quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Grupos Religiosos e Políticos do Novo Testamento


O Novo Testamento observa a presença de partidos religiosos que eram desconhecidos no Velho Testamento. A fonte principal de informação é encontrada nas obras de Flávio Josefo. Em dois de seus livros, As Guerras dos Judeus (II, viii, 1-4) e As Antigüidades dos Judeus (XIII, v. 9), ele escreve acerca de quatro desses partidos: fariseus, saduceus, zelotes e essênios. Para nossos propósitos, os herodianos e os zadoqueus devem ser acrescentados. Os samaritanos já foram mencionados.

1. Fariseus — O grupo maior e mais importante é o chamado os fariseus. A palavra em si significa “separatistas”, tendo sido, provavelmente, aplicada como expressão de escárnio aos oponentes. Eles fizeram seu primeiro aparecimento definido como um grupo com este nome durante a época de João Hircano I. Alguns estudiosos dizem que o termo foi pela primeira vez usado quando alguns judeus piedosos “se separaram” de Judas Macabeu, depois de 165 a.C. É mais provável que eles foram os sucessores dos “hasidins”, que se haviam empenhado em “separar-se” do pecado, e na “separação” (interpretação) das Escrituras, durante as reformas de Esdras e Neemias.

Seja qual for sua origem, os fariseus foram o resultado final do movimento que teve seus primórdios com Esdras, intensificado pelos hasidins, sob os sírios e romanos. Eles representam aquela tendência, no judaísmo, que sempre reagiu contra dominadores estrangeiros, mantendo o exclusivismo judaico e a lealdade à tradição dos pais. Pouco se interessavam no poder político, mas se tornaram os mentores políticos de Israel. Eles tinham maior controle sobre o povo do que os saduceus, que eram mais abastados e politicamente poderosos. Controlavam a sinagoga, e só eles sobreviveram à Guerra Judaico-Romana de 66-70.

Devido à sua profunda reverência para com os ideais nacionais e religiosos judaicos, e devoção aos mesmos, os fariseus se opuseram à introdução das idéias gregas, e não deixou de ser natural que se tornassem o partido reacionário. Para eles, as coisas velhas eram as únicas coisas boas. Num desejo sincero de tornar a lei praticável dentro do mundo greco-romano em mudança, os fariseus aderiram ao sistema da tradição dos pais. Começando com as Escrituras, eram feitas interpretações para se ajustar uma situação existente ou combater um erro em teologia. Nas tentativas de responder a problemas levantados por religiões intrusas, muitas idéias dormentes no Velho Testamento foram desenvolvidas e aumentadas. Entre essas doutrinas desenvolvidas durante esses 400 anos estão a ressurreição dos mortos, os demônios, os anjos e a esperança messiânica.

Para o fariseu, a tradição oral suplantou a lei. Este era o principal ponto em que divergiam dos saduceus, que não viam nenhuma necessidade de alterar-se a lei. Os fariseus diziam que as finas distinções das tradições orais eram para facilitar o cumprimento da lei sob novas condições e tornar virtualmente impossível pecar-se. Eles também colocavam uma forte ênfase sobre a providência divina nos assuntos do homem.

2. Saduceus — Embora a origem da seita esteja perdida na obscuridade, o nome pode ter-se derivado de um certo Zadoque, que sucedeu Abiatar como sumo sacerdote durante os dias de Salomão. Pode ter vindo da palavra hebraica “zoddikim”, que significa “os justos”. Os saduceus gabavam-se de sua fidelidade à letra da lei mosaica, em contradistinção à tradição oral. Este era o partido da aristocracia e dos sacerdotes abastados. Eles controlavam o sinédrio e qualquer resquício de poder político que restava. Eram os colaboracionistas, a tendência que favorecia o poder estrangeiro e que se alinhava com ele pelo poder. Também controlavam o templo. O sumo sacerdote era sempre o líder deste grupo. Era um grupo fechado e não procurava prosélitos, como o faziam os fariseus.

Teologicamente conservadores (diziam),limitavam o cânon à Torah ou Pentateuco. Rejeitavam as doutrinas da ressurreição, demônios, anjos, espíritos, e advogavam a vontade livre, em lugar da providência divina. Este grupo não sobreviveu à Guerra Judaico-Romana de 66-70.

3. Zelotes — Os zelotes representavam o desenvolvimento na extrema esquerda entre os fariseus. Estavam interessados na independência da nação e sua autonomia, ao ponto de negligenciarem toda outra preocupação. Segundo Josefo, o fundador foi Judas de Gamala, que iniciou a revolta sobre o censo da taxação, em 6 d.C. Seu alvo era sacudir o jugo romano e anunciar o reino messiânico. Eles precipitaram a revolta em 66 d.C, que levou à destruição de Jerusalém em 70. Simão, o zelote, foi um dos apóstolos.

4. Essênios — Estes representavam o desenvolvimento na extrema direita entre os fariseus. Eram uma ordem distinta, na sociedade judaica, mais que uma seita dentro dela. Sendo o elemento mais conservador dos fariseus, eles enfatizavam a observação minuciosa da lei. Formavam uma comunidade ascética ao redor do Mar Morto, e viviam uma vida rigidamente devota. Eram a sobrevivência dos hasidins mais estritos, influenciados pela filosofia grega. A partir dos documentos de Qumram, parece que eles aguardavam um messias que iria combinar as linhagens real e sacerdotal, numa estrutura escatológica. Este grupo não é mencionado em o Novo Testamento.

5. Herodianos — Os saduceus da extrema esquerda eram conhecidos como os herodianos. Tirando o nome da família de Herodes, eles baseavam suas esperanças nacionais nessa família e olhavam para ela com respeito ao cumprimento das profecias acerca do Messias. Eles surgiram em 6 d.C, quando Arquelau, filho de Herodes, o Grande, foi deposto, e Augusto César enviou um procurador, Copônico. Os judeus que favoreciam a dinastia herodiana eram chamados “herodianos”. Este grupo é mencionado em Mateus 22:16 e Marcos 3:6; 12:13.

6. Zadoqueus — Na extrema direita dos saduceus estava o grupo conhecido como os zadoqueus. Embora não mencionados em o Novo Testamento, este grupo é importante, porque mostra outra tendência entre os saduceus, talvez dando uma chave quanto à sua origem. Em 1896, um fragmento de um documento foi encontrado numa sinagoga no Cairo. Publicado em 1910, com o título Fragmentos de uma Obra Zadoquita, este termo entrou em todas as discussões acerca do judaísmo sectário. A descoberta de outros documentos na comunidade de Qumram, do Mar Morto, sugere alguma relação entre os zadoqueus, os essênios e a comunidade de Qumram. Um movimento de reforma foi iniciado entre os sacerdotes (filhos de Zadoque), entre os saduceus, durante o início do segundo século a.C. Quando a reforma fracassou, eles foram para Damasco e estabeleceram uma comunidade sob um novo conjunto de regulamentos, denominado “o novo concerto”. Alguns posteriormente voltaram como missionários para sua terra natal e depararam com amarga oposição por parte dos fariseus e saduceus. Alguns, então, encontraram seu caminho em direção às comunidades ao redor do Mar Morto. Eram missionários fervorosos, em busca de um mestre de justiça que chamasse Israel de volta ao arrependimento e apareceria no advento do Messias. Eles aceitavam toda palavra escrita, mas rejeitavam a tradição oral. Eram muito abnegados na vida pessoal e leais aos regulamentos da pureza levítica. Deram grande ênfase à necessidade de arrependimento.

Fonte: Hale, Broadus David. Introdução ao estudo do Novo Testamento. JUERP

O que é o dia do Senhor?


Pergunta: "O que é o dia do Senhor?"

Resposta: A frase “dia do Senhor” geralmente identifica eventos que acontecem no final da história (Isaías 7:18-25) e é frequentemente associado com a frase “aquele dia”. Um ponto chave para entender essas frases é perceber que elas sempre identificam um período de tempo no qual Deus vai pessoalmente intervir na história, diretamente ou indiretamente, para cumprir um aspecto específico de Seu plano.

A maioria das pessoas associam “o dia do Senhor” com um período de tempo ou dia especial que vai acontecer no fim dos tempos quando a vontade e propósito de Deus para o Seu mundo e para a humanidade vão ser cumpridos. Alguns estudiosos acreditam que “o dia do Senhor” vai ser um período de tempo longo, ao invés de apenas um dia – um período de tempo quando Cristo vai reinar por todo o mundo antes de purificar o céu e a terra em preparação para o estado eterno de toda a humanidade. No entanto, outros estudiosos acreditam que o dia do Senhor vai ser um evento instantâneo quando Cristo retorna à terra para redimir Seus seguidores fiéis e para mandar os incrédulos para condenação eterna.

A frase “o dia do Senhor” é usada dezenove vezes no Velho Testamento (Isaías 2:12; 13:6, 9; Ezequiel 13:5, 30:3; Joel 1:15, 2:1,11,31; 3:14; Amós 5:18,20; Obadias 15; Sofonias 1:7,14; Zacarias 14:1; Malaquias 4:5) e quatro vezes no Novo Testamento (Atos 2:20; 2 Tessalonicenses 2:2; 2 Pedro 3:10). O Novo Testamento também alude a tal frase em outras passagens (Apocalipse 6:17; 16:14).

As passagens do Velho Testamento que lidam com o dia do Senhor geralmente transmitem um sentido de iminência, proximidade e expectativa: “Uivai, pois está perto o Dia do SENHOR” (Isaías 13:6); “Porque está perto o dia, sim, está perto o Dia do SENHOR” (Ezequiel 30:3); “Ah! Que dia! Porque o Dia do SENHOR está perto” (Joel 1:15); “Tocai a trombeta em Sião e dai voz de rebate no meu santo monte; perturbem-se todos os moradores da terra, porque o Dia do SENHOR vem, já está próximo” (Joel 2:1); “Multidões, multidões no vale da Decisão! Porque o Dia do SENHOR está perto, no vale da Decisão” (Joel 3:14); “Porque o Dia do SENHOR está prestes a vir sobre todas as nações” (Obadias 15); “Cala-te diante do SENHOR Deus, porque o Dia do SENHOR está perto” (Sofonias 1:7); “Está perto o grande Dia do SENHOR; está perto e muito se apressa” (Sofonias 1:14). Isso é porque as passagens do “dia do Senhor” no Velho Testamento se referem a um cumprimento próximo e distante, assim como muitas das profecias do Velho Testamento. Há exemplos no Velho Testamento onde o “dia do Senhor” é usado para descrever julgamentos históricos que já foram cumpridos em pelo menos uma forma (Isaías 13:6-22; Ezequiel 30:2-19; Joel 1:15; 3:14; Amós 5:18-20; Sofonias 1:14-18), enquanto outras vezes se refere a julgamentos divinos que vão acontecer no fim dos tempos (Joel 2:30-32; Zacarias 14:1; Malaquias 4:1,5).

O Novo Testamento chama esse dia de um dia de “ira”, uma dia de “batalha,” e o “grande Dia do Deus Todo-Poderoso” (Apocalipse 16:14); e se refere a um cumprimento ainda futuro quando a ira de Deus é derramada sobre incrédula Israel (Isaías 22: Jeremias 30:1-17; Joel 1-2; Amós 5; Sofonias 1) e o mundo incrédulo (Ezequiel 38–39; Zacarias 14). As Escrituras indicam que o “dia do Senhor” vai vir rapidamente, como um ladrão na noite (Sofonias 1:14-15; 2 Tessalonicenses 2:2) e, portanto, nós como Cristãos devemos estar vigilantes e prontos para a vinda de Cristo a qualquer momento.

Além de ser um tempo de julgamento, também vai ser um tempo de salvação, pois Deus vai livrar o restante de Israel, cumprindo Sua promessa de que “todo o Israel será salvo” (Romanos 11:26), perdoando-lhes de seus pecados e restaurando o Seu povo escolhido à terra prometida a Abraão (Isaías 10:27; Jeremias 30:19-31,40; Miquéias 4; Zacarias 13). O resultado final do dia do Senhor vai ser que “a arrogância do homem será humilhada, e a sua altivez se abaterá, e só o SENHOR será exaltado naquele dia” (Isaías 2:17). O cumprimento final das profecias sobre o “dia do Senhor” vai vir no final da história quando Deus vai punir o mal com seu poder impressionante e cumprir todas as Suas promessas.

http://www.gotquestions.org/Portugues/dia-do-Senhor.html

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

A Paz e a Espada




Sérgio Biagi Gregório

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Histórico. 4. O Problema da Paz-Guerra: 4.1. Conflito e não Conflito; 4.2. Mapa Tridimensional. 5. Não Vim Trazer a Paz, mas a Divisão. 6. A Idéia Nova. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada

1. INTRODUÇÃO

O par de termos paz-espada assemelha-se ao de paz-guerra, e mais especificamente à distinção entre o bem e o mal. Assim sendo, o nosso propósito é fazer um estudo desta relação no sentido de melhor entender a citação evangélica em que Jesus afirmou não ter vindo trazer paz à Terra, mas a espada. Em outras palavras, como é que Jesus, sendo um Espírito de alta hierarquia, viria atear fogo à Terra?

