O Cristo Histórico
Entrevistado:
Paulo Dias
Fonte:
CVDEE
ENTREVISTAS
P: - Como é vista por Allan Kardec a questão do Cristo histórico?
R: - No tempo de Kardec ainda não havia estudos históricos sobre Jesus, pois ainda não eram possíveis. Estes estudos somente surgiram em 1863 com Renan ao qual Kardec reagiu com certa veemência, sem duvida por não haver na época elementos comparativos que pudessem oferecer a Kardec uma idéia razoável do tema. Por exemplo, Kardec não podia conhecer o evangelho de Tomás que somente surgiu em 1898 e de novo em 1945, e não podia conhecer os Evangelhos do mar Morto que surgiram somente em 1898 e de novo em 1947 [Kardec morreu em 1869]. A ciência moderna confirma a opinião de Renan, e de Kardec, de que o Cantar do Monte forma a base essencial do ensino do Cristo, cf. Evangelho Segundo o Espiritismo, Introdução I.
P: - Como você acha que a Mediunidade pode auxiliar no esclarecimento dos pontos conflitantes a respeito do Cristo Histórico?
R: - Esclarecendo sobre pontos duvidosos ou de pesquisa impossível; para isto precisamos entrevistar os espíritos com perguntas bem formuladas de acordo com o método kardequiano.
P: - Como podemos entender as faculdades espirituais do Cristo? Como você define a trajetória evolutiva do Cristo, o seu caminho cíclico da alma eterna, as suas dimensões físicas e espirituais?
R:- Como homem, Jesus era uma pessoa de seu tempo, um mestre judeu do século I com a mentalidade das pessoas do século I, portanto, preocupado com o fim do mundo e a vinda do messias. Como espírito, um ser de alta moralidade. Como médium, um grande sensitivo. Contudo a nossa época tem outras preocupações e não devemos viver eternamente no século I e seus messias e finais de mundo; temos que avançar para outro tipo de cristianismo. Um cristianismo moral fora de todo dogmatismo.
P: - Como têm sido tratada, entre os espíritas, a descoberta da urna funerária contendo a inscrição: "Tiago, filho de José, irmão de Jesus"? Os espíritos já foram perguntados acerca da descoberta?
R: - Ainda não perguntamos, mas a rigor nem precisa. Tiago o irmão de Jesus foi uma pessoa de alto relevo na sociedade judaica do século I. Era o chefe da Igreja, e não Pedro. Tiago escreveu o primeiro texto cristão e editou os primeiros livros, nomeou os primeiros auxiliares, etc., etc., e tinha enorme importância na sociedade como um todo. Quando ele morreu, vitimado pela polícia, o governo caiu, e você consegue imaginar a policia matando alguém hoje e fazendo o governo cair???
P: - João disse que os cravos utilizados na Crucificação foram pregados nas mãos de Cristo. As pesquisas arqueológicas indicam que os cravos tinham que ser colocados nos pulsos para que se aguentasse o peso do corpo. Teria Cristo sido crucificado nas mãos e nos pulsos? O Santo Sudário indica apenas nos pulsos...como o senhor interpreta essa passagem?
R: - Tanto o grego *quiros* quanto o hebraico *iad* abrangem a mão e o
punho. Arqueologicamente sabemos que Jesus foi transfixado pelos pulsos.
P: - Muitos historiadores duvidam da existência de Jesus porquanto seu corpo nunca foi encontrado. Alguns dizem que ele deve, possivelmente, haver desintegrado seu próprio corpo porque como Espírito Puro não necessitava que ele se deteriorasse como acontece com o comum dos seres humanos. Qual a sua opinião a respeito?
R: - Não há nenhuma prova histórica de que o corpo de Jesus tenha desaparecido. Os judeus da época não se interessavam muito pelo corpo, mas em 1968 achou-se uma tumba de um *Jesus* num cemitério judeu-cristão em Jerusalém, do século I morto ao redor dos anos 30 do sec. I. Seria Jesus???...
