“Ser ou não ser, NÃO é esta a questão”. A frase de Shakeaspeare, modificada em seu sentido original, já demonstra o meu parecer final sobre essa questão que divide os espíritas: Jesus ser ou não ser o Espírito da Verdade, como se tal coisa fosse dar maior autoridade à doutrina espírita, que segundo Kardec, reside no Controle Universal do Ensino Dos Espíritos e não no controle por um único espírito, mesmo que fosse Jesus. Além do mais, cita o Codificador que as revelações vieram sempre por meio de uma pessoa: a 1ª com Moisés e a 2ª com Jesus, mas a 3ª não tinha ninguém a personificá-la, pois veio por uma multidão de espíritos que a revelaram. Finalmente, o que é mais importante na doutrina, que se diz universal? A moral, conseqüência de toda uma filosofia baseada na ciência espírita (moral esta que é a mesma atribuída a Jesus, a chamada moral cristã) ou que Jesus tenha sido e não pode deixar de ter sido, segundo alguns, o Espírito de Verdade? Parece-me que a posição de achar que era não é a questão, pois nos leva a crer que se Jesus não for o Espírito de Verdade – questão que alguns tem como capital – o edifício espírita desmoronaria e não seriam mais espíritas. Se for essa mesma a posição inarredável dos que crêem firmemente que Jesus haja sido o Espírito da Verdade, isso nos parece, embora respeitável seja a crença, uma crença baseada em atavismos religiosos, dos quais algumas pessoas, mesmos as mais esclarecidas, ainda não conseguiram se desvencilhar. Minha posição sobre o tema parece já ter sido exposta, mesmo sem eu ter afirmado ou negado, apenas pela minha exposição inicial sobre o tema. Embora eu ache que não seja a questão saber se Jesus era ou não o Espírito da Verdade, a minha opinião é a de que não era, contrariamente ao que pensam outros companheiros, tal como Maria das Graças Cabral, Sérgio F. Aleixo e Artur Felipe Azevedo, entre outros. Eu desconheço a tendência espírita de Sésio Santiago – se um espírita mais voltado para a racionalidade ou se um espírita que acredita em tudo que lê – mas, entendo que uma das razões citadas por ele, para afirmar que Jesus fosse o Espirito da Verdade, é de uma fragilidade imensa, se utilizada por um espírita mais esclarecido, pois este não reconhece o que André Luiz cita em suas obras e ao mesmo tempo aceita outra citação, a de que o instrutor espiritual Alexandre, no Livro Missionários da luz, obra ditada por André Luiz ao médium Francisco Cândido Xavier: “Por que audácia incompreensível imaginais a realização sublime sem vos afeiçoardes ao Espírito de Verdade, que é o próprio Senhor?”, fosse argumento sólido o bastante, para justificar a posição. A meu ver, esse argumento perde a força, que já não teria, se dito por um espírita adepto do misticismo, se pronunciado fosse por um espírita adepto da racionalidade, exatamente por ser incoerente: ora, crê no que Andre Luiz diz; ora, não crê no que ele cita. Outro argumento que merece observação é o que Sérgio Aleixo utiliza: “Vemos que, em termos rigorosamente kardecianos, está dirimida esta dúvida quanto à individualidade e à identidade do Espírito de Verdade. Ele é único! Ele é Jesus! A menos que não tenhamos motivos para confiar em Kardec e nos espíritos da codificação.” Tal postura, embora nos caiba respeitar – e respeitar é diferente de concordar, pois podemos discordar respeitosamente – nos parece uma obediência cega a Kardec, do mesmo modo que outros