2. C0NCEITO

Paz - do lat. pace significa, na sua acepção mais geral, ausência (ou cessação, solução etc.) de um conflito. É a tranqüilidade individual na comunhão com  os outros. Emprega-se com referência à convivência entre os homens quando há concórdia de afetos e vontades, ou em que os antagonismos são resolvidos sem luta cruenta. É  a aspiração  fundamental  de cada homem e de toda a  humanidade,  a ponto  de seu conceito quase ser confundido com o de  felicidade.

Paz interna e externa - o tema da paz interna pertence à moral e seu estudo é incumbência habitual dos moralistas; o tema da paz externa pertence ao direito e sua discussão  é incumbência habitual dos juristas. Os filósofos espiritualistas advogam que só se alcança a paz externa através da paz interna. (Bobbio, 1986)

Paz negativa e positiva -  a paz negativa coincide com a noção mais tradicional de paz, a saber, a ausência de conflito. Esta idéia de paz negativa assegura igualmente a forma apocalíptica moderna que é a ordem internacional estável. O desenvolvimento das armas nucleares veio ainda reforçar a idéia de que a paz é o equilíbrio recíproco dos armamentos, de tal modo que o simples fato da sua existência e a sua capacidade de destruição dissuadem os seus proprietários de uma utilização eventual. A ciência da paz pôs, no entanto, em destaque uma outra forma de paz, a paz positiva. Esta não refere somente a ausência de conflito mas igualmente a criação de formas de cooperação internacional justas e eqüitativas. A paz negativa visa por fim à violência direta; a paz positiva é a anulação dos efeitos da violência estrutural. (Thines, 1984)

Paz como não-guerra - quando usamos o termo paz-guerra, o primeiro é sempre definido em relação ao segundo e nunca o contrário. Por outras palavras: enquanto "guerra" é definida positivamente (termo mais forte) com o elenco das suas conotações características, paz é definida negativamente (termo mais fraco) como ausência de guerra, em síntese, como não-guerra. (Bobbio, 1986)

Espada  -  do  gr. spáthe, pelo lat. spatha - é  a  arma  branca, formada de uma lâmina comprida e pontiaguda, de um ou dois gumes. Símbolo  do  Estado Militar e de sua virtude. Relacionada  com  a balança, significa justiça: separa o bem do mal, julga o culpado.

Guerra - denominou-se inicialmente bellum, termo do latim clássico, cujo uso foi suplantado por guerra, do baixo latim, termo originário de werra, grito alardeante com  que as tribos germânicas combatiam.

Em direito público internacional, a guerra é definida como luta armada entre dois ou mais estados para resolver um conflito levantado entre eles.

Conflito - para uma definição do conceito e de seus componentes existe um acordo sobre o fato de que o conflito é uma forma de interação entre indivíduos, grupos, organizações e coletividades que implica choques para o acesso e a distribuição de recursos escassos. No caso da guerra, fala-se não do conflito pessoal, mas do conflito social. (Bobbio, 1986)

3. HISTÓRICO

O binômino paz-guerra existe desde remotíssima antigüidade. No contexto histórico, a guerra é definida sempre positivamente, sendo aquela que desenvolve a inteligência, os brios, os músculos etc., enquanto a paz é definida pelo seu sentido negativo, ou seja, pela ausência de guerra. Arnold Toynbee, historiador de renome internacional, no prefácio do livro Guerra e Civilização, diz-nos que  "...a guerra talvez seja filha da civilização, visto que a possibilidade de empreender uma guerra pressupõe o mínimo de técnica e organização, bem como um excedente de riquezas para além do estritamente necessário à subsistência. Ora, o homem primitivo não pressupõe tal estruturação para a guerra e, por outro lado, não há nenhuma civilização (salvo talvez a dos Maias, de que o nosso conhecimento atual é apenas fragmentário) em que a guerra não tenha constituído uma instituição estabelecida e dominante, mesmo nos estádios mais primitivos a que possamos remontar a sua história." (1963, p. 12)

Como a paz é decorrência da guerra, façamos um breve resumo das guerras.

Na Antigüidade, período que se estende do séc. IX até 50 a. C., tivemos as Campanhas do Império assírio e neo babilônico, as lutas grego-persas, as Campanhas de Alexandre Magno e as Campanhas do Império Romano.

Na Idade Média, que vai do séc. IV ao séc. XVI, tivemos a Invasão dos bárbaros, as Invasões árabes, as Campanhas de Carlos Magno, as Cruzadas , as guerras do império otomano etc.

Na Idade Moderna, de 1618 a 1781, anotamos a Guerra dos trinta anos, a Campanha de Luís XIV, A Guerra dos Sete Anos e as Lutas da independência dos EUA.

Na Idade Contemporânea, que se inicia em 1792 e vai até a época atual, observamos Revolução Francesa, a Expansão Napoleônica, a Guerra de anexação do México, a Guerra do Paraguai etc. (ENCICLOPÉDIA MIRADOR)

4. O PROBLEMA DA PAZ-GUERRA

Keneth E. Boulding, no livro Paz Estável, procura responder à pergunta: se tivéssemos uma política em favor de uma paz estável, como seria ela?

Anotemos alguns de seus argumentos, que servem para esclarecer este tema.

4.1. CONFLITO E NÃO CONFLITO

Na impossibilidade de definir a paz, como conceito universal, ele a estuda como ausência de guerra. Começa dizendo que o sistema paz-guerra é, com freqüência, confundido com a estrutura de conflito e não conflito. Nesse sentido, as atividades humanas podem ser divididas em atividades conflituais e atividades não conflituais. As atividades não conflituais caracterizam-se pelo comer, beber, dormir, trabalhar, procriar, ler, aprender, caminhar etc. As atividades de conflito são aquelas nas quais temos consciência de que o aumento de nosso bem-estar diminui o dos outros, ou um aumento no bem-estar dos outros pode diminuir o nosso.

Na linguagem da teoria dos jogos, ou jogo da redistribuição, podemos analisar as seguintes situações:

Lucro de A é +5, perda de B -3 (soma positiva);

Lucro de A é +5, perda de B -5 (soma zero);

Lucro de A é +5, perda de B -7 (soma negativa).

Assim, o conflito é uma situação de redistribuição, no qual há ganhos para alguns e perdas para outros.

Todo não conflito é paz, mas o conflito (redistribuição de soma negativa) pode ser dividido em guerra e paz, dependendo da natureza dos tabus em causa.

4.2. MAPA TRIDIMENSIONAL

Uma das vantagens de pensarmos no mundo como um grande mapa tridimensional no espaço e no tempo é que isto pode contribuir para que não incorramos em duas importantes falácias:

1.ª) é nossa tendência de dividir o mundo em duas, e apenas duas partes. O pensamento dicotômico ignora sempre a multiplicidade do mundo e a complexidade extrema de sua inter-relações;

2.ª) é a nossa incapacidade de perceber as quantidades e proporções do sistema. Nossa atenção se concentra a tal ponto em coisas excepcionais, visuais e espetaculares, que tendemos a sobreestimar a sua importância. Já observamos, por exemplo, que embora a guerra e a paz sejam fases de um comportamento conflitual, o comportamento não conflitual é de importância quantitativa maior.

No desenrolar da história humana, as probabilidades de se morrer numa guerra têm sido realmente muito pequenas. Até mesmo no beligerante século XX, o número total de mortes humanas deve ter sido de 1,5 a 2 bilhões de pessoas. Praticamente todas as pessoas que estavam vivas em 1900 estão hoje mortas, bem como uma proporção considerável daquelas que nasceram. Todas as guerras do século XX até hoje não mataram mais do que 80 milhões de pessoas, ou cerca de 4% do número total de mortos. (1978, cap. 1)

5. NÃO VIM TRAZER A PAZ, MAS A DIVISÃO

A  paz  e  a espada representam um  ensinamento  transmitido  por Jesus.  São Mateus, no cap. X, vv. 34 a 36, narra  essa  passagem evangélica  nos seguintes termos: "Não penseis que eu vim  trazer paz sobre a Terra; eu não vim trazer a paz, mas a espada;  porque eu vim separar o homem de seu pai, a filha de sua mãe e a nora de sua  sogra;  e  o homem terá por inimigos os de  sua  casa".  São Lucas,  no  cap.  XII,  vv.  49 a 53,  trata  do  mesmo  assunto, acrescentando  que Jesus viera lançar fogo sobre a Terra e  tinha pressa que ele se acendesse.

Como entender essa afirmação de Jesus?

Individualmente, cada um deve lutar contra si mesmo;

No lar, cada qual deve vencer inibições, renunciar ao seu ponto de vista, sem querer que outros pensem pela sua cabeça;

Na sociedade, o cristão deve lutar contra as iniquidades e injustiças, porém não deve fazê-lo com a espada em punho, pois o próprio Jesus já nos dissera que todo aquele que desembainha a sua espada para atacar o seu próximo, pela espada morrerá.

Lembremo-nos de que o ensinamento da paz e da espada, como tantos outros ensinamentos trazidos por Jesus, possui conteúdo alegórico. A interpretação do referido  trecho varia de seita para seita. A espada  do  Cristo, que  era de fraternidade, passa a ser instrumento de violência  e opressão  nas  mãos dos propagadores de determinadas  seitas.  Os próprios  cristãos, de perseguidos, passam a  ser  perseguidores. Não é, pois, de se estranhar que as guerras religiosas destruíram mais do que as guerras políticas. (Kardec, 1984, it. 9 a 18)

6. A IDÉIA NOVA

Toda  a  idéia nova gera oposição. Eis  a  correta  interpretação dessa  passagem  evangélica.  O "novo",  quando  fundamentado  na lógica  e  na razão, fere interesses pessoais. Isso  acontece  na  Ciência,  na   Filosofia  e,  também,  na   Religião.  Por  isso   a importância   da   nova  idéia  é  proporcional   à   resistência encontrada.  Pois,  se  julgada  sem  conseqüência,  deixá-la-iam passar,  mas,  como  sentem-se  ameaçados,  fazem  de  tudo  para dificultar a sua propagação.

O Espiritismo, à semelhança do Socratismo e do Cristianismo, traz um novo paradigma para a humanidade, e pode ser interpretado como uma  nova  espada.  Não será aceita sem  lutas,  controvérsias  e oposições.  Sua pujança não está nas disputas sangrentas, mas  na modificação interior  que  proporciona  a  cada  um  de seus adeptos. A questão da espada será muito mais uma guerra de cada um contra si mesmo  e  contra  todo  o  mal,  fazendo  com  que  possamos  ser "promotores da paz".

7. CONCLUSÃO

O mundo é violento porque nós o somos. Quando buscarmos por nós mesmos a paz interna, o mundo à nossa volta estará modificado e não precisaremos mais das armas externas, porque teremos alcançado a paz de consciência, aquela riqueza interior que nenhum ladrão será capaz de roubar.

8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

BOBBIO, N., MATTEUCI, N. e PASQUINO, G. Dicionário de Política. 2. ed., Brasília, UNB, 1986.
BOULDING, K. E. Paz Estável. Rio de Janeiro, Zahar, 1978.
Enciclopédia Mirador Internacional. São Paulo, Encyclopaedia Britannica, 1987.
KARDEC, A. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 39. ed., São Paulo, IDE, 1984.
THINES, G. e LEMPEREUR, A. Dicionário Geral das Ciências Humanas. Lisboa, Edições 70, 1984.
TOYNBEE, A. Guerra e Civilização (seleção de textos de Albert V. Fowler). Lisboa, Editorial Presença, 1963.

São Paulo, dezembro de 1999

Estranha moral - ESE cap 23


CAPÍTULO XXIII

Estranha moral

Odiar os pais - Abandonar pai, mãe e filhos - Deixai aos mortos o cuidado de enterrar seus mortos - Não vim trazer a paz, mas a divisão

Odiar os pais

1. Como nas suas pegadas caminhasse grande massa de povo, Jesus, voltando-se, disse-lhes: - Se alguém vem a mim e não odeia a seu pai e a sua mãe, a sua mulher e a seus filhos, a seus irmãos e irmãs, mesmo a sua própria vida, não pode ser meu discípulo. -E quem quer que não carregue a sua cruz e me siga, não pode ser meu discípulo. - Assim, aquele dentre vós que não renunciar a tudo o que tem não pode ser meu discípulo. (S. LUCAS, cap. XIV, vv. 25 a 27 e 33.)

2. Aquele que ama a seu pai ou a sua mãe, mais do que a mim, de mim não é digno; aquele que ama a seu filho ou a sua filha, mais do que a mim, de mim não é digno. (S. MATEUS, cap. X, v. 37.)

