Carregar a cruz. Quem quiser salvar a vida, perdê-la-á.
Sérgio Biagi Gregório
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. O Texto Evangélico. 4. Simbologia da Cruz: 4.1. A Função Simbólica; 4.2. Tradição Cristã; 4.3. Tipos de Cruz. 5. Aspectos Relevantes do Texto Evangélico: 5.1. Regozijai-vos; 5.2. Renúncia de Si Mesmo; 5.3. Salvação. 6. Ilustrações sobre a Cruz: 6.1. Aquele que Cortou a sua Cruz; 6.2. O Tamanho da Cruz; 6.3. O Remédio Objetivo. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.
1. INTRODUÇÃO
O que significa carregar a cruz? Somente os que carregam a cruz serão salvos? O que é salvar-se? É simplesmente ter fé? E as obras? Com essas indagações, damos início ao nosso estudo, que se dividirá em: a simbologia da fé, análise do texto evangélico e algumas histórias sobre a cruz.
2. CONCEITO
Cruz – do lat. cruce – significa antigo instrumento de suplício, constituído por dois madeiros, um atravessando no outro, em que se amarravam ou pregavam os condenados à morte. P. ext. aflição, pena, infortúnio.
Salvação – do lat. salvatione –, ato ou efeito de salvar(-se), ou de remir, ou seja, livrar-se do perigo ou da ruína.
3. O TEXTO EVANGÉLICO
"Sereis bem felizes quando os homens vos odiarem, vos separarem, vos tratarem injuriosamente, rejeitarem vosso nome como mau por causa do Filho do homem. Regozijai-vos nesse dia e exultai de alegria, porque uma grande recompensa vos está reservada no céu, porque foi assim que seus pais trataram os profetas". (Lucas, 6, 22 e 23)
"Chamando a si o povo e seus discípulos, ele lhes disse: se alguém vir após mim, que renuncie a si mesmo, carregue a sua cruz e siga-me; porque aquele que quiser salvar a si mesmo, se perderá; e aquele que se perder por amor de mim e do evangelho, se salvará. Com efeito, que serviria a um homem ganhar o mundo todo e perder a si mesmo?" Marcos, 8, 34 a 36, Lucas, 9, 23 a 25, Mateus, 10, 38 e 39, João, 12, 24 e 25)
4. SIMBOLOGIA DA CRUZ
4.1. A FUNÇÃO SIMBÓLICA
A cruz é um dos símbolos cuja presença é atestada desde a mais alta Antigüidade: no Egito, na China, na Grécia etc. Acruz é o terceiro dos quatro símbolos fundamentais, juntamente com o centro, o círculo e o quadrado. Sua função é intermediar os outros três. Mostra, também, os quatro pontos cardeais. É o elo de ligação entre a terra e o céu, o tempo e o espaço. A cruz simboliza o Crucificado, o Cristo, que, pregado ao madeiro, representa os quatro cantos do mundo, voltados para o Salvador da humanidade. De todos os símbolos, ele é o mais universal, o mais totalizante, pois junta terra e céu, é ponte ou escada pelo qual os homens chegam a Deus.
4.2. TRADIÇÃO CRISTÃ
Embora o simbolismo teológico da cruz só tenha aparecido em uma afirmação do próprio Jesus e nos escritos de Paulo, a tradição cristã enriqueceu-o prodigiosamente, condensando-o nessa imagem a história da salvação e a paixão do Salvador. A cruz simboliza o Crucificado, o Cristo, o Salvador, o Verbo. Ela é mais do que uma figura de Jesus, ela se identifica com sua história humana, com a sua pessoa.
Não se trata apenas de uma alusão à sua própria morte, mas também da afirmação de que seu seguimento exige a "negação de si mesmo", o total desprezo pela própria vida, pelo bem-estar, pelas posses pessoais, a tudo aquilo a que se deve renunciar para seguir a Jesus. Paulo, por exemplo, pregava Cristo e — Cristo crucificado —, embora isso fosse escândalo para os hebreus e loucura para os gentios. Se Paulo pregasse a circuncisão, não haveria o escândalo da cruz: com isso, ele quer dizer que a cruz, um escândalo para os hebreus, perderia o seu valor redentor se a circuncisão ainda fosse necessária.