espíritas seguem cegamente o que Chico Xavier dizia ou escrevia. E o que Kardec pregava era o uso da razão e bom senso em tudo, inclusive nele mesmo pois disse: “Se tenho razão, todos acabarão por pensar como eu; se estou em erro, acabarei por pensar como os outros”. E não custa lembrar que não ter motivos para confiar de Kardec não é a mesma coisa que ter razões para desconfiar de Kardec, pois na primeira está implícita uma confiança cega, do tipo “eles NUNCA erram” e na segunda, estaria entendido como “ele SEMPRE erra, pois já peguei vários erros dele”, mas fico com a opção da razão e bom senso que até Kardec já errou e os espíritos da Codificação já admitiram que mesmo para eles há coisas não reveladas. Ou teríamos motivos para confiar em Kardec no caso defendido por ele da geração espontânea ou na perfectibilidade da raça negra, teorias de uma época dele. E por que teríamos razão para confiar nele só por que ele (não) disse que Jesus era o Espírito da Verdade? Apenas por que enxergamos na (não) confirmação de Kardec o que queríamos enxergar e satisfaria o nosso resquício de atavismo religioso (“Ele é único! Ele é Jesus!”) Outra coisa que os espíritas esquecem, é a de que não há médiuns perfeitos. Alguns se lembram dessa máxima para criticar Chico Xavier dizendo que ele não era perfeito como médium e podia ser enganado pelos espíritos. Afirmação correta, mas pensemos: as irmãs Baudin; Ermance Dufaux e Ruth Japhet, as que Kardec utilizou, eram médiuns perfeitas? Se não há médiuns perfeitos, está respondida a questão. E elas teriam recebido apenas Espiritos Superiores (e Zéfiro ou Zephyr, que teria sido druida juntamente com Kardec na Gália, não era um espírito superior, mas sim um espírito bom e benfazejo). Acompanhemos o diálogo delas que consta do livro de Canuto de Abreu: “O Livro dos Espíritos e Sua Tradição Histórica e Lendaria”.
- ... No dia 1º de janeiro a sessão foi aberta, às oito horas da noite em ponto, de portas fechadas, com uma prece feita pelo Professor, de pé, solenemente, como se fosse um padre, e de improviso. Mas as palavras não eram de nenhuma reza eclesiástica nossa conhecida nem aquela ditada por ZÉPHYR. Este saudou a todos amistosamente e anunciou-nos o comparecimento de vários Espíritos superiores, citando-lhes os nomes com deferência, isto é, um abaixo de outro, destacadamente. - Lembra-se de alguns? - Santo AGOSTINHO, S. JOÃO EVANGELISTA, São VICENTE DE PAULO... - Diversos Santos, enfim, interrompeu Ermance. - Também SÓCRATES, FÉNELON, SWEDENBORG, HAHNEMANN... - E O LIVRO principiou a ser escrito, insinuou Ermance. - Não sabíamos a essa altura coisa nenhuma a respeito. Sendo o Senhor RIVAIL Mestre-escola e falando-nos várias vezes dum curso, supusemos desejasse transformar as sessões em aulas para um aprendizado metódico. Muitos consulentes, que só vinham aos Espíritos para lhes perguntar tolices sobre casos domésticos, desconfiando da nova orientação, não voltaram mais. Ficaram, porém, alguns mais dispostos a aprender, satisfeitos com o sistema novo. E assim, duas vezes por semana, às quartas e sábados, mantivemos sessões importantes de perguntas e respostas sobre temas elevados, propostos pelo Professor e resolvidos por Espíritos superiores. - Muito curioso o sistema, concordou Ermance. E assim... - Espere, querida. Uns três meses depois de inaugurado esse curso, quando já era grande a cópia de ensinamentos, o Guia espiritual