3. Certas palavras, aliás muito raras, atribuídas ao Cristo, fazem tão singular contraste com o seu modo habitual de falar que, instintivamente, se lhes repele o sentido literal, sem que a sublimidade da sua doutrina sofra qualquer dano. Escritas depois de sua morte, pois que nenhum dos Evangelhos foi redigido enquanto ele vivia, lícito é acreditar-se que, em casos como este, o fundo do seu pensamento não foi bem expresso, ou, o que não é menos provável, o sentido primitivo, passando de uma língua para outra, há de ter experimentado alguma alteração. Basta que um erro se haja cometido uma vez, para que os copiadores o tenham repetido, como se dá freqüentemente com relação aos fatos históricos.

O termo odiar, nesta frase de S. Lucas: Se alguém vem a mim e não odeia a seu pai e a sua mãe, está compreendido nessa hipótese. A ninguém acudirá atribuí-la a Jesus. Será então supérfluo discuti-la e, ainda menos, tentar justificá-la. Importaria, primeiro, saber se ele a pronunciou e, em caso afirmativo, se, na língua em que se exprimia, a palavra em questão tinha o mesmo valor que na nossa. Nesta passagem de S. João: "Aquele que odeia sua vida, neste mundo, a conserva para a vida eterna", é indubitável que ela não exprime a idéia que lhe atribuímos.

A língua hebraica não era rica e continha muitas palavras com várias significações. Tal, por exemplo, a que no Gênese, designa as fases da criação: servia, simultaneamente, para exprimir um período qualquer de tempo e a revolução diurna. Daí, mais tarde, a sua tradução pelo termo dia e a crença de que o mundo foi obra de seis vezes vinte e quatro horas. Tal, também, a palavra com que se designava um camelo e um cabo, uma vez que os cabos eram feitos de pêlos de camelo. Daí o haverem-na traduzido pelo termo camelo, na alegoria do buraco de uma agulha. (Ver capítulo XVI, nº 2.) (1)

(1) Non odit, em latim: Kaï ou miseï em grego, não quer dizer odiar, porém, amar menos. O que o verbo grego miseïn exprime, ainda melhor o expressa o verbo hebreu, de que Jesus se há de ter servido. Esse verbo não significa apenas odiar, mas, também amar menos, não amar igualmente, tanto quanto a um outro. No dialeto siríaco, do qual, dizem, Jesus usava com mais freqüência, ainda melhor acentuada é essa significação. Nesse sentido é que o Gênese (capítulo XXIX, vv. 30 e 31) diz: "E Jacob amou também mais a Raquel do que a Lia, e Jeová, vendo que Lia era odiada..." É evidente que o verdadeiro sentido aqui é: menos amada. Assim se deve traduzir. Em muitas outras passagens hebraicas e, sobretudo, siríacas, o mesmo verbo é empregado no sentido de não amar tanto quanto a outro, de sorte que fora contra-senso traduzi-lo por odiar, que tem outra acepção bem determinada. O texto de S. Mateus, aliás, afasta toda a dificuldade. - ( Nota do Sr. Pezzani.).

Cumpre, ao demais, se atenda aos costumes e ao caráter dos povos, pelo muito que influem sobre o gênio particular de seus idiomas. Sem esse conhecimento, escapa amiúde o sentido verdadeiro de certas palavras. De uma língua para outra, o mesmo termo se reveste de maior OU menor energia. Pode, numa, envolver injúria ou blasfêmia, e carecer de importância noutra, conforme a idéia que suscite. Na mesma língua, algumas palavras perdem seu valor com o correr dos séculos. Por isso é que uma tradução rigorosamente literal nem sempre exprime perfeitamente o pensamento e que, para manter a exatidão, se tem às vezes de empregar, não termos correspondentes, mas outros equivalentes, ou perífrases.

Estas notas encontram aplicação especial na interpretação das Santas Escrituras e, em particular, dos Evangelhos. Se se não tiver em conta o meio em que Jesus vivia, fica-se exposto a equívocos sobre o valor de certas expressões e de certos fatos, em conseqüência do hábito em que se está de assimilar os outros a si próprio. Em todo caso, cumpre despojar o termo odiar da sua acepção moderna, como contrária ao espírito do ensino de Jesus. (Veja-se também o cap. XIV, nº 5 e seguintes.)

Abandonar pai, mãe e filhos

4. Aquele que houver deixado, pelo meu nome, sua casa, os seus irmãos, ou suas irmãs, ou seu pai, ou sua mãe, ou sua mulher, ou seus filhos, ou suas terras, receberá o cêntuplo de tudo isso e terá por herança a vida eterna. (S. MATEUS, cap. XIX, v. 29.)

5. Então, disse-lhe Pedro: Quanto a nós, vês que tudo deixamos e te seguimos. -Jesus lhe observou: Digo-vos, em verdade, que ninguém deixará, pelo reino de Deus, sua casa, ou seu pai, ou sua mãe, ou seus irmãos, ou sua mulher, ou seus filhos - que não receba, já neste mundo, muito mais, e no século vindouro a vida eterna. (S. LUCAS, cap. XVIII, vv. 28 a 30.)

6. Disse-lhe outro: Senhor, eu te seguirei; mas, permite que, antes, disponha do que tenho em minha casa. - Jesus lhe respondeu: Quem quer que, tendo posto a mão na charrua, olhar para trás, não esta apto para o reino de Deus. (S. LUCAS, cap. IX, vv. 61 e 62.)

Sem discutir as palavras, deve-se aqui procurar o pensamento, que era, evidentemente, este: "Os interesses da vida futura prevalecem sobre todos os interesses e todas as considerações humanas", porque esse pensamento está de acordo com a substância da doutrina de Jesus, ao passo que a idéia de uma renunciação à família seria a negação dessa doutrina.

Não temos, aliás, sob as vistas a aplicação dessas máximas no sacrifício dos interesses e das afeições de família aos da Pátria? Censura-se, porventura, aquele que deixa seu pai, sua mãe, seus irmãos, sua mulher, seus filhos, para marchar em defesa do seu país? Não se lhe reconhece, ao contrário, grande mérito em arrancar-se às doçuras do lar doméstico, aos liames da amizade, para cumprir um dever? E que, então, há deveres que sobrelevam a outros deveres. Não impõe a lei à filha a obrigação de deixar os pais, para acompanhar o esposo? Formigam no mundo os casos em que são necessárias as mais penosas separações. Nem por isso, entretanto, as afeições se rompem. O afastamento não diminui o respeito, nem a solicitude do filho para com os pais, nem a ternura destes para com aquele. Vê-se, portanto, que, mesmo tomadas ao pé da letra, excetuado o termo odiar, aquelas palavras não seriam uma negação do mandamento que prescreve ao homem honrar a seu pai e a sua mãe, nem do afeto paternal; com mais forte razão, não o seriam, se tomadas segundo o espírito. Tinham elas por fim mostrar, mediante uma hipérbole, quão imperioso é para a criatura o dever de ocupar-se com a vida futura. Aliás, pouco chocantes haviam de ser para um povo e numa época em que, como conseqüência dos costumes, os laços de família eram menos fortes, do que no seio de uma civilização moral mais avançada. Esses laços, mais fracos nos povos primitivos, fortalecem-se com o desenvolvimento da sensibilidade e do senso moral. A própria separação é necessária ao progresso. Assim as famílias como as raças se abastardam, desde que se não entrecruzem, se não enxertem umas nas outras. E essa urna lei da Natureza, tanto no interesse do progresso moral, quanto no do progresso físico.

Aqui, as coisas são consideradas apenas do ponto de vista terreno. O Espiritismo no-las faz ver de mais alto, mostrando serem os do Espírito e não os do corpo os verdadeiros laços de afeição; que aqueles laços não se quebram pela separação, nem mesmo pela morte do corpo; que se robustecem na vida espiritual, pela depuração do Espírito, verdade consoladora da qual grande força haurem as criaturas, para suportarem as vicissitudes da vida. (Cap. IV, nº 18; cap. XIV, nº 8.)

Deixar aos mortos o cuidado de enterrar seus mortos

7. Disse a outro: Segue-me; e o outro respondeu: Senhor, consente que, primeiro, eu vá enterrar meu pai. - Jesus lhe retrucou: Deixa aos mortos o cuidado de enterrar seus mortos; quanto a ti, vai anunciar o reino de Deus. (S. LUCAS, cap. IX, vv. 59 e 60.)

8. Que podem significar estas palavras: "Deixa aos mortos o cuidado de enterrar seus mortos"? As considerações precedentes mostram, em primeiro lugar, que, nas circunstâncias em que foram proferidas, não podiam conter censura àquele que considerava um dever de piedade filial ir sepultar seu pai. Tem, no entanto, um sentido profundo, que só o conhecimento mais completo da vida espiritual podia tomar perceptível.

A vida espiritual é, com efeito, a verdadeira vida, é a vida normal do Espírito, sendo-lhe transitória e passageira a existência terrestre, espécie de morte, se comparada ao esplendor e à atividade da outra. O corpo não passa de simples vestimenta grosseira que temporariamente cobre o Espírito, verdadeiro grilhão que o prende à gleba terrena, do qual se sente ele feliz em libertar-se. O respeito que aos mortos se consagra não é a matéria que o inspira; é, pela lembrança, o Espírito ausente quem o infunde. Ele é análogo àquele que se vota aos objetos que lhe pertenceram, que ele tocou e que as pessoas que lhe são afeiçoadas guardam como relíquias. Era isso o que aquele homem não podia por si mesmo compreender. Jesus lho ensina, dizendo: Não te preocupes com o corpo, pensa antes no Espírito; vai ensinar o reino de Deus; vai dizer aos homens que a pátria deles não é a Terra, mas o céu, porquanto somente lá transcorre a verdadeira vida.

Não vim trazer a paz, mas, a divisão

9. Não penseis que eu tenha vindo trazer paz à Terra; não vim trazer a paz, mas a espada; - porquanto vim separar de seu pai o filho, de sua mãe a filha, de sua sogra a nora; - e o homem terá por inimigos os de sua própria casa. (S. MATEUS, cap. X, vv. 34 a 36.)

10. Vim para lançar fogo à Terra; e que é o que desejo senão que ele se acenda? -Tenho de ser batizado com um batismo e quanto me sinto desejoso de que ele se cumpra!

Julgais que eu tenha vindo trazer paz à Terra? Não, eu vos afirmo; ao contrário, vim trazer a divisão; - pois, doravante, se se acharem numa casa cinco pessoas, estarão elas divididas umas contra as outras: três contra duas e duas contra três. - O pai estará em divisão com o filho e o filho com o pai, a mãe com a filha e a filha com a mãe, a sogra com a nora e a nora com a sogra. (S. LUCAS, cap. XII, vv. 49 a 53.)

11. Será mesmo possível que Jesus, a personificação da doçura e da bondade, Jesus, que não cessou de pregar o amor do próximo, haja dito: "Não vim trazer a paz, mas a espada; vim separar do pai o filho, do esposo a esposa; vim lançar fogo à Terra e tenho pressa de que ele se acenda"? Não estarão essas palavras em contradição flagrante com os seus ensinos? Não haverá blasfêmia em lhe atribuírem a linguagem de um conquistador sanguinário e devastador? Não, não há blasfêmia, nem contradição nessas palavras, pois foi mesmo ele quem as pronunciou, e elas dão testemunho da sua alta sabedoria. Apenas, um pouco equivoca, a forma não lhe exprime com exatidão o pensamento, o que deu lugar a que se enganassem relativamente ao verdadeiro sentido delas. Tomadas à letra, tenderiam a transformar a sua missão, toda de paz, noutra de perturbação e discórdia, conseqüência absurda, que o bom-senso repele, porquanto Jesus não podia desmentir-se. (Cap. XIV, nº 6.)

12. Toda idéia nova forçosamente encontra oposição e nenhuma há que se implante sem lutas. Ora, nesses casos, a resistência é sempre proporcional à importância dos resultados previstos, porque, quanto maior ela é, tanto mais numerosos são os interesses que fere. Se for notoriamente falsa, se a julgam isenta de conseqüências, ninguém se alarma; deixam-na todos passar, certos de que lhe falta vitalidade. Se, porém, é verdadeira, se assenta em sólida base, se lhe prevêem futuro, um secreto pressentimento adverte os seus antagonistas de que constitui uni perigo para eles e para a ordem de coisas em cuja manutenção se empenham. Atiram-se, então, contra ela e contra os seus adeptos.

Assim, pois, a medida da importância e dos resultados de uma idéia nova se encontra na emoção que o seu aparecimento causa, na violência da oposição que provoca, bem como no grau e na persistência da ira de seus adversários.