P: - Como devemos encarar obras ditas mediúnicas que relatam a vida de Cristo? Como "Há Dois Mil Anos", ou "Cornélius, o Centurião que viu Jesus". No 1º caso, afirma-se que Jesus morreu no ano 33 (o que considera-se errado). No 2º, afirma-se ser verdadeira a famosa carta de Publio Lentulus descrevendo Cristo, mas parece haver certeza atualmente que a carta é uma fraude do ano 1300. Devemos tratar tais obras como trazendo a verdade dos acontecimentos? Se não, isso mostra que os espíritos que ditaram as obras não eram evoluídos?
R: - Jesus nasceu numa faixa que vai do ano 7 a 5 a.C., podendo ampliar para os anos 20-15; e morreu numa faixa que vai dos anos 29 a 33 E.C. E a Carta de Lentulus... [Publius Lentulus sem nenhum acento ou Publio Lentulo com *u agudo* e *e circunflexo* - conforme V. queira escrever em latim ou português] ...já existia no século IV [em geral eu escrevo Publius Lentulus em latim]. Publius Cornelius Lentulus Getulicus era presidente do Senado entre os anos 30 a 68 E.C. Nasceu entre os anos 1 e 5 E.C. e fazia parte da importantíssima família romana Gens Cornelia que teve grande importância na cristianizacão de Roma. Contudo apenas uma parte mínima da Carta poderia ser autentica, aquela que diz ''Caminha com os pés descalços, cabelos da cor do vinho, olhos claros, mãos compridas e ensina que os reis e escravos são iguais''. Esta parte mínima coere com as fichas policiais da época e evidentemente um senador romano somente iria se preocupar com Jesus do ponto de vista criminal, pois o Cantar do Monte inteiro é um texto subversivo para as leis romanas. Ensinar que os pobres são benditos era caso de policia.
Portanto, temos aqui a descrição do criminoso, ''caminha, etc...'' [os ''esquerdistas'' da época andavam assim sem sapatos como homenagem a Sócrates] e em seguida a tipologia do crime, ''ensina que, etc.''.
P: - Eu li no livro Paulo e Estevão, de Chico Xavier/Emmanuel, diz que o primeiro evangelho foi escrito por Levi ou Mateus,um ano depois do desencarne de Jesus, e não 60 ou 70 anos, como muitos historiadores acreditam. Eu, particularmente, penso que Emmanuel está certíssimo, por que, já que Paulo de Tarso escreveu várias cartas às Igrejas, por que ele não Pensou em escrever uma biografia de Jesus, já que não existia nenhum evangelho no tempo em que ele escreveu as cartas, como dizem os historiadores? Eu acredito que Paulo não escreveu, porque já existia o Evangelho de Mateus! Qual a sua opinião a esse respeito?
R: - Emmanuel refere-se aqui ao Livro de Q ou um conjunto de ensinos sem
narrativas, que hoje se acha nos caps. 5 a 7 do atual Evangelho de Mateus. Os evangelhos narrativos propriamente ditos surgiram somente entre os anos 50 e 120. Paulo escreveu os primeiros textos cristãos, as suas Cartas, mais antigas que os evangelhos. O texto cristão mais antigo é a Carta de Tiago. O evangelho é apenas complemento de outra obra chamada Didaque que desenvolve o ensino de Jesus e que se acha hoje em desuso. Os capítulos 5 a 7 de Mateus são a única parte que podemos realmente atribuir a Jesus; o resto do evangelho é não autêntico em maior ou menor grau. Ou não autêntico, ou folclórico.
P: - Quais são as provas da existência de Jesus Cristo?
R: - A rigor, somente os caps. 5 a 7 do evangelho de Mateus. É a única parte do Novo Testamento que tem origem inequívoca no século I. A Carta de Tiago confirma muitas frases contidas em Mateus capítulos 5-7, e o evangelho de Tomas confirma muitas coisas da Carta de Tiago; os 3 documentos juntos oferecem uma idéia razoável do ensino de Jesus e por sua vez os Evangelhos do mar Morto esclarecem a mentalidade do século I. O resto do Novo Testamento atual surgiu apenas mais tarde; Paulo foi esquecido por 100 anos e depois reescrito; e os evangelhos foram todos reescritos nos séculos II e de novo no século IV. A maior parte das variantes do texto evangélico surgiu no século II, e elas podem chegar a 250 mil variantes. No século IV temos a definição de 4 evangelhos por um critério político baseado nas 4 grandes igrejas da época, Jerusalém [Mateus], Antioquia [Lucas], Alexandria [João-Marcos] e Roma [Marcos].