do Professor manifestou-se, pela primeira vez entre nós, dizendo que, na véspera, à noite, havia dado ao Professor, aqui nesta casa, sinais percucientes na parede com o intuito de o impedir de escrever certo erro na obra em elaboração. - O Professor escrevia a obra durante as sessões? - Não, Ermance. Escrevia aqui, em casa dele, com todo o sigilo. Só então é que soubemos não se limitar o Professor RIVAIL, como nos parecia, a colecionar ensinos para uso privativo, mas escrevia uma obra a respeito do 'Spiritualisme' e sob a vigilância invisível de seu Guia. - De SÓCRATES, completou Ermance. - Não. Do Espírito VERDADE. - Espírito VERDADE? Curioso! - exclama Ermance. São LUÍS disse-me ter por Chefe o Espírito VERDADE. Será o mesmo? - Talvez. Espírito VERDADE deve ser um só. - Mas, Caroline, Você não me falou há pouco ser SÓCRATES o Guia do Senhor RIVAIL? - Não. Disse-lhe que o Professor o 'evocava' mentalmente e 'desejava' a assistência dele para 'desvendar' a verdadeira 'Filosofia dos Espíritos'. Não falei porém que o filósofo grego era seu Guia. O Gênio Protetor do Professor RIVAIL chama-se Espírito VERDADE. - Mas Você, Caroline, não percebe o simbolismo da expressão 'Espírito VERDADE'? Para mim São LUÍS se refere a uma Entidade oculta sob o véu dum símbolo. Símbolo aliás, que cabe perfeitamente a SÓCRATES. - Quando ainda novato em nossas sessões - replicou Caroline. O Professor um dia quis saber se, como nós outros também, ele tinha um Gênio Protetor. ZÉPHYR, respondendo afirmativamente, acrescentou, em resposta a outra indagação do Senhor RIVAIL: - "Seu Gênio foi na Terra um homem justo e sábio". - Pois então! - exclama Ermance. SÓCRATES foi um homem justo - De acordo. Mas... - E 'amigo da Verdade', insistiu Ermance, com ares triunfantes. - Mas JESUS? - contrapõe Caroline. Não foi o mais justo e sábio dos homens? Não foi a própria Verdade? - Sim, mas JESUS era Deus, sustentam Ermance. E, como homem, foi o 'mais' sábio, o 'mais' justo – Você mesmo acabou de dizê-la - e não 'um justo e sábio' como alguns outros homens. - DEUS é a 'Causa Primeira', a 'Inteligência Suprema', replicou professoralmente Caroline. Os Espíritos superiores ensinam ser JESUS um Espírito bem superior, não porém a 'Causa Primeira'. - Sem discutir esse ponto, que é de Fé, pergunto-lhe: Se o Guia do professor foi 'um homem justo e sábio', que homem o Professor supõe haja sido o Espírito VERDADE? - questionou Ermance. - Se ele o sabe, nunca o disse a nós. Creio, porém, que o não sabe. Quando pela primeira vez falou com o Guia em nossa casa, o Professor perguntou ao Espírito se havia animado alguma personagem conhecida na Terra. E o Gênio respondeu-lhe: - "Já lhe disse que, para Você, sou A VERDADE. Este 'para Você' implica 'discrição'. De mim não saberá mais nada a respeito". - Para nós, intervém Julie, o Espírito VERDADE não é SÓCRATES, pois este, quando se manifesta, declina o nome ou é anunciado por ZÉPHYR. - Para mim, opinou Ruth, é JESUS. - Pode ser, apoiou Ermance. Só assim poderia ser Chefe espiritual de São LUÍS. - Respeitemos o sigilo imposto pelo próprio Espírito, ponderou Caroline. Ir além seria imprudente. Essa questão de identidade foi objeto de exame em nossas reuniões, e ZÉPHYR limitou-se a pedir-nos decorássemos a afirmativa de SÓCRATES que já lhe citei e vou repetir: - "A verdadeira 'Filosofia dos Espíritos' só poderá ser revelada ao que for digno de receber A VERDADE".