13. Jesus vinha proclamar uma doutrina que solaparia pela base os abusos de que viviam os fariseus, os escribas e os sacerdotes do seu tempo. Imolaram-no, portanto, certos de que, matando o homem, matariam a idéia. Esta, porém, sobreviveu, porque era verdadeira; engrandeceu-se, porque correspondia aos desígnios de Deus e, nascida num pequeno e obscuro burgo da Judéia, foi plantar o seu estandarte na capital mesma do mundo pagão, à face dos seus mais encarniçados inimigos, daqueles que mais porfiavam em combatê-la, porque subvertia crenças seculares a que eles se apegavam muito mais por interesse do que por convicção. Lutas das mais terríveis esperavam aí pelos seus apóstolos; foram inumeráveis as vítimas; a idéia, no entanto, avolumou-se sempre e triunfou, porque, como verdade, sobrelevava as que a precederam.

14. É de notar-se que o Cristianismo surgiu quando o Paganismo já entrara em declínio e se debatia contra as luzes da razão. Ainda era praticado pro forma; a crença, porém, desaparecera; apenas o interesse pessoal o sustentava. Ora, é tenaz o interesse; jamais cede à evidência; irrita-se tanto mais quanto mais peremptórios e demonstrativos de seu erro são os argumentos que se lhe opõem. Sabe ele muito bem que está errado, mas isso não o abala, porquanto a verdadeira fé não lhe está na alma. O que mais teme é a luz, que dá vista aos cegos. É-lhe proveitoso o erro; ele se lhe agarra e o defende.

Sócrates, também, não ensinara uma doutrina até certo ponto análoga à do Cristo? Por que não prevaleceu naquela época a sua doutrina, no seio de um dos povos mais inteligentes da Terra? É que ainda não chegara o tempo. Ele semeou numa terra não lavrada; o Paganismo ainda se não achava gasto. O Cristo recebeu em propício tempo a sua missão. Muito faltava, é certo, para que todos os homens da sua época estivessem à altura das idéias cristãs, mas havia entre eles uma aptidão mais geral para as assimilar, pois que já se começava a sentir o vazio que as crenças vulgares deixavam na alma. Sócrates e Platão haviam aberto o caminho e predisposto os espíritos. (Veja-se, na "Introdução", o § IV: Sócrates e Platão, precursores da idéia cristã e do Espiritismo.)

15. Infelizmente, os adeptos da nova doutrina não se entenderam quanto à interpretação das palavras do Mestre, veladas, as mais das vezes, pela alegoria e pelas figuras da linguagem. Daí o nascerem, sem demora, numerosas seitas, pretendendo todas possuir, exclusivamente, a verdade e o não bastarem dezoito séculos para pô-las de acordo. Olvidando o mais importante dos preceitos divinos, o que Jesus colocou por pedra angular do seu edifício e como condição expressa da salvação: a caridade, a fraternidade e o amor do próximo, aquelas seitas lançaram anátema umas sobre as outras, e umas contra as outras se atiraram, as mais fortes esmagando as mais fracas, afogando-as em sangue, aniquilando-as nas torturas e nas chamas das fogueiras. Vencedores do Paganismo, os cristãos, de perseguidos que eram, fizeram-se perseguidores. A ferro e fogo foi que se puseram a plantar a cruz do Cordeiro sem mácula nos dois mundos. E fato constante que as guerras de religião foram as mais cruéis, mais vítimas causaram do que as guerras políticas; em nenhumas outras se praticaram tantos atos de atrocidade e de barbárie.

Cabe a culpa à doutrina do Cristo? Não, decerto, que ela formalmente condena toda violência. Disse ele alguma vez a seus discípulos: Ide, matai, massacrai, queimai os que não crerem como vós? Não; o que, ao contrário, lhes disse, foi: Todos os homens são irmãos e Deus é soberanamente misericordioso; amai o vosso próximo; amai os vossos inimigos; fazei o bem aos que vos persigam. Disse-lhes, outrossim: Quem matar com a espada pela espada perecerá. A responsabilidade, portanto, não pertence à doutrina de Jesus, mas aos que a interpretaram falsamente e a transformaram em instrumento próprio a lhes satisfazer às paixões; pertence aos que desprezaram estas palavras: "Meu reino não é deste mundo."

Em sua profunda sabedoria, ele tinha a previdência do que aconteceria. Mas, essas coisas eram inevitáveis, porque inerentes à inferioridade da natureza humana, que não podia transformar-se repentinamente. Cumpria que o Cristianismo passasse por essa longa e cruel prova de dezoito séculos, para mostrar toda a sua força, visto que, mau grado a todo o mal cometido em seu nome, ele saiu dela puro. Jamais esteve em causa. As invectivas sempre recaíram sobre os que dele abusaram. A cada ato de intolerância, sempre se disse: Se o Cristianismo fosse mais bem compreendido e mais bem praticado, isso não se daria.

16. Quando Jesus declara: "Não creais que eu tenha vindo trazer a paz, mas, sim, a divisão", seu pensamento era este:

"Não creais que a minha doutrina se estabeleça pacificamente; ela trará lutas sangrentas, tendo por pretexto o meu nome, porque os homens não me terão compreendido, ou não me terão querido compreender. Os irmãos, separados pelas suas respectivas crenças, desembainharão a espada um contra o outro e a divisão reinará no seio de uma mesma família, cujos membros não partilhem da mesma crença. Vim lançar fogo à Terra para expungi-la dos erros e dos preconceitos, do mesmo modo que se põe fogo a um campo para destruir nele as ervas más, e tenho pressa de que o fogo se acenda para que a depuração seja mais rápida, visto que do conflito sairá triunfante a verdade. A guerra sucederá a paz; ao ódio dos partidos, a fraternidade universal; às trevas do fanatismo, a luz da fé esclarecida. Então, quando o campo estiver preparado, eu vos enviarei o Consolador, o Espírito de Verdade, que virá restabelecer todas as coisas, isto é, que, dando a conhecer o sentido verdadeiro das minhas palavras, que os homens mais esclarecidos poderão enfim compreender, porá termo a luta fratricida que desune os filhos do mesmo Deus. Cansados, afinal, de um combate sem resultado, que consigo traz unicamente a desolação e a perturbação até ao seio das famílias, reconhecerão os homens onde estão seus verdadeiros interesses, com relação a este mundo e ao outro. Verão de que lado estão os amigos e os inimigos da tranqüilidade deles. Todos então se porão sob a mesma bandeira: a da caridade, e as coisas serão restabelecidas na Terra, de acordo com a verdade e os princípios que vos tenho ensinado."

17. O Espiritismo vem realizar, na época prevista, as promessas do Cristo. Entretanto, não o pode fazer sem destruir os abusos. Como Jesus, ele topa com o orgulho, o egoísmo, a ambição, a cupidez, o fanatismo cego, os quais, levados às suas últimas trincheiras, tentam barrar-lhe o caminho e lhe suscitam entraves e perseguições. Também ele, portanto, tem de combater; mas, o tempo das lutas e das perseguições sanguinolentas passou; são todas de ordem moral as que terá de sofrer e próximo lhes está o termo. As primeiras duraram séculos; estas durarão apenas alguns anos, porque a luz, em vez de partir de um único foco, irrompe de todos os pontos do Globo e abrirá mais de pronto os olhos aos cegos.

l8. Essas palavras de Jesus devem, pois, entender-se com referência às cóleras que a sua doutrina provocaria, aos conflitos momentâneos a que ia dar causa, às lutas que teria de sustentar antes de se firmar, como aconteceu aos hebreus antes de entrarem na Terra Prometida, e não como decorrentes de um desígnio premeditado de sua parte de semear a desordem e a confusão. O mal viria dos homens e não dele, que era como o médico que se apresenta para curar, mas cujos remédios provocam uma crise salutar, atacando os maus humores do doente.

Não vim trazer a paz mas a divisão



Por vezes, o homem incrédulo, procura nas palavras de Jesus, não o que elas tem de incontestavelmente belo e bom para o ser humano, mas alguma contradição, onde se possa agarrar para levar o seu descrédito a diante assente no seu orgulho.
No Evangelho Segundo o Espiritismo (ESE), podemos encontrar o cap. XXIII, Estranha moral, que nos convida a analisar "estranhas" parábolas de Jesus, para depois constatar que estranha continua a ser a nossa ignorância moral, 2012 anos depois.

"Não penseis que vim trazer a paz à Terra, não vim trazer a paz, mas a espada; porque vim separar o homem de seu pai, a filha de sua mãe e a nora da sogra; e o homem terá por inimigo aqueles de sua casa."
(Mateus, X:34 a 36)
ESE, Cap. XXIII-item9

"Estas palavras de Jesus devem ser entendidas como referentes à cólera que, ele previa, que a sua doutrina iria provocar, ..., às lutas que ela teria que sustentar antes de se estabelecer,..., e não como um desejo premeditado, de sua parte, de semear a desordem e a confusão. O mal deveria vir dos homens e não de Jesus."
item18

Joanna de Ângelis, diz-nos que a estranha moral de Jesus veio como uma espada, para separar a mentira da verdade, a posse violenta da conquista honrosa, nos lares veio para derrubar as construções rígidas do egoísmo do patriarcado sombrio, do orgulho de clã e de raça, que a espada veio ferir fortemente, a ignorância, o orgulho, os preconceitos de cada novo adepto, com lutas intimas, pela não aceitação por parte dos entes mais queridos, da nossa escolha feita.
Exemplo disso, foi Paulo de Tarso, rejeitado pela família e tido como louco pelos antigos companheiros de tribuna.


Dos tantos opositores à Doutrina de Jesus, o maior está no intimo de cada um de nós, e sã

Não vim trazer a paz, mas sim a espada



JOSÉ ARGEMIRO DA SILVEIRA
de Ribeirão Preto, SP

"Não penseis que eu tenha vindo trazer paz à Terra, não vim trazer a paz, mas a espada, porquanto vim separar de seu pai o filho, de sua mãe a filha, de sua sogra a nora; e o homem terá por inimigos os de sua própria casa". (Mateus, 10: 34-36)

As palavras acima parecem contradizer a doutrina que Jesus nos ensinou. Ele que recomendou o perdão, a tolerância, o esquecimento do mal. Assegurou-nos que toda a Lei e os profetas se resumem no amor a Deus e ao próximo, orientando-nos no sentido de orarmos pelos nossos inimigos, e fazermos o bem a quem nos fez mal. Como pode ter afirmado que não veio trazer paz à Terra, mas a espada? Paz é harmonia, equilíbrio, bem estar íntimo, tranqüilidade, segurança. Espada simboliza a luta, a divisão. No entanto, as palavras de Jesus são bem claras: Não veio trazer paz e sim a espada. Como entender a afirmativa?

De início, vale refletir que os ensinos do Mestre devem ser compreendidos no seu conjunto, atentando-se para o sentido, o significado dado a um enunciado. É comum observarmos determinados autores que pinçam uma frase de um texto, do evangelho, e mesmo de outros livros, para extrair conclusões totalmente diferentes daquele sentido em que empregou o autor. Por má fé, ou mesmo ignorância, se tira conclusões contrárias ao verdadeiro sentido atribuído pelo autor.

No texto em estudo, há que se considerar a paz do mundo e a paz do Cristo. Em João, cap. 14, vers. 27, afirma o Mestre: "A paz vos deixo, a minha paz vos dou, eu não vo-la dou como a dá o mundo". Emmanuel, no livro "Vinha de Luz" (lição n.° 105), considera: "É indispensável não confundir a paz do mundo com a paz do Cristo. A calma do plano inferior pode não passar de estacionamento. A serenidade das esferas mais altas significa trabalho divino, a caminho da Luz Imortal. O mundo consegue proporcionar muitos acordos e arranjos nesse terreno, mas somente o Senhor pode outorgar ao Espírito a paz verdadeira". O mesmo autor, na mesma página, ainda lembra: Na Terra, a paz das nações costuma representar o silêncio provisório das armas; a paz dos abastados inconscientes é a preguiça improdutiva e incapaz; a dos que se revoltam, no quadro de lutas necessárias, é a manifestação do desespero doentio; a paz dos ociosos sistemáticos, é a fuga do trabalho; a dos arbitrários, é a satisfação dos próprios caprichos; a paz dos vaidosos é o aplauso da ignorância; a dos vingativos, é a destruição dos adversários; a paz dos negociantes sagazes, é a exploração inferior; a paz dos que se agarram às sensações de baixo teor, é a viciação dos sentidos; a dos comilões é o repasto opulento do estômago. Portanto, a paz do mundo, Jesus realmente não veio trazer.

Ainda hoje muitos procuram Jesus, na religião, esperando que ele resolva todos os nossos problemas. Mas, na verdade, Ele não nos prometeu a solução dos problemas materiais. Convidou-nos, amavelmente, "vinde a mim os que estão cansados e sobrecarregados e eu os aliviarei". Notemos que Ele fala em alívio, e não em solução das nossas dificuldades, pois as dificuldades são as lições, os exercícios de que necessitamos para o nosso desenvolvimento espiritual.

No Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. 23, item 16, Allan Kardec, interpreta o texto em exame, afirmando: "Quando Jesus disse: Não penseis que vim trazer a paz mas a divisão, seu pensamento era o seguinte: Não penseis que a minha doutrina se estabeleça pacificamente. Ela trará lutas sangrentas, para as quais o meu nome servirá de pretexto. Porque os homens não me haverão compreendido ou não terão querido compreender-me. Os irmãos, separados pelas suas crenças, lançarão a espada um contra o outro e a divisão se fará entre os membros de uma mesma família, que não terão a mesma fé. Vim lançar o fogo na Terra, para consumir os erros e os preconceitos, como se põe fogo em um campo para destruir as ervas daninhas e anseio porque se acenda, para que a depuração se faça mais rapidamente, pois dela sairá triunfante a verdade".

A humanidade, tanto no tempo de Jesus, como ainda hoje, atribui um valor maior aos bens materiais, relegando a plano secundário os bens do Espírito. Jesus nos ensina a modificar essa tabela de valores. Os bens verdadeiros são os espirituais, o saber e as virtudes, são a riqueza que o ladrão não rouba e a traça não come. Desenvolver as potencialidades do Espírito, pela evolução, já que essas faculdades estão em nós, é o objetivo da vida. Aqueles que acreditam nessa realidade espiritual, e passam a trabalhar pelo seu aperfeiçoamento, embora não desejem, tornam-se diferentes da maioria. Daí a divisão, as incompreensões, e até mesmo perseguições, como registra a história. "Para que um homem obtenha a paz de Jesus é necessário trabalhe intensivamente no mundo íntimo, cessando as vozes da inadaptação à Vontade Divina e evitando as manifestações de desarmonia, perante as leis eternas. Todos rogam a paz no Planeta atormentado de horríveis discórdias, mas raros se fazem dignos dela. Exigem que a tranqüilidade resida no mesmo apartamento onde mora o ódio gratuito aos vizinhos, reclamam que a esperança tome assento com a inconformação e rogam à fé lhes aprove a ociosidade, no campo da necessária preparação espiritual. Para esmagadora maioria dessas criaturas comodistas a paz legítima é realização muito distante. Em todos os setores da vida, a preparação e o mérito devem anteceder o benefício" 1

1 Emmanuel, do livro Vinha de Luz, lição n.° 65, psicografia de Francisco C. Xavier.

A estranha moral de Jesus - Leda Flaborea


LEDA MARIA FLABOREA
ledaflaborea@uol.com.br
São Paulo, SP (Brasil)
 



Sabemos que Jesus não deixou nada escrito e por isso muitas palavras atribuídas a Ele não condizem com sua forma
amorosa de ensinar. Mas aqueles que combatem o
Cristianismo em geral e o Espiritismo, em particular,
usam esses argumentos para contestá-lo


Voltemos um pouco no tempo que antecedia a vinda de Jesus. Os conceitos éticos ainda não definidos, não estruturados, cresciam num contexto perverso:

- predominância do direito da força sobre a força do direito;

- escravidão política, social, econômica, de credo e de raça;

- a família submetida ao patriarcado soberano e às vezes cruel;

- os interesses girando em torno da posse, fosse de bens materiais ou de pessoas.

Por outro lado, na religião ocorriam transformações acentuadas:

- o paganismo, culto a vários deuses, entrava em decadência;

- o sacrifício humano para aplacar a fúria divina era substituído, em Israel, pelo sacrifício de animais, transformados em valiosos recursos para absolvição dos pecados e oferenda de gratidão a Deus.

O discernimento e a valorização da criatura já se iniciavam, passando ela a ser vista como imagem e semelhança de Deus.

Esse processo, que ainda continua em nossos dias, teria que superar todos os impulsos agressivos que constituem a natureza humana, vitimada pela herança animal resultante do processo evolutivo como ser biológico, social e psicológico, ao qual ainda estamos submetidos. É nesse momento, em que os primeiros sinais para a aquisição da consciência individual e coletiva aparecem, que chega Jesus para auxiliar e facilitar a transição da barbárie para a civilização.

Para enfrentar a sombra coletiva em que aquela sociedade estava mergulhada, e também romper com as raízes que ainda prendiam o homem aos sentimentos mais agressivos, Jesus precisou trazer uma doutrina de compreensão e bondade, ternura e compaixão, que não podia ser comparada a qualquer atitude de agressividade interna ou externa, fosse ela ostensiva ou disfarçada.

Era preciso usar de energia e valor moral para enfrentar os desafios que surgiam com a intenção de impedir a marcha para a revolução espiritual que Ele trazia. E Ele não cedeu em nenhuma das diretrizes que traçou para o cumprimento de sua tarefa: romper com as estruturas do passado onde deveria haver: supremacia da humildade sobre o orgulho; supremacia do altruísmo sobre o egoísmo; supremacia da compreensão e da bondade sobre a intolerância.

Essa era, no mínimo, uma nova e estranha moral, por ser diferente de tudo o que existia e por contrariar todas as convicções prevalecentes.

Para usarmos os ensinamentos de Jesus como recursos na superação das nossas dificuldades, precisamos estudá-los

Infelizmente, para a grande maioria de nós, essa doutrina continua a ser estranha porque vem de encontro aos nossos interesses pessoais, aos nossos desejos e caprichos egoísticos. “Não é minha praia”, dizem uns. “Não tenho paciência para ficar ouvindo ou lendo”, dizem outros, justificando a total incapacidade de compreender e muito menos de aceitar os convites que Jesus nos faz para a transformação dos nossos sentimentos, para a libertação dos comportamentos desajustados e doentios.

Mesmo entre os espíritas, essa incapacidade existe. Muitas vezes compreende-se a necessidade de mudar, mas não possuímos, ainda, os instrumentos íntimos para enfrentarmos a nossa realidade.  É por isso que ainda precisamos dos ensinamentos de Jesus.

Ele, na verdade, nos convida à terapia da renovação espiritual.

Quando entendemos esse convite, perguntamos: Jesus afastará nossas cruzes?    Certamente que não, mas seus ensinamentos transformam-se em instrumentos poderosos para deixá-las mais leves. Contudo, para usarmos os ensinamentos como recursos na superação das nossas dificuldades, precisamos estudá-los a fim de compreendê-los e, compreendendo-os, refletir sobre eles para, depois, podermos vivenciá-los em plenitude.

Sabemos que Jesus não deixou, ele próprio, nada escrito e por isso muitas palavras atribuídas a Ele não condizem com sua forma amorosa de ensinar. Aqueles que combatem o Cristianismo em geral e o Espiritismo, em particular, usam esses argumentos para suas contestações.

É possível esclarecer algumas dessas contradições, tirando algumas dúvidas. Em primeiro lugar, precisamos saber se Jesus, efetivamente, as pronunciou, tendo em vista nada ter deixado por escrito. E, em caso afirmativo, saber qual era o significado dessas palavras na língua em que se expressava, pois, ao lermos ou estudarmos um texto antigo, não importa qual ele seja, não podemos usar os mesmos significados de hoje. No caso específico de Jesus, a língua hebraica não era rica e uma palavra poderia ter mais de um significado. Temos dois exemplos que podem ajudar:

·        no Gênesis, livro do Velho Testamento, as frases que indicam a criação do mundo podiam significar um período qualquer e o período diurno. Com o passar do tempo, a tradição encarregou-se de colocar o mundo físico criado em seis dias.

·        Outro exemplo pode ser encontrado no Novo Testamento, quando Jesus ensina que é mais fácil um “camelo” passar pelo buraco de uma agulha do que um rico alcançar o céu. Nesse caso o termo que significa camelo também significa cabo. Assim, um erro cometido uma única vez permaneceu até nossos dias. Isso mostra que a tradução de uma língua para outra pode trazer enganos que alteram todo o real significado que se pretende dar ao que se escreve.

A ideia de abandono da família não condiz com a doutrina de Jesus; é, antes, a sua negação

Temos que observar, ainda, a natureza particular de cada língua, a mudança do significado com o tempo, os erros dos copistas daquela época (analfabetos, apenas desenhavam o que estava na frente; qualquer observação que houvesse sido escrita à margem do documento seria por eles copiada como se fizesse parte do corpo do texto), a tradução literal que muitas vezes altera o significado real.

O cap. 23 de O Evangelho segundo o Espiritismo traz quatro desses exemplos e que devem ser compreendidos de forma figurada e não tomados ao pé da letra:

1) Se alguém vem a mim e não odeia seu pai, sua mãe..., não é digno de mim. (Lucas, XIV: 25-27, 33).

Se pensarmos na palavra odiar dentro do significado moderno do termo, a frase não fará sentido, pois aí não encontramos a forma bondosa com que Jesus ensinava. Entretanto, se considerarmos a possibilidade de significar amar menos ou aborrecer, poderemos compreender que houve enganos na interpretação, porque na doutrina amorosa do Cristo não havia espaço para a palavra odiar como a concebemos hoje.

2) Abandonar pai, mãe, esposa, filhos, fazendas... para segui-Lo.

A ideia de abandono da família não condiz com a doutrina de Jesus. É, antes, a sua negação. Mas, se pensarmos que o ensinamento contido nessa passagem é para que aprendamos a colocar o interesse da vida futura acima da vida material, então, há concordância com a essência do ensinamento.

Fica claro que Jesus pretendeu nos conscientizar de que a vida futura, ou seja, a vida do Espírito é mais importante que a vida da matéria. É interessante notar que existe a necessidade de separação para o progresso. Quem poderia condenar o filho ou a filha que se separam de seus pais para casarem? E que dizer dos filhos que deixam suas famílias para defenderem seu país?

Emmanuel, no livro Fonte Viva, na lição 58, diz, referindo-se a essa passagem, que abandonar é renunciar. É uma renúncia pessoal. Exemplifica dizendo que “se teus pais não procuram a intimidade do Cristo, renuncia à felicidade de vê-los comungar contigo o divino banquete da Boa Nova, e ajuda teus pais”.  Lembra ele que renúncia com Jesus não quer dizer abandono, mas expressa devotamento, pois ele próprio, esquecido por muitos, relegado às agonias da negação, sentindo as angústias do Amor-não-amado, não se afastou do convívio dos seus discípulos. Volta e diz confiante: “Eis que estarei convosco até o fim dos séculos”.

O respeito pelos mortos não deve se prender à matéria, mas se realiza pela lembrança do Espírito ausente

3) "Deixe que os mortos enterrem seus mortos e você vá e anuncie o Reino de Deus." (Lucas, IX: 59-60).

Difícil imaginar que Jesus censurasse o filho que queria cumprir sua obrigação de piedade filial. Qual o sentido desse ensinamento?

Respeito pelos mortos não pode ficar circunscrito à matéria. A verdadeira vida é a vida do Espírito livre do corpo físico.

O sofrimento pela perda não nos permite perceber que o tempo para o cumprimento da encarnação encerrou-se: prisioneiro que cumpre pena não é solto; prisioneiro que não cumpre pena é solto.

Fica claro nessa passagem que o respeito pelos mortos não deve se prender à matéria, mas se realiza pela lembrança do Espírito ausente.

4) “Não vim trazer a paz, mas a espada”. (Lc, XII: 49-53 e Mt, X: 35-36)

Ensinamento: Ele se refere aí ao resultado que adviria do estabelecimento de sua doutrina.

Joanna de Ângelis diz-nos que a estranha moral de Jesus veio como uma espada, para separar a mentira da verdade; a posse violenta da conquista honrosa; nos lares, veio para derrubar as construções rígidas do egoísmo, do patriarcado sombrio, do orgulho de clã e de raça; que a espada veio ferir, fortemente, a ignorância, o orgulho, os preconceitos de cada novo adepto, com lutas íntimas, pela não aceitação por parte dos entes mais queridos, da nova escolha feita.

Exemplo disso foi Paulo de Tarso, rejeitado pela família e tido como louco pelos antigos companheiros de tribuna.

A doutrina de Jesus não trouxe mesmo a paz, pois surgiram opositores ferrenhos, ontem e hoje, tais os detentores do poder, os exploradores da credulidade geral, os usurpadores de bens e de recursos, os perseguidores dos ideais de elevação humana (dentro dos próprios lares). Entretanto, os maiores opositores estão no íntimo de cada um de nós. São os mais difíceis, pois é necessária a espada da decisão para superá-los e deles nos libertarmos.

É verdade que Jesus separou pais e filhos, cônjuges, irmãos, por fazerem oposição à decisão daqueles que se entregaram às transformações morais, mas também os transformou em ponte para tocar outros corações, pelos exemplos que dão ainda hoje.

Concluindo: A nova e estranha moral minava as bases do status quo dos poderosos – como ainda hoje. Morto Jesus, morta a ideia. Mas Jesus sabe que a paz virá, que a fraternidade se consolidará através da fé esclarecida. Por isso prometeu e cumpriu enviando-nos O Consolador, o Espiritismo, para nos ensinar o que Ele não pôde fazê-lo antes, por causa do nosso pouco entendimento, e para nos lembrar daquilo que já havia nos ensinado e que, por causa do nosso egoísmo e orgulho, esquecemos.


