revivescência de seu Evangelho revelado por Jesus, triunfará de todos os sistemas que não estiverem fortemente fundamentados nas verdades imorredouras do Cristianismo.
Paulo A. Godoy

Não vades ter com os gentios




8. Jesus enviou seus doze apóstolos, depois de lhes haver dado as instruções seguintes: Não procureis os gentios e não entreis nas cidades dos samaritanos. - Ide, antes, em busca das ovelhas perdidas da casa de Israel; - e, nos lugares onde fordes, pregai, dizendo que o reino dos céus está próximo. (S. MATEUS, cap. X, vv. 5 a 7.)
9. Em muitas circunstâncias, prova Jesus que suas vistas não se circunscrevem ao povo judeu, mas que abrangem a Humanidade toda. Se, portanto, diz a seus apóstolos que não vão ter com os pagãos, não é que desdenhe da conversão deles, o que nada teria de caridoso; é que os judeus, que já acreditavam no Deus uno e esperavam o Messias, estavam preparados, pela lei de Moisés e pelos profetas, a lhes acolherem a palavra. Com os pagãos, onde até mesmo a base faltava, estava tudo por fazer e os apóstolos não se achavam ainda bastante esclarecidos para tão pesada tarefa. Foi por isso que lhes disse: "Ide em busca das ovelhas transviadas de Israel", isto é, ide semear em terreno já arroteado. Sabia que a conversão dos gentios se daria a seu tempo. Mais tarde, com efeito, os apóstolos foram plantar a cruz no centro mesmo do Paganismo.
10. Essas palavras podem também aplicar-se aos adeptos e aos disseminados do Espiritismo. Os incrédulos sistemáticos, os zombadores obstinados, os adversários interessados são para eles o que eram os gentios para os apóstolos. Que, pois, a exemplo destes, procurem, primeiramente, fazer prosélitos entre os de boa vontade, entre os que desejam luz, nos quais um gérmen fecundo se encontra e cujo número é grande, sem perderem tempo com os que não querem ver, nem ouvir e tanto mais resistem, por orgulho, quanto maior for a importância que se pareça ligar à sua conversão. Mais vale abrir os olhos a cem cegos que desejam ver claro, do que a um só que se compraza na treva, porque, assim procedendo, em maior proporção se aumentará o número dos sustentadores da causa. Deixar tranqüilos os outros não é dar mostra de indiferença, mas de boa política. Chegar-lhes-á a vez, quando estiverem dominados pela opinião geral e ouvirem a mesma coisa incessantemente repetida ao seu derredor. Aí, julgarão que aceitam voluntariamente, por impulso próprio, a idéia, e não por pressão de outrem.
Depois, há idéias que são como as sementes: não podem germinar fora da estação apropriada, nem em terreno que não tenha sido de antemão preparado, pelo que melhor é se espere o tempo propício e se cultivem primeiro as que germinem, para não acontecer que abortem as outras, em virtude de um cultivo demasiado intenso.
Na época de Jesus e em conseqüência das idéias acanhadas e materiais então em curso, tudo se circunscrevia e localizava. A casa de Israel era um pequeno povo; os gentios eram outros pequenos povos circunvizinhos. Hoje, as idéias se universalizam e espiritualizam. A luz nova não constitui privilégio de nenhuma nação; para ela não existem barreiras, tem o seu foco em toda a parte e todos os homens são irmãos. Mas, também, os gentios já não são um povo, são apenas uma opinião com que se topa em toda parte e da qual a verdade triunfa pouco a pouco, como do Paganismo triunfou o Cristianismo. Já não são combatidos com armas de guerra, mas com a força da idéia.

sábado, 17 de setembro de 2011

Os Serviços da Seara

RICHARD SIMONETTI

Mateus, 9:35-38.