Como notamos, nesse dialogo, elas mesmo não se entendiam quanto a quem seria o Espírito da Verdade, umas achavam que seria Sócrates e outras achavam que seria o próprio Jesus. Mas, ora, se nem elas que receberam todos os espíritos que ajudaram em O Livro dos Espíritos sabiam quem era o Espírito da Verdade – e ele consta dos Prolegômenos – com que autoridade nós, mais de 150 anos após afirmamos com tanta certeza que Jesus era o Espírito da Verdade? Notem que o Guia de Kardec, em vermelho – que nada mais seria do que o Espirito da Verdade, como se depreende dos trechos seguintes – usa de pancadas na parede para chamar a atenção. Um espírito que seria puro por excelência usaria de métodos de espírito batedor para se comunicar, dando batidas na parede? Um Jesus batedor? E as meninas que Kardec utilizou como médiuns eram católicas, na verdade, como se infere da afirmativa delas em “Mas as palavras não eram de nenhuma reza eclesiástica nossa conhecida (...)” Eu não esperaria que elas dissessem que o Espírito da Verdade seria Krishna ou Buda, dois indianos, estranhos a cultura cristã, delas e nossa também, natural que dissessem que era Jesus, até por atavismos. Outro companheiro nosso, Artur Felipe Azevedo, afirmou que por causa das evidencias, Jesus era o Espirito da Verdade. Agora pergunto: que evidencias? O fato de Kardec crer que Jesus fosse o Espírito da Verdade não é prova de nada, aliás quando ele no Livro dos Mediuns recebeu comunicação assinada por Jesus, Kardec mesmo deixa escapar sua religiosidade ao dizer “Esta comunicação,... foi assinada com um nome que o respeito nos não permite reproduzir, senão sob todas as reservas tão grande seria o insigne favor de sua autenticidade ... Esse nome é o de Jesus de Nazaré”
Só que Kardec escrevera em A Genese (última obra dele) que: 37. - [...] Sob o nome de Consolador e de Espírito de Verdade, Jesus anunciou a vinda daquele que havia de ensinar todas as coisas e de lembrar o que ele dissera. Logo, não estava completo o seu ensino. E, ao demais, prevê não só que ficaria esquecido, como também que seria desvirtuado o que por ele fora dito, visto que o Espírito de Verdade viria tudo lembrar e, de combinação com Elias, restabelecer todas as coisas, isto é, pô-las de acordo com o verdadeiro pensamento de seus ensinos. [...] 39. - Qual deverá ser esse Enviado? Dizendo: “Pedirei a meu Pai e ele vos enviará outro Consolador”, Jesus claramente indica que esse Consolador não seria ele (grifo nosso), pois, do contrário, dissera: “Voltarei a completar o que vos tenho ensinado”. Não só tal não disse, como acrescentou: A fim de que fique eternamente convosco e ele estará em vós. Esta proposição não poderia referir-se a uma individualidade encarnada, visto que não poderia ficar eternamente conosco, nem, ainda menos, estar em nós; compreendemo-la, porém, muito bem com referência a uma doutrina, a qual, com efeito, quando a tenhamos assimilado, poderá estar eternamente em nós. O Consolador é, pois, segundo o pensamento de Jesus, a personificação de uma doutrina soberanamente consoladora, cujo inspirador há de ser o Espírito de Verdade. 40 - O Espiritismo realiza, como ficou demonstrado (cap. 1, nº 30), todas as condições do Consolador que Jesus prometeu. Não é uma doutrina individual, nem de concepção humana; ninguém pode dizer-se seu criador. É fruto do ensino coletivo dos Espíritos, ensino a que preside o Espírito de Verdade. [...] E ai voltamos ao questionamento de Sérgio Aleixo: a menos que não tenhamos motivos para confiar em Kardec, pois o mesmo disse em sua última obra que o Consolador (o Espírito de/da Verdade) seria o Espiritismo. Muito mais eu poderia dizer para defender minha tese, mas isso não me levaria a lugar algum, assim como não levará os defensores do Espirito da Verdade é Jesus a lugar nenhum, a não ser em ambos os casos a uma satisfação tola do”eu estava certo, viram?” Para mim não era, e para outros eram. Que fique para nós os achismos, pois este é o caso do ser ou não ser, não é esta a questão, ao contrario de outra questão, o do espiritismo ser ou não religião, outro cavalo de batalha dos espíritas. Nesta questão – religião ou não – Kardec foi bem claro, ao pedir que não chamássemos o Espiritismo de religião mesmo no sentido filosófico, pois as pessoas confundiriam, mas na outra questão, Kardec não foi claro quanto a quem seria o Espírito da Verdade: ora, era um celebre filósofo da Antiguidade; ora, era o próprio Jesus; ora, era o Espiritismo que seria o Consolador, mas o insigne pesquisador se sabia, não disse, não foi claro e irretocável em seus argumentos de que era ou não o Espirito da Verdade e se não sabia, julgou não ser importante se era ou não Jesus. Aliás, se se comprovar que Jesus historicamente nunca existiu? Já pensaram nisso? Isso representaria um desmoronamento na maneira de pensar de muitos, inclusive nas mentes dos que pensam no Espírito da Verdade como sendo Jesus. Na cabeça dos que tem Jesus como guia e modelo, e não como personagem histórico sempre presente, mas mais como arquétipo, a moral atribuída a ele é mensagem que nos interessa seguir, ela sim é a questão.
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