NÃO VIM TRAZER A PAZ



            Uma das passagens do Evangelho que mais tem se prestado a interpretações equivocadas é a contida em Mateus, X, versículo 34: “Não penseis que eu tenha vindo trazer paz à Terra; não vim trazer paz, mas a espada”.  Em Lucas, XII, versículo 51, lê-se: “Julgais que eu tenha trazido paz à Terra? Não, eu vos afirmo. Ao contrário, vim trazer a divisão”. Tal ensinamento de Jesus é bastante eloquente e constitui um dos objetos de estudo do Evangelho Segundo o Espiritismo, obra de Allan Kardec que integra a Codificação Espírita.  No capítulo XXIII daquele compêndio, intitulado “Estranha Moral”, faz-se uma abordagem a respeito de diversas passagens em que aparentemente se verifica uma incoerência nas lições do Cristo.
            Não há nada de ambíguo ou de estranho nessa passagem do Evangelho. Jesus, que nos conhece a todos e é dotado da presciência, profundo conhecedor da alma humana que é, sabia das lutas e dificuldades que a sua palavra teria que enfrentar para se implantar na consciência humana. Sabia de antemão das distorções que o homem, ao longo da história, iria implementar quanto à boa-nova. E não foi outra a consequência da má interpretação que o homem deu às suas palavras. Sabia Jesus dos massacres que estavam reservados aos cristãos primitivos.  Sabia das guerras que seriam travadas em seu nome. Tinha pleno conhecimento do desvirtuamento das lições de amor, de fraternidade, de perdão, de humildade e de fé.
            No contexto do versículo acima transcrito, Jesus falava para Seus discípulos, orientando-os quanto à tarefa de que eram incumbidos, de espalhar a boa-nova pelos povos. Alertava-lhes para as dificuldades que enfrentariam; para as prisões, processos e açoites que padeceriam para cumprirem aquela missão. Eram ovelhas enviadas para o meio dos lobos, exigindo-lhes a prudência das serpentes e a simplicidade das pombas (Mateus, X:16).
            Alertava Jesus, também, quando às dissensões que ocorreriam no seio das famílias, em que pais se separariam de filhos, mães de filhas, sogras de noras. E, de fato, todos aqueles que, principalmente no início da Era Cristã, o seguiram, tiveram oposição dentro de suas próprias casas. Ainda hoje, quantas famílias encontram-se divididas, nem sempre havendo aceitação quanto à opção religiosa uns dos outros?
            A espada de que Jesus falava não era de ser empunhada pelos adeptos do Cristianismo, mas pelos seus opositores, aqueles que não aceitavam a palavra de libertação, de humildade, de bem-aventurança. As guerras religiosas que ainda hoje se travam, as tentativas de imposição de uma religião pela força e não pelo convencimento ou pelo envolvimento, tudo é decorrência das nossas imperfeições morais, e Jesus nos alertava para esse estado de coisas.
            Não se pode, portanto, extrair desse versículo a interpretação literal de que Jesus não veio trazer a paz. Todo o seu ensinamento é de paz. Não pode haver incoerência onde há a perfeição. Se o reino de Jesus não é deste mundo, como ele afirmou em João, XVIII, versículo 36, como compreender sua alusão à espada? A espada, aqui, tem caráter simbólico, alegórico, como de resto a maioria dos seus ensinamentos, que nos foram transmitidos por meio de parábolas. Essa espada representa o orgulho, a ambição, o egoísmo, o ódio, o rancor, a mágoa, a inveja, a avareza, a vingança, o ciúme, a cobiça, a maledicência e tudo quanto é vício moral de que ainda estamos repletos e dos quais só nos livraremos por meio da reforma íntima, da modificação paulatina dos nossos pensamentos, palavras e atos. A paz, somente então, será alcançada.




Publicado no Diário da Borborema em 06.08.2010
Link: http://www.diariodaborborema.com.br/2010/08/06/opiniao.php

Eu Não Vim Trazer A Paz, Mas A Espada - Medrado



José Medrado

Em Mateus, no cap. X, v v. 34 a 36, narra essa passagem evangélica nos seguintes termos: " Não penseis que eu vim trazer paz sobre a Terra; eu não vim trazer a paz, mas a espada.” . Naturalmente, se se nos apresenta um ponto de aparente inquietude, pois como o príncipe do amor e da paz fala de em não paz. É certo , todavia, que muito foi mexido e remexido nos textos que sequer pertenceram, foram escritos pessoalmente por Jesus, mas se levando em conta que assim foi, não há dúvidas que o sentido é alegórico.

Penso que o Senhor falava do novo da sua mensagem, o que iria incomodar, gerar perseguições, dissensões, polêmicas ou coisas que o valham.

Hoje mais do que antes tenho entendido este princípio.

Jesus contrariou ensinamentos de cabrestos, propôs novos conceitos em suas pregações, inclusive trabalhando nos sábados, o que era proibido pelas leis mosaicas; afrontou os sacerdotes intocáveis do sinédrio, posicionou-se quanto aos poderosos de então; não seguiu cartilhas; não imitou, não copiou para ser aceito. Firmou-se em sua moral e conhecimento e devassou o mundo da hipocrisia e das falácias.

"Toda a idéia nova gera oposição. Eis a correta interpretação dessa passagem evangélica. O "novo", quando fundamentado na lógica e na razão, fere interesses pessoais. Isso acontece na Ciência, na Filosofia e, também, na Religião. Por isso a importância da nova idéia é proporcional à resistência encontrada. Pois, se julgada sem conseqüência, deixá-la-iam passar, mas, como sentem-se ameaçados, fazem de tudo para dificultar a sua propagação."

Ah! Como sinto isto no meu dia-a-dia... Atenção! Antes que os de má-fé já digam que estou me comparando a Jesus, NÃO! Falo das resistências que alguns põem à minha forma muito própria de pregar o Espiritismo, sem imitar, sem copiar, mas passando o Evangelho de Jesus, os princípios espíritas com naturalidade, ao meu modo. Nada se tem a dizer quanto à minha conduta, ao trabalho que realizo com os meus colaboradores da Cidade da Luz, pois lá se trabalha e muito. Foram mais de 250.000 atendimentos sociais em 2005, como não se tem o que falar da realização da caridade, vamos atacar estilo, formas... Pobres espíritos enfermos, atêm-se a forma e se esquecem do conteúdo, do fazer. Normalmente esses não guardam folha corrida alguma no Bem.

É por isso que sou o que sou, ponto de partida para sair da demagogia, da hipocrisia, do aparentar ser, pois qualquer vida para ser bem aceita é indispensável assumir o que fizemos até agora, aceitar o nosso passado, a nossa trajetória, os caminhos percorridos, com todas as suas implicações, aceitar o que nos ajudou e o que nos complicou, o que consideramos acertos e erros, aceitando-nos como pessoas no seu conjunto. Aí estaremos, sim, convictos de que estamos passando verdades, ainda, é claro, que sejam as nossas e quem nos ouvir, ler, que faça o aceite do que apraz a sua consciência discernitiva.

A verdade é que só nos engajamos, verdadeiramente, no processo de crescimento espiritual real quando despimos as nossas máscaras, "quando conseguimos integrar o passado e o presente, o individual e o grupal, o material e o espiritual, o trabalho e o lazer, o presencial e o virtual, o tradicional e o inovador, o que está organizado e o que está desestruturado. Evoluímos mais quando integramos nosso "eu" dividido; quando aceitamos nossas contradições, nossos diversos papéis, expectativas e realizações, nossas qualidades e defeitos


José Medrado

Não vim trazer a paz, mas a divisão - Lúcia Moreira



Palestra Virtual
Promovida pelo Canal #Espiritismo
http://www.irc-espiritismo.org.br
em conjunto com o Centro Espírita Léon Denis http://www.celd.org.br

Palestrante: Lúcia Moreira
Rio de Janeiro
30/10/1998

Organizadores da palestra:

Moderador: "Luno" (nick: Moderador)
"Médium digitador": Carlos Filipe (nick: Lucia_Moreira)

Oração Inicial:

<jaja> Senhor Jesus, aqui estamos, mais uma vez, reunidos em Teu nome, para estudarmos os Teus ensinamentos à luz da Doutrina Espírita. Que possamos, Senhor, compreender de forma mais clara, as Tuas palavras que são de extrema importância para as nossa vidas. Que possamos, Mestre querido, buscar aplicar esses ensinamentos em nossa vida diária, fazendo com que o convívio com nossos companheiros de jornada possa ser cada vez melhor. Agradecemos pela oportunidade que nos é renovada hoje. Agradecemos a Ti, a Deus e aos amigos espirituais por se fazerem presentes aqui hoje para nos apoiar nesta tarefa. Graças a Deus!

Apresentação do palestrante:

<Lucia_Moreira> Meu nome é Maria Lúcia da Costa Moreira. Tive a grande felicidade de ter nascido em um lar espírita. Há 23 anos atuo na Casa Espírita Léon Denis, e pela sua meta de trabalho e estudo, foi uma das grandes benções que recebi de Jesus. As palestras, as atuações nos encontros, o trabalho assistencial no Núcleo Antônio de Aquino (Mallet), os trabalhos mediúnicos dos quais participo têm servido muito para meu aprendizado espiritual, e, principalmente, o convívio amigo e fraterno entre os companheiros do CELD têm me enriquecido muito.(t)

Considerações iniciais do palestrante:

<Lucia_Moreira> Interessante que Kardec em "O Evangelho Segundo o Espiritismo" colocou este versículo de Mateus, capítulo 10 (vv 34:36) como a "Estranha Moral", por que realmente nos causa admiração que sendo o Senhor Jesus a personificação da doçura e da bondade tenha proferido estas palavras. Realmente foram proferidas por Ele. Mas, quando as analisamos em Espírito e não somente na letra, entendemos perfeitamente a profundidade de Sua sabedoria. Trazia Ele para a Humanidade da Terra (planeta de provas e expiações), aonde há predominância dos valores materiais sobre os Espirituais, que a Sua filosofia de amor, perdão e solidariedade iria causar inúmeras divergências, separações, divisões e até mesmo "guerras". (t)

Perguntas/Respostas:

<Moderador> [1] <Caminheiro> De que maneira a "divisão" pode ser útil na divulgação do Evangelho de Jesus, se levarmos em conta que essa divisão acaba fazendo com que pessoas de diferentes pontos de vista, graus evolutivos, inteligências diferenciadas e capacidades para compreensão acabem se voltando para Deus?

<Lucia_Moreira> O Senhor Jesus tem o conhecimento da formação da Humanidade do Planeta Terra. Ele sabia e sabe que espíritos de diversas categorias estão encarnados aqui na face da Terra, e que, logicamente, a sua doutrina atuou como um batismo de fogo para a Humanidade. O papel do fogo é purificar. A Doutrina do Cristo tinha a finalidade de acabar com os abusos, preconceitos e tradições, na época sustentada pelos Romanos, escribas e sacerdotes orgulhosos. Hoje ainda sustentada por muitos. A divisão, a separação que Ele alude é a possibilidade de assimilação e de entendimento de cada um. Dia chegará em que não haverá essa "divisão", por que todos terão alcançado o grau de entendimento, de amor e fraternidade.(t)

<Moderador> [2] <jaja> Como agir com nossos familiares quando eles não aceitam a opção religiosa que fizemos?

<Lucia_Moreira> O senhor Jesus nos deu um exemplo muito nítido do procedimento a seguir: Ele nunca impôs os seus conceitos a ninguém. Respeitou os Romanos que dominavam o mundo; respeitou os Cesares que dominavam Roma; respeitou os Fariseus, os Escribas, os sacerdotes que zombavam dos seus ensinamentos e prosseguiu com o seu exemplo vencendo a todos eles não pela violência, nem pela imposição, mas sim pelo seu exemplo, pela sua autoridade moral, pela paz interior por ele conquistada. O comportamento que devemos ter diante daqueles que não aceitam a nossa opção religiosa é o da não violência, e aí nos lembramos de Ghandi, aquele grande pacifista indiano que conquistou dos ingleses a libertação da Índia com a "não violência". (t)

<Moderador> [3] <Caminheiro> Essas palavras: "Não vim trazer a paz, mas a divisão" parecem em desacordo com a doutrina pregada pela Boa Nova de Jesus. Parecem não terem sido ditas pelo Mestre doce e elevado de Nazaré! Seriam palavras "acrescidas" ao texto evangélico pelos copistas da Idade Medieval, que sabemos tanto terem modificado as escrituras da Boa Nova?