4.3. TIPOS DE CRUZ
1) A cruz com um braço transversal é a cruz do Evangelho. Seus quatro braços simbolizam os quatro elementos que foram viciados na natureza humana, o conjunto da humanidade atraída para o Cristo dos quatro cantos do mundo, as virtudes da alma humana. O pé da cruz enterrado no chão significa a fé assentada em profundas fundações. O ramo superior da cruz indica a esperança que sobe para o céu; a envergadura da cruz é a caridade que se estende aos inimigos; o comprimento da cruz é a perseverança até o fim.
2) A cruz com dois braços transversais representaria, no braço superior, a inscrição derrisória de Pilatos, Jesus de Nazaré, reio dos judeus. O braço inferior seria aquele em que se estenderam os braços de Cristo.
3) A cruz com três braços transversais tornou-se um símbolo da hierarquia eclesiástica, correspondendo à tiara papal, ao chapéu cardinalício e à mitra episcopal. A partir do século XV, só o papa tem direito à cruz com três braços transversais; a cruz dupla se fez privativa do cardeal e do arcebispo; a cruz simples, do bispo. (Chevalier, 1998)
5. ASPECTOS RELEVANTES DO TEXTO EVANGÉLICO
O tópico "Carregar a Cruz, Quem Quiser Salvar a Vida, Perdê-la-á" está inserido no capítulo 24, "Não Colocar a Candeia Debaixo do Alqueire", de O Evangelho Segundo o Espiritismo. Nesse capítulo, Allan Kardec trata também da "Candeia sob o Alqueire, Porque Jesus Falava por Parábolas", "Não Vades aos Gentios", "Os São não Necessitam de Médico" e "A Coragem da Fé". No que tange à fé, diz-nos que "A fé que não enfrenta o ridículo dos homens não é a fé verdadeira" e que seria uma covardia muito grande recuar no momento em tivermos sido convocados a enfrentar os perigos que ela suscitar.
5.1. REGOZIJAI-VOS
Jesus disse que deveríamos nos regozijar quando os homens, por sua ignorância, nos desafiasse a provar a autenticidade de nossa fé. Jesus incentiva-nos a enfrentar o mundo material, a simonia religiosa e a má-fé quanto à divulgação do reino dos céus. Há necessidade, assim, de fazer reluzir a verdade, de torná-la clara à vista de toda a humanidade, uma vez que a verdade não poderá ser contestada, pois no momento que a quisermos contestar, seremos por ela contestados. A verdade poderá ser reprimida, escondida, mas no momento aprazado ela surge como um facho de luz que surpreenderá muita gente. De acordo com os princípios doutrinários, a lei do progresso é inexorável e, mais cedo ou mais tarde, seremos forçados, condenados a partilhar do caminho do bem rumo à perfeição do Espírito imortal.
5.2. RENÚNCIA DE SI MESMO
"Renuncie a si mesmo, tome a sua cruz, e siga-me". Há uma outra frase semelhante: "Ninguém que lança mão do arado e olha para trás é apto para o reino de Deus". Quer dizer, uma vez introduzidos nos ensinamentos cristãos, nos ensinamentos do bem e nos mecanismos da fé, não podemos mais retroceder, sob pena de sofrer grandes traumas futuros. A subida é íngreme, pedregosa. Temos, porém, o exemplo do Cristo, que carregou a sua cruz até o calvário. O nosso martírio não deve ser igual ao de Jesus e nem ao dos primeiros discípulos, que morreram no circo, comido pelos leões. O nosso sofrimento prende-se à propagação da Boa Nova. Para tal, precisamos estar vivos e não mortos.
Muitas vezes nos enganamos acerca do conceito de renúncia. O Espírito Emmanuel esclarece-nos que renunciar não é abandonar os nossos entes queridos, deixando-os na solidão. Para ele, renunciar é aceitar as pessoas tais quais são, sem querer modificá-las a nosso bel-prazer, no sentido de abandonarem as suas crenças para seguirem a nossa. Tudo, no caminho espiritual, é de fórum íntimo. O que para nós é sumamente importante, para os outros pode ser uma tortura. Por isso, não é recomendável impor aos outros esta ou aquela forma de conduta.