Ao oposto do que as pessoas pensam em geral, as maiores variantes do texto evangélico não surgiram na Idade Media mas no século II, e muitos cristãos, para se salvarem, entregavam outros cristãos, como ocorreu a Orígenes, no século II, o maior sábio do cristianismo, denunciado aos romanos por um bispo enciumado do seu saber. Como ocorreu a Juliano, no século IV, que combateu a doutrina das penas eternas e por isso foi queimado por S. Agostinho, que não era nenhuma florzinha de bondade: ''queimem Juliano, odeiem Juliano'', ele disse, ''eis um bom serviço'o que prestais a Deus''. Assim a historia da doutrina cristã nada tem de romântica, eram pessoas comuns com todos os seus defeitos e tentando acertar, fazer o melhor possível. Quando mexiam num texto, criam que era o melhor a fazer.
P: - Por que o nome "Cristo" em JESUS Cristo?
R: - Cristo significa ''messias'', i.e., ''um grande profeta''. Mas no judaísmo o messias é uma época e não um homem; Jesus, como todo judeu, acreditava-se o messias: isto faz parte da mentalidade judaica, todo judeu
pensa que está no mundo para fazer o melhor, para fazer a coisa certa, para ser um messias, enfim.
P: - Os historiadores, os cientistas não aceitam o novo testamento como prova da existência de Jesus? Por que?
R: - O Novo Testamento é uma obra de literatura sobre Jesus, e não a biografia de Jesus. O Novo Testamento é um conjunto de romances e de comentários sobre estes romances, e de cartas pessoais; 3/4 do Novo Testamento são de Lucas. O Novo Testamento não merece nenhum credito como obra histórica ou como depoimento, pois o seu objetivo era dar uma idéia literária, atraindo o leitor pela poesia. A Didaque, hoje em desuso, preocupava-se com a exatidão. Apesar disto o Novo Testamento indiretamente [se V. comparar com os textos da época] mostra como as pessoas pensavam, e isto não é pouca coisa. Os problemas só surgem quando você pede ao Novo Testamento mais do que ele pode oferecer, ressalvando os caps. 5 a 7 de Mateus.
P: - Existe alguma prova, fora da Bíblia, da existência do apostolo Paulo, ou de algum dos Discípulo de Jesus?
R: - Temos provas indiretas, alguns achados, feitos em Cesaréia, em Jerusalém e Corinto, e no Egito. São alguns inscriptos que permitem concluir que o Novo Testamento é um romance plausível. Mas mesmo assim é somente um romance. Estes achados permitem concluir datas, p. ex., pessoas mencionadas nos Atos e confirmadas nestes inscriptos permitem concluir que Paulo agiu entre 35 ou 40 e 64 ou 68 o mais tardar, logo, Tiago viveu pela mesma época, logo, Jesus ensinou em torno do ano 30 pois V. não consegue imaginar Paulo sem Tiago, e Tiago sem Jesus. Os caps. 5 a 7 de Mateus apresentam toda a característica de textos feitos entre os anos 100 a.E.C. e 70 E.C. e portanto são mesmo muito antigos e autênticos.
P: - Como é o nome de Jesus em Hebraico e em Aramaico?
R: - Yeshua. Em português Josue.
P: - Gostaria de saber se existem livros espíritas que afirmem que o Cristo tenha mesmo estudado com os essênios antes de iniciar suas pregações, e em sua opinião, o fator de mediunidade pesou na escolha dos apóstolos? ou seja, foram escolhidos também por serem fabulosos médiuns?
R: - Provavelmente os apóstolos foram escolhidos pela sinceridade e dedicação.
P: - É mais provável a aparência de Jesus ser qual: aquele da ciência ou o branco das Imagens?