<Lucia_Moreira> Essas palavras foram ditas realmente por Jesus, como já dissemos. Toda idéia nova forçosamente encontra oposições, e nenhuma há que se implante sem lutas, e as resistências, as lutas, são proporcionais à importância dos conceitos, por que quanto maior ela for tanto mais são os interesses que ferem o ser humano. Quando são palavras sem importância, elas passam até despercebidas. A importância de uma idéia nova como a que o Senhor veio trazer "Amar à Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo", "amai aos vossos inimigos", "fazei bem aos que vos perseguem", quem mata pela espada, pela espada perecerá". Isto veio causar um "reboliço" na mente humana, por que o homem teria que expurgar o orgulho, a vaidade, o egoísmo de dentro de si mesmo.(t)

<Moderador> [4] <jaja> Se o casamento se apresenta ameaçado pelas discordâncias em termos de religião que se instala no lar, deve um dos cônjuges abrir mão de sua convicção religiosa para evitar maiores problemas? Digo isso para o caso de um dizer para o outro assim: "Escolha: ou a religião ou eu!"

<Lucia_Moreira> O Senhor Jesus, antes de "morrer", fez um testamento: A Deus legou o seu Espírito; a José de Arimatéia legou o Seu corpo; aos soldados Suas vestes; Maria, Sua mãe, Ele deixou aos cuidados de João; aos seus discípulos sinceros, ele falou: "A minha paz vos deixo, a minha paz vos dou". A paz do Senhor Jesus é a nossa consciência tranqüila, que é baseada no equilíbrio da nossa razão e do nosso livre-arbítrio. Se você se acha com capacidade psíquica para fazer a sua esposa feliz, não vejo motivo para se terminar um casamento por divergências religiosas. Procure conversar com ela sobre respeito, tolerância e amor.(t)

<Moderador> [5] <Caminheiro> Por falar em divisão, o que podemos esperar do movimento de "unificação" dentro do Espiritismo?

<Lucia_Moreira> O movimento de unificação não é dentro do Espiritismo. O movimento de unificação é da Humanidade. Todos nós um dia chegaremos, de acordo com a lei de progresso e de evolução, que é uma lei natural, à compreensão de que precisamos nos unir; precisamos de solidariedade e de fraternidade. Martin Luther King, pacifista negro e norte-americano nos adverte: "ou aprendemos a viver juntos como irmãos, ou pereceremos como loucos". Steven Spilberg, no seu mais recente filme, "O Resgate do Soldado Ryan", nos mostra a necessidade do homem estabelecer a solidariedade. Esta solidariedade só poderá ser estabelecida cultivando-se os sentimentos de fraternidade indiscriminada, sem barreiras, sem fronteiras e sem limites.(t)

<Moderador> [6] <Caminheiro> Como agir com nossos filhos adolescentes, quando se deixam encantar por movimentos religiosos diferentes de nosso ideal Espírita?

<Lucia_Moreira> O Senhor Jesus falou: "não vim trazer a paz, mas a divisão; porquanto vim separar de seu pai o filho, de sua mãe a filha e de sua sogra a nora. E o homem terá por inimigos os de sua própria casa". (Mateus, cap. X vv 34:36) Não esqueça, meu amigo, de que nossos filhos, como nós são espíritos que possuem as suas individualidades. A separação, a "divisão" dita pelo Senhor Jesus é justamente essa proporcionalidade do crescimento espiritual de cada um. Lembre-se de que todos nós um dia chegaremos à era da razão, não nos afobemos com as opiniões contrárias de nossos filhos. Eles viverão, adquirirão as suas experiências; racionalizarão a sua fé; e "um dia" estaremos todos unidos com a mesma idéia, a idéia de que fomos criados por Deus, de que somos espíritos imortais, de que somente a fé raciocinada e não fanatizada nos conduzirá à felicidade e à paz.(t)

Considerações finais do palestrante:

<Lucia_Moreira> A palavra hebraica para a paz é "Shalon", que significa plenitude do amor divino, consumação de todos os valores morais. Por isso o Senhor Jesus falou; "Não pensais que Eu tenha vindo trazer a paz, mas sim a divisão." Kardec nos diz que essas palavras do Senhor Jesus devem entender-se como referência às cóleras que a sua doutrina provocaria, aos conflitos momentâneos a que iria dar causa, às lutas que teria de enfrentar antes de se firmar, e não como decorrentes de um designo premeditado de sua parte de semear a desordem e a confusão. O mal viria dos homens, e não d'Ele. "É como o médico que se apresenta para curar e cujos remédios provocam uma crise salutar, atacando os maus humores".(t)

Oração Final:

<Moderador> Pai amado, agradecemos mais esta oportunidade de estarmos todos juntos no meio virtual estudando suas leis. Esperamos que possamos ter alcançado nosso objetivo de maneira satisfatória. Pedimos que continue a iluminar nossa amiga Lúcia, para que ela possa continuar a nos instruir com sua palavra doce e amiga. Com a tua permissão damos por encerrada a palestra virtual de hoje. Esteja conosco, agora e sempre. Que assim seja!

Não Vim Trazer a Paz mas a Espada




Paz – do lat. pax, pacis – é a tranqüilidade da ordem. É a aspiração fundamental de cada homem e de toda a humanidade, a ponto de seu conceito quase ser confundido com o de felicidade. Espada – do gr. spáthe, pelo lat. spatha – é a arma branca, formada de uma lâmina comprida e pontiaguda, de um ou dois gumes. Símbolo do Estado Militar e de sua virtude. Relacionada com a balança, significa justiça: separa o bem do mal, julga o culpado.


A paz e a espada representam um ensinamento transmitido por Jesus. São Mateus, no cap. X, v. 34 a 36, narra essa passagem evangélica nos seguintes termos: "Não penseis que eu vim trazer paz sobre a Terra; eu não vim trazer a paz, mas a espada; porque eu vim separar o homem de seu pai, a filha de sua mãe e a nora de sua sogra; e o homem terá por inimigos os de sua casa". São Lucas, no cap. XII, v. 49 a 53, trata do mesmo assunto, acrescentando que Jesus viera lançar fogo sobre a Terra e tinha pressa que ele se acendesse.


O ensinamento da paz e da espada, como tantos outros ensinamentos trazidos por Jesus, possui conteúdo alegórico. A interpretação do referido trecho varia de seita para seita. A espada do Cristo, que era de fraternidade, passa a ser instrumento de violência e opressão nas mãos dos propagadores de determinadas seitas. Os próprios cristãos, de perseguidos, passam a ser perseguidores. Não é, pois, de se estranhar que as guerras religiosas destruíram mais do que as guerras políticas.


Toda a idéia nova gera oposição. Eis a correta interpretação dessa passagem evangélica. O "novo", quando fundamentado na lógica e na razão, fere interesses pessoais. Isso acontece na Ciência, na Filosofia e, também, na Religião. Por isso a importância da nova idéia é proporcional à resistência encontrada. Pois, se julgada sem conseqüência, deixá-la-iam passar, mas, como se sentem ameaçados, fazem de tudo para dificultar a sua propagação.


O Espiritismo, à semelhança do Socratismo e do Cristianismo, traz um novo paradigma para a humanidade, e pode ser interpretado como uma nova espada. Não será aceita sem lutas, controvérsias e oposições. Sua pujança não está nas disputas sangrentas, mas na modificação interior que proporciona a cada um de seus adeptos. A questão da espada será muito mais uma guerra de cada um contra si mesmo e contra todo o mal, fazendo com que possamos ser "promotores da paz".


A paz não é sinônimo de beatitude. É um estado de tranqüilidade de consciência durante e após a luta contra o comodismo pessoal, as injustiças e as desigualdades sociais.

São Paulo, Dezembro de 1999

Não vim trazer a paz, mas a divisão



“Não penseis que vim trazer a paz à Terra, não vim trazer a paz, mas a espada; porque vim separar o homem de seu pai, a filha de sua mãe e a nora da sogra; e o homem terá por inimigos aqueles da sua casa”. (Mateus, X: 34 a 36.)

“Eu vim para lançar o fogo na Terra; e que quero eu, senão que ele se acenda? Devo ser batizado num batismo; e quanto me sinto desejoso de que isso aconteça! Julgais que vim trazer paz à Terra? Não, eu vos asseguro, mas a separação; porque de hoje em diante, se houver cinco pessoas em uma casa, elas estarão divididas umas contra as outras; três contra duas e duas contra três. O pai contra o filho e o filho contra o pai; a mãe contra a filha e a filha contra a mãe; a sogra contra a nora e a nora contra a sogra”. (Lucas, XII: 49 a 53.)

Será que foi mesmo Jesus, a personificação da doçura e da bondade, Ele que não cessava de pregar o amor ao próximo quem disse: “Não vim trazer a paz, mas a espada; vim separar o filho do pai, a esposa do esposo; vim lançar o fogo na Terra e quero que ele se acenda?” Essas palavras não estão em contradição flagrante com o seu ensinamento? Não é uma blasfêmia atribuir-lhe a linguagem de um conquistador sanguinário e devastador?

Não, não há blasfêmia nem contradição nessas palavras porque foi ele mesmo quem as pronunciou, e elas testemunham a sua elevada sabedoria. Somente a forma, um tanto equivocada, não traduz exatamente o seu pensamento, o que fez com que se desprezasse o seu verdadeiro sentido; interpretadas literalmente, elas tendem a transformar sua missão, inteiramente pacífica, em missão de perturbações e de discórdias, conseqüência absurda que o bom senso não aceita, visto que Jesus não podia contradizer-se.

Toda idéia nova forçosamente recebe oposição, não existe uma única que se tenha estabelecido sem lutas. Nesses casos, a resistência contrária à idéia é sempre proporcional à importância dos resultados previstos, porque quanto maior ele for, mais interesses contraria. Se essa idéia for notoriamente falsa, se for considerada sem conseqüências, ninguém se preocupa com ela, e deixam-na passar, sabendo que não tem vitalidade.

Mas se é verdadeira, se está assentada em bases sólidas, se para ela pode-se entrever um futuro, um secreto pressentimento adverte seus antagonistas de que tal idéia representa um perigo para eles e para a ordem das coisas em cuja realização estão interessados; eis por que se lançam contra ela e contra seus partidários.

A importância e os resultados de uma idéia nova são medidas pela emoção que ela causa ao aparecer, pela violência da oposição que provoca, e pelo grau e persistência da cólera dos seus adversários.

Como Jesus vinha proclamar uma doutrina que derrubaria, pela base, os abusos em que viviam os fariseus, os escribas e os sacerdotes do seu tempo, fizeram com que ele morresse, por acreditarem que, ao matarem o homem, matavam a idéia; mas ela sobreviveu, porque era verdadeira; e cresceu, porque estava nos desígnios de Deus.

Nascida em uma pequena e obscura povoação da Judéia, foi hastear sua bandeira na própria capital do mundo pagão, diante de seus inimigos mais sanguinários, daqueles que tinham o maior interesse em combatê-la, porque ela aniquilava crenças seculares às quais muitos se apegavam mais por interesse que por convicção.

Lutas das mais terríveis ali esperavam seus apóstolos; as vítimas foram inumeráveis, mas a idéia cresceu sempre e saiu triunfante, porque, como verdade, superava as idéias que a precederam.

Deve-se observar que o Cristianismo chegou quando o Paganismo estava declinando e se debatia contra as luzes da razão. Ainda era praticado por simples respeito aos costumes, mas a crença havia desaparecido, só o interesse pessoal o sustentava.

Ora, o interesse é persistente, e nunca cede à evidência; e quanto mais claros e objetivos são os raciocínios que a ele se opõem, demonstrando de forma incisiva o seu erro, mais ele se estimula. Ele bem sabe que está errado, mas isso pouco lhe importa, porque a verdadeira fé não existe em sua alma, o que ele mais receia é a luz que abre os olhos dos cegos. O erro lhe é proveitoso, e por isso a ele se apega, e o defende.

Sócrates também não havia formulado uma doutrina, até certo ponto, análoga a do Cristo? Por que, então, ela não prevaleceu, naquela época, no espírito de um dos povos mais inteligentes da Terra? É que ainda não havia chegado o tempo certo. Sócrates semeou em solo não preparado; o Paganismo ainda estava em pleno vigor.

Cristo recebeu sua missão providencial na época certa. A totalidade dos homens do seu tempo não estava à altura das idéias cristãs, mas havia uma aptidão mais geral para assimilá-las, porque já se começava a sentir o vazio que as crenças vulgares deixavam na alma. Sócrates e Platão abriram o caminho e prepararam os espíritos.

Infelizmente, os adeptos da nova doutrina não se entenderam quanto à interpretação das palavras do Mestre, a maior parte delas não era muito clara por terem sido apresentadas em formas alegóricas e em expressões figuradas. Daí o surgimento, desde o início, de numerosas seitas que pretendiam ter, todas elas sem exceção, a posse exclusiva da verdade, e que o decorrer de dezoito séculos não conseguiu fazer com que entrassem em acordo.