Ao longo dos meses, Jesus desdobrava seu abençoado trabalho.
...percorria todas as cidades e aldeias, ensinando nas sinagogas, pregando o Evangelho do Reino e curando enfermidades. À vista das multidões, compadecia-se delas, porque andavam entregues à miséria e ao abandono, como ovelhas sem pastor.
Então, dizia aos discípulos:
– A seara, na verdade, é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, pois, ao Senhor da seara que mande trabalhadores para ela.
Usava com freqüência imagens simples relacionadas com o cotidiano, a fim de fixar seus ensinamentos.
Uma das mais fortes e significativas é a da seara, extensão de terra em que se faz o cultivo de cereais.
Sob o ponto de vista evangélico, é o campo de atuação do cristão, para a construção do Reino de Deus.
Tem exatamente o tamanho de nosso planeta.
A Terra é a grande seara.
Os seareiros espalham-se por todos os países, em todas as culturas...
Nem sempre aparecem vinculados ao Cristianismo, mas, invariavelmente, ligam-se às orientações do Cristo, que lhes fala na intimidade do coração.
Por isso há o perfume do Evangelho em todas as religiões, ainda que floresçam nas mais remotas regiões, sem acesso à mensagem cristã.
Mesmo grandes líderes religiosos que antecederam Jesus foram seareiros, anteciparam algo de suas lições, precursores de sua mensagem.

Hoje, como ontem, é reduzido o grupo de seareiros.
Por quê?
Haverá necessidade de aptidões especiais, curso superior, posição de destaque, inteligência brilhante?
Negativo!
Os grandes seareiros são, quase sempre, pessoas simples, sem títulos acadêmicos, sem primores de cultura e conhecimento.
Podemos entender por que são minguados os seareiros a partir da experiência de dedicado e lúcido pregador espírita, que chamaremos Pedro Afonso.
Certa feita decidiu montar um curso singular: Seareiros de Jesus.
Duzentas e vinte pessoas inscreveram-se, empolgadas pela perspectiva de se integrarem no glorioso grupo.
Na primeira reunião explicou:
– Teremos duas partes em nosso aprendizado: teórica e prática. A primeira pode ser resumida numa palavra: amor. Nele está a essência do pensamento cristão, a base do seareiro. A dificuldade está na prática, porque poucas pessoas conseguem amar de verdade. A propósito, meus amigos, o que é amar?
Vários alunos responderam que amar é gostar muito.
 – Definição equivocada. Gostar é um investimento, implica expectativa, resultados desejados. O rapaz gosta da namorada porque é bonita e carinhosa... A jovem gosta do namorado porque é atencioso e inteligente... É como experimentar um doce. Gostamos dele porque é saboroso, satisfaz ao nosso paladar.
Por isso as pessoas tendem a deixar de gostar. Ficam saciadas, ou enjoam do doce, ou o doce estragou, ou desejam experimentar novos sabores... Na rotina da vida conjugal a esposa já não é tão bonita, nem tão atencioso o marido... Há problemas no dia-a-dia com a educação dos filhos, as finanças, as dificuldades de relacionamento... Fica amargo, difícil de tolerar!
O expositor fez breve pausa, e acentuou:
– Amar é diferente. É querer o bem de alguém; é trabalhar por esse bem, sem cobranças. Exemplo perfeito – o amor de mãe, que se preocupa com o filho sempre, mesmo quando ele é um mau-caráter, um pilantra que a desrespeita e não corresponde às suas expectativas.

Após breve pausa Pedro Afonso continuou:
– Jesus recomendava que amemos o próximo como a nós mesmos. A dificuldade em fazê-lo está na falta desse referencial que seria o amor por nós mesmos. Por exemplo: Quem fuma?
Vários participantes ergueram o braço.
– Observem como é difícil... Se vocês cultivam um vício que faz muito mal, comprometendo a saúde, é óbvio que não se amam.
Um dos alunos contestou:
– O fumante revela amor por si mesmo, habilitando-se à tranqüilidade e ao estímulo que o cigarro proporciona. Eu mesmo fico tenso quando não fumo.
– Não confundamos paixão com amor. Paixão é instinto, é satisfação momentânea, sem cogitações mais nobres. Amor é sentimento, é realizar-se no bem do ser amado. Como um apaixonado por si mesmo, o fumante preocupa-se com a satisfação que possa tirar das baforadas, sem cogitar do amanhã. Por mais que o alertem, não atenta ao fato de que cada cigarro consumido abrevia em onze minutos sua vida, conforme estatísticas; ou que, fumando, candidata-se a ter câncer, enfisema pulmonar, hipertensão, enfarte... É como o maníaco sexual empolgado pela volúpia de estuprar uma mulher. Naquele momento sequer cogita de que experimentará a execração pública e passará bom tempo na cadeia por aquela fugaz realização sexual. Quem ama a si mesmo procura edificar um bom futuro para seu corpo, para seu espírito, furtando-se a paixões e vícios que satisfazem o presente mas complicam o futuro.
Não convencido Pedro Afonso cutucou novamente:
– Tenho outra pergunta: Quem faz uso de bebidas alcoólicas?
Uma floresta de constrangidos braços se ergueu.
Antes de qualquer comentário, alguém se defendeu:
– Parece-me que o álcool é diferente do cigarro. Este sempre faz mal. Com a bebida não é assim, se usada com moderação. Adoro tomar um copo de vinho diariamente, às refeições, sem prejudicar ninguém. Os médicos afirmam que faz bem ao coração...
Pedro Afonso concordou, mas acentuando:
– Não obstante, há uma questão de princípio. O álcool não faz mal se consumido com moderação, mas cada garrafa de bebida que adquirimos ajuda a sustentar uma indústria que tem matado mais gente e destruído mais lares, do que todas as guerras juntas. Um seareiro de Jesus não deve fazer isso. Concordam?