5.3. SALVAÇÃO
Há muitas colocações acerca da salvação. Alguns falam que a tua fé te salvou implicando que basta crer para ser salvo; outros alegam que basta praticar atos de caridade, que a pessoa será salva. O Espiritismo mostra-nos que a salvação da alma fundamenta-se na ligação entre teoria e prática. Primeiro conhecer; depois agir. Na concepção espírita, salvar-se não é transpor a terra e ir para o Céu, para o Paraíso. Salvar-se é livrar-se do mal, é ficar preso ao bem. Quando estivermos a serviço do bem, estaremos protegidos das ciladas do mal. Para isso, urge atualizarmos constantemente as virtualidades inscritas em nosso ser, em nossa consciência. (Kardec, 1984, cap. 24)
6. ILUSTRAÇÕES SOBRE A CRUZ
6.1. AQUELE QUE CORTOU A SUA CRUZ
O fato: uma pessoa queria fazer o seu progresso espiritual.
Recebeu a seguinte orientação: você deve pegar essa cruz e subir aquela montanha; quando a transpor, sua jornada estará finda. Pegou a cruz, colocou-a sobre os ombros, à semelhança de Jesus, e deu partida à sua trajetória. Conforme ia subindo, o peso da cruz ia também aumentando. Em certa parte do caminho, notou que o peso era quase insuportável. O que fez? Cortou um pedaço. Com isso, ela se tornou mais leve e ele pode prosseguir o seu caminho. Atingido o topo, percebeu que tinha de passar para a montanha do lado. Para isso, precisava fazer de sua cruz uma espécie de ponte. O comprimento não foi suficiente. Conseqüência: teve que voltar e pegar outra cruz e começar tudo de novo.
6.2. O TAMANHO DA CRUZ
Há uma outra história que nos remete às nossas lamentações. Cada ser humano acha que a sua cruz é mais pesada que a do seu vizinho. O nosso problema é sempre mais difícil, mais grave que o do outro. Uma dessas pessoas estava reclamando junto a um sábio. Este lhe falou: ali em frente há uma série de cruzes, enterradas com um nome atrás. Vá até lá e escolha aquela que lhe convier. Qual não foi a surpresa que, ao pegar a menor das cruzes, era o seu nome que nela estava estampado? Moral da história: as dores e sofrimentos inerentes ao nosso ser é o menor possível, é a situação ideal para o nosso crescimento espiritual.
6.3. O REMÉDIO OBJETIVO
Isidoro Viana, colaborador nos serviços de caridade cristã, torturava-se ante os golpes da crítica. Nas sessões do grupo, vivia em queixas constantes. A cada manifestação do Espírito Policarpo, pedia conselhos acerca do mau juízo que as pessoas faziam de seu trabalho voluntário. Em uma ocasião, falava de suas decisões: se demorava, chamavam-no de tardio; se decidisse logo por fazer o bem, que era afoito. Em outra ocasião, dizia: se rendo culto à gentileza, dizem que sou explorador da confiança alheia; se procuro me isolar, para mais bem executar a minha tarefa, que sou orgulhoso. Depois de muitas semanas nessa mesma ladainha, fala duro com o Espírito Policarpo: o que eu realmente desejo é uma orientação decisiva contra os ataques indébitos.
O remédio objetivo: "A única medida aconselhável é a paralisia da consciência. Tome meio quilo de anestésicos por dia, descanse o corpo em poltronas e leitos, durma o resto da existência, despreocupe-se de todos os deveres, fuja à aspiração de elevar-se, resigne-se à própria ignorância e cole-se a ela, tanto quanto a ostra se agarra ao penedo, e, desde que você se faça completamente inútil, por mais nada fazer, a crítica baterá em retirada. Experimente e verá". Depois disso, começou a servir sem perguntar. (Xavier, 1974, cap. 8)
7. CONCLUSÃO
Estejamos inteiros nos compromissos por nós assumidos. Por pior que seja a nossa situação, resistamos aos golpes da ignorância, da incredulidade e da má-fé. Quem sabe não estão nos dando a oportunidade de provar a nossa perseverança no bem?
8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
CHEVALIER, J., GHEERBRANT, A. Dicionário de Símbolos (mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números). 12. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998.
KARDEC, A. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 39. ed. São Paulo: IDE, 1984.
XAVIER, F. C. Contos e Apólogos, pelo Espírito Irmão X. 3. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1974.
São Paulo, 06/06/2005