Esquecendo o mais importante dos preceitos divinos, aquele do qual Jesus havia feito a pedra angular do seu edifício e a condição expressa da salvação: a caridade, a fraternidade e o amor ao próximo, essas seitas se reprovavam mutuamente e atacavam umas às outras, as mais fortes esmagando as mais fracas, sufocando-as em sangue, nas torturas e na chama das fogueiras.

Os cristãos, vencedores do Paganismo, de perseguidos passaram a perseguidores, e foi a ferro e fogo que plantaram a cruz do cordeiro sem mácula nos dois mundos. Está comprovado que as guerras de religião foram as mais cruéis, fizeram mais vítimas que as guerras políticas, e que, em nenhum outro tipo de guerra, se cometeram mais atos de atrocidade e de barbárie.

A culpa seria da doutrina do Cristo? Certamente que não porque ela condena formalmente toda violência. Alguma vez Jesus disse aos seus discípulos: Ide, matai, massacrai, queimai aqueles que não crêem como vós? Não, Ele disse justamente o contrário: Todos os homens são irmãos, e Deus é soberanamente misericordioso; amai vosso próximo; amai vossos inimigos; fazei o bem àqueles que vos perseguem.

E Jesus lhes disse ainda: “Quem matar pela espada, morrerá pela espada”. A responsabilidade não é, portanto, da doutrina de Jesus, mas daqueles que a interpretaram falsamente, e que fizeram dela um instrumento para servir às suas paixões; daqueles que desconheceram estas palavras: “Meu reino não é deste mundo”.

Em sua profunda sabedoria, Jesus previu o que devia acontecer; mas essas coisas eram inevitáveis, porque faziam parte da inferioridade da natureza humana, que não podia transformar-se de repente. Era preciso que o Cristianismo passasse por essa longa e cruel prova de dezoito séculos para mostrar todo o seu poder.

Apesar, porém, de todo o mal cometido em seu nome, ele saiu puro dessa prova; jamais foi colocado em questão; a censura sempre caiu sobre aqueles que abusaram dela; a cada ato de intolerância, sempre se afirmou: se o Cristianismo fosse melhor compreendido e melhor praticado, isso não teria acontecido.

Quando Jesus disse: Não penseis que vim trazer a paz, mas a divisão, seu pensamento era este: Não acrediteis que minha doutrina se estabeleça pacificamente. Ela trará lutas sangrentas, para as quais o meu nome será o pretexto, porque os homens não terão desejado compreender-me. Os irmãos, separados por sua crença, lançarão a espada um contra o outro, e a divisão reinará entre os membros de uma mesma família, que não tiverem a mesma fé.

Vim lançar o fogo sobre a Terra, para limpá-la dos erros e dos preconceitos, assim como se põe fogo em um campo, para destruir as ervas daninhas, e tenho pressa que ele se acenda, para que a depuração seja mais rápida, porque desse conflito a verdade sairá triunfante.

A paz irá suceder à guerra; a fraternidade universal, ao ódio dos partidos; a luz da fé esclarecida, às trevas do fanatismo. Então, quando o campo estiver preparado, eu vos enviarei o Consolador, o Espírito de Verdade, que irá restabelecer todas as coisas, ou seja, fazer conhecer o verdadeiro sentido das minhas palavras, que os homens mais esclarecidos poderão compreender, e que dará fim à luta fratricida que separa os filhos de um mesmo Deus.

Finalmente, cansados de um combate sem solução, que como conseqüência só traz a desolação, levando o distúrbio até no seio das famílias, os homens reconhecerão onde estão os seus verdadeiros interesses para este mundo e para o outro.

Verão de que lado estão os amigos e os inimigos da sua paz. Todos então virão abrigar-se sob a mesma bandeira: a da caridade, e as coisas serão restabelecidas sobre a Terra, de acordo com a verdade e os princípios que eu vos ensinei.

O Espiritismo vem realizar, no tempo previsto, as promessas do Cristo; entretanto, não pode fazê-lo sem destruir os abusos. Como Jesus, ele se depara com o orgulho, o egoísmo, a ambição, a cupidez, o fanatismo cego, que, encurralados em suas últimas trincheiras, tentam barrar-lhe o caminho, provocando embaraços e perseguições; eis por que ele também tem que lutar.

Mas o tempo das lutas e das perseguições sangrentas passou, as que ele terá que sofrer são todas de ordem moral, e o fim de todas elas se aproxima. As primeiras, as que o Cristianismo enfrentou, duraram séculos; estas durarão apenas alguns anos, porque a luz, em vez de partir de um só foco, brotará de todos os pontos da Terra, e abrirá mais cedo os olhos dos cegos.

Essas palavras de Jesus devem, portanto, ser entendidas como referentes à cólera que, Ele previa, a sua doutrina iria provocar; aos conflitos momentâneos, que surgiriam como conseqüência; às lutas que ela teria que sustentar antes de se estabelecer, como aconteceu aos hebreus, antes da sua entrada na Terra Prometida, e não como um desejo premeditado, de sua parte, de semear a desordem e a confusão. O mal deveria vir dos homens e não de Jesus. Ele era como o médico que vem curar, mas cujos remédios provocam uma crise salutar, removendo os males do doente.

Não Vim Trazer a Paz, mas a Divisão - Carla e Hendrio



Não se interpreta a Bíblia literalmente...

Não penseis que eu tenha vindo trazer paz à Terra; não vim trazer a paz, mas a espada; – porquanto vim separar de seu pai o filho, de sua mãe a filha, de sua sogra a nora; – e o homem terá por inimigos os de sua própria casa. (S. MATEUS, 10:34 a 36.)


Vim para lançar fogo à Terra; e que é o que desejo senão que ele se acenda? – Tenho de ser batizado com um batismo e quanto me sinto desejoso de que ele se cumpra! Julgais que eu tenha vindo trazer paz à Terra? Não, eu vos afirmo; ao contrário, vim trazer a divisão; – pois, doravante, se se acharem numa casa cinco pessoas, estarão elas divididas umas contra as outras: três contra duas e duas contra três. – O pai estará em divisão com o filho e o filho com o pai, a mãe com a filha e a filha com a mãe, a sogra com a nora e a nora com a sogra. (S. LUCAS, 12:49 a 53.)



Resumo: Inicialmente, Kardec destaca que as palavras são de Jesus, apesar de a forma não favorecer o entendimento claro do pensamento que ele exprimia, já que sua missão era toda de paz. Destaca ainda que uma ideia nova encontra oposição, tanto maior quanto a importância dos resultados previstos. Assim, Jesus trazia uma ideia nova, toda de amor e bondade, que ia de encontro aos abusos dos fariseus, escribas e sacerdotes, gerando uma oposição que culminou com a morte de Jesus. Essa ideia, porém, sobreviveu à sua morte, pois que era verdadeira, engrandeceu-se e espalhou-se, enfrentando grandes lutas. Considera ainda que o Cristianismo surgiu na época propícia, quando o Paganismo já se apresentava exaurido. Quando as mesmas ideias foram trazidas por Sócrates, o povo, apesar de muito inteligente, ainda não estava preparado. Na época de Jesus, o caminho já estava aberto e os espíritos predispostos a essas ideias. Essas ideias, no entanto, também não foram bem compreendidas, gerando numerosas seitas que se lançaram em guerra umas contra as outras, por não compreender a ideia central do Cristo, que é a Caridade. Jesus quis dizer que sua doutrina não se estabeleceria pacificamente, que traria lutas sangrentas porque os homens não a teriam compreendido. Mas, de toda essa confusão, sairia triunfante a verdade. Assim, quando o campo estivesse preparado, seria enviado o Consolador, que restabeleceria todas as coisas, Kardec destaca ainda que o Espiritismo vem, na época prevista, realizar as promessas de Jesus, e, da mesma forma, enfrenta oposições, que agora não são mais sanguinolentas e sim de ordem moral, e que durarão menos do que as que o Cristianismo teve de enfrentar. Essas palavras de Jesus devem entender-se portanto, como a cólera que sua doutrina provocaria, em conflitos momentâneos, e não de uma ideia premeditada de causar confusão. O mal viria dos homens.
(Resumo de "O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. 23, itens 9 a 18)


Explicação da passagem evangélica: Carlos Torres Pastorino, na obra Sabedoria do Evangelho, volume 3, explica que: “A doutrina pregada por Jesus torna-se, pois, a ocasião (embora não a causa) desses conflitos, que terminarão em perseguições violentas e sanguinárias, e “os inimigos do homem são os de sua própria casa", fato explicado com pormenores alguns séculos antes pela Bhagavad-Gita.


(...) A individualidade (Jesus) declara ter vindo "lançar fogo sobre a Terra". Com efeito, a matéria inerte e mesmo a vivificada pela força da vida animal e psíquica, pode considerar-se apagada se não tiver em si o "fogo" do Espírito desperto, consciente de si, a trabalhar pela evolução. Quem lança esse fogo nos seres humanos é a individualidade, ao assumir seu legítimo posto de supremacia na criatura humana. Para lançar, porém, esse fogo espiritual, a individualidade necessita mergulhar no corpo físico, encarcerando-se na carne; e durante toda a sua permanência nesse mergulho, vive angustiada (synéchomai), ansiosa por libertação, a fim de voar livre em seu mundo próprio.


O Espírito, individualização da Centelha Divina, quando consegue comunicar seu fogo próprio espiritual (o "mergulho de fogo", conforme Mt 3:11; Mc 1:8; Lc 3:16) ao ser humano, sente em si a alegria de vê-lo arder na espiritualização integral; no entanto, seu aprisionamento lhe faz sofrer todas as restrições de um cárcere cheio de lutas. Com efeito, o domínio da individualidade numa criatura lança-a em lutas titânicas externas, embora garantindo uma paz interior inabalável.


Mas a "descida" da individualidade traz, não a paz, à personalidade, mas a divisão em dois, a "dicotomia" entre matéria e espírito. Se bem que a matéria nada mais seja que a condensação (congelamento) do espírito, ocorre que, no momento de a individualidade assumir o comando, a personalidade adquire a consciência de uma dualidade, da nítida separação (dicotomia), com a característica de oposição entre espírito e matéria. Centenas, e talvez milhares de autores já se referiram a essa luta entre os dois pólos "opostos" (positivo e negativo, Sistema e Anti-Sistema, alma e corpo). Há pois razões ponderosas de afirmar que, no mergulho na carne, a individualidade vem produzir, de início, a dicotomia entre espírito e matéria.


Essa divisão, todavia, não reside unicamente nas extremidades opostas. Também os planos intermediários estarão sujeitos a ela. Assim, numa "casa” (ou seja, numa pessoa humana), onde há cinco pessoas (o pai: o espírito; a mãe: a inteligência; o filho: o corpo astral; com sua esposa: o duplo etérico; a filha: a carne), a luta entre os elementos é grande e contínua. O pai ("espirito") quer impor-se ao filho (corpo astral, emoções), mas estas se opõem a ele; a mãe (inteligência) quer superar a filha (a carne), mas esta se rebela e não quer obedecer a ela, vencendo-a com o sono, o cansaço, etc.; a sogra (ainda a inteligência) busca dominar a nora (as sensações físicas), mas estas são mais poderosas e levam de vencida a inteligência. Quem não conhece a dificuldade de a inteligência desarraigar hábitos (vícios) como de fumo, de bebidas, de gula, de preguiça, etc"? Ou os obstáculos causados à inteligência pela fadiga do corpo? Ou o descontrole que o espírito sofre, perturbado pelas emoções da cólera e da raiva, do amor descontrolado e do ciúme, etc.?




Bem razão tem a individualidade de proclamar que não veio "lançar a paz, mas a espada". E por isso, "os inimigos do homem são os de sua própria casa", isto é, as máximas lutas que uma criatura tem que enfrentar são, realmente, contra seus próprios veículos inferiores, que causam os maiores distúrbios e perturbações, obstáculos e embaraços na caminhada da senda evolutiva. Muito mais fácil derrotar um inimigo externo que a si mesmo: "vencedor verdadeiro é o que vence a si mesmo", lemos algures. Indispensável, pois, harmonizar os veículos entre si e depois sintonizá-los com o Espírito.


Daí a conclusão: não é digno do Espírito, do Cristo Interno, quem "mais ama seu pai ou sua mãe, seu filho ou sua filha". No sentido em que estamos examinando a questão, essas palavras exprimem os veículos mais densos (da personalidade): seu intelecto, suas emoções, suas sensações, seu comodismo.


Quem mais ama essas partes personalísticas do que ao Cristo Interno, não é digno do Cristo Interno: está voltado para as falsas realidades transitórias terrenas, externas a seu verdadeiro EU, ao invés de apegar-se à realidade real perene, eterna, infinita. Não é digno da realidade, quem se apega às aparências. Não é digno da individualidade eterna, quem valoriza mais a personalidade momentânea. Não é digno do Espírito quem lhe prefere a matéria. Não é digno do Cristo, quem lhe antepõe o mundo e suas ilusões.”


Bons estudos! 
Carla e Hendrio

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