A lógica era irretorquível.
– Vamos adiante. Amar o semelhante, como ensinava Jesus, é querer o seu bem, tanto quanto queremos o nosso. O que vocês se propõem a fazer nesse sentido?
Vários aprendizes manifestaram-se:
– Pretendo dar um plantão semanal no albergue...
– Irei uma vez por semana à periferia, atender crianças...
–Visitarei doentes no hospital, aos domingos...
– Participarei de uma campanha de leite...
– Colaborarei nas vendas da festa da pizza...
– Conseguirei contribuintes para o Centro...
Pedro Afonso sorriu.
– Muito bem! Tudo isso é importante, mas não basta. Trabalhar na seara não é compromisso para algumas horas na semana ou alguns dias no mês. Imperioso que haja dedicação plena. O seareiro de Jesus deve estar sempre pronto, em todos os momentos, a fazer algo pelo próximo, seja em casa, na rua, no local de trabalho, no bairro humilde, empenhado em servir, disposto a sacrificar seus interesses em favor do bem comum.
Um aluno reclamou:
– Teoricamente isso é interessante, mas na prática não funciona, porquanto nem sempre temos ânimo para agir assim. Afinal, todos temos o nosso carma.
Eu, por exemplo, acho muito difícil pensar no próximo, considerando que estou desempregado e com problemas financeiros.
Outra aluna adiantou:
– Quanto a mim, perco a iniciativa por culpa de meu marido. Fico revoltada com ele. Age de forma irresponsável, causando problemas para a família. Carma pesado!
Outro aluno justificou:
– Meu carma é a saúde debilitada. Enfrento freqüentemente crises que me perturbam. Nessas horas não tenho cabeça para pensar em vivência cristã. Quero mesmo é me isolar!
Animados, outros alunos contaram algo de sua história, alegando inibições cármicas relacionadas com saúde, família, profissão...
Após ouvi-los pacientemente, Pedro Afonso esclareceu:
– Não confundamos. Carma é nascer cego ou paralítico; é ter doença grave; é sofrer uma tragédia; é enfrentar a morte prematura de um filho. Cônjuge difícil, problemas familiares, dificuldades financeiras, desajustes físicos passageiros são meras contingências da jornada humana. Jamais nos perturbarão se os
encararmos como espinhos necessários, sinais que Deus coloca em nosso caminho a fim de que sigamos com cuidado e não nos percamos nos desvios da inconseqüência. O grande problema dos candidatos ao serviço é que eles dão demasiada atenção aos espinhos. Isso faz que cresçam tanto aos seus olhos, que lhes parecem cruzes imensas, que literalmente paralisam suas iniciativas, tornando-os incapazes de aproveitar as oportunidades de servir.
– Isso significa então – interrompeu um aprendiz – que devemos servir sempre, em qualquer lugar ou situação?
– Exatamente. O seareiro não perde tempo com lamúrias ou queixas que envolvam circunstâncias ou pessoas, e muito menos se julga um infeliz a carregar imensa cruz. Ainda que a tenha sobre os ombros, invariavelmente faz dela um arado, edificando corações para Deus, com a força irresistível do exemplo.
O tempo estava esgotado.
Pedro Afonso fez a recomendação final:
– Vamos pensar nisso tudo, meus queridos, até a próxima semana, quando nos reencontraremos para seguir em nossos estudos, preparando-nos para a seara de Jesus.
Na aula seguinte, sem nenhuma surpresa para ele, os duzentos e vinte candidatos a seareiros estavam reduzidos a uma dúzia.
Todos desejavam o título honroso, mas poucos estavam dispostos a assumir os compromissos da seara, que continua grande, do tamanho do Mundo.