Resposta: Jesus, como os judeus do Oriente, tinha cabelo crespo e cacheado, pele escura e narigão. Um enorme narigão.
P: - Em Roma, no arquivo de Duque de Cesadini, foi encontrada uma carta de Públius Lêntulus, Procônsul da Galiléia, dirigida ao Imperador romano, Tibério César, em virtude deste ter interpelado acerca de Cristo. E nesta havia sua descrição,como tendo ele pele moderada,olhos claros etc... Nós vimos isto em uma mensagem espírita. Queremos saber, é um fato real?
R: - Lentulus diz, ele tinha cabelos da cor do vinho, i.e., ruivos, bem escuros; e da cor da amêndoa, i.e., castanhos, escuros; e da cor do trigo maduro, i.e., o trigo sarraceno, aquele do quibe, ou seja, bem moreninho, o
trigo do Oriente. São portanto 3 tonalidades do avermelhado; como bom semita, ele tinha cabelo crespo, escuro, ruivo, e pele amorenada. Olhos claros, sim, grandes; os semitas possuem olhos claros entre o verde e o castanho claro. Olhos grandes e de fogo.
P: - Onde e como Jesus viveu dos 12 aos 30 anos?
R: - Provavelmente entre as comunidades judias ao longo das estradas onde os carpinteiros como seu pai eram necessários. Os meninos judeus ficavam na escola religiosa até os 20 anos quando então casavam-se. Jesus demonstra uma sólida educação judaica, logo, foi instruído como escriba. Sua família, os Ben David, tinha o dever de abastecer o Templo com lenha e desempenhavam [veja Tiago] um papel de relevo no cerimonial judaico da época. Jesus era ''senhor'', i.e., um cantor de sinagoga; ele ''pregava'', i.e., cantava nas sinagogas, veja Mc cap. 1 vers. 14; ele era um cantor de sinagoga e particularidades sobre a vida judaica da época acham-se no Talmude.
P: Teve Jesus algum vínculo com os Essênios?
R: - Os Mss. do mar Morto são o único texto alem do Cantar do Monte onde achamos a expressão ''pobres do espírito''. Simples coincidência???
P: - Algum historiador relatou algo sobre Jesus? Flavius Josefus por exemplo?
R: - O trecho de Josefo é controvertido.
P: - Em "O Sublime Peregrino", há relatos sobre os costumes, vestimenta, alimentação etc...; eu queria saber o que há de verdade histórica, nestes relatos? Em suma, o que é verdadeiro, ou falso, neste livro, historicamente falando?
R: - Em geral Ramatis é bom, mas temos que ressalvar o médium e dar um desconto de uns 50 por cento. O médium dele interfere demais na clareza do texto, se bem que devamos nos perguntar: Ramatis só fala de evangelho, de bondade, etc., e isto é próprio de um obsessor? Não. Portanto, as bobagens são do médium.
P: - O que realmente se sabe sobre a vida do Cristo que não foi relatada em livros (como a Bíblia) e que é o maior período da sua vida?
R: - Temos o Talmude para aclarar a vida judaica da época. Embora cite muito pouco Jesus, deixa patente que ''ele estava próximo do reino de Deus''.
Ao mesmo tempo mostra como a elite judaica da época não conseguiu aceitar o seu ensino, ''ele desencaminhava Israel''. Uma contradição, portanto. Temos também numerosos depoimentos dos Pais da Igreja e de familiares seus ao longo dos tempos. A família de Jesus ainda existe; extremamente reservados, chamam-se a si mesmo de Nozairy, os Nazarenos, e são judeus; vivem no Líbano [fonte - Pinchas Lapide].
Seguidores judeus de Jesus representaram ao longo dos séculos uma força transformadora permanente no judaísmo. Mas não pensam, como os cristãos, que Jesus seja O messias e sim um messias, ou, um grande profeta. São os judeus mais ortodoxos e mais praticantes, chamados *Chassidim* ou Piedosos; seu culto é espiritual e deveras baseado em canto e dança. É o judaísmo do coração.
P: - Se poderia nos explicar se há e, se houver, qual a diferença entre o Cristo Histórico e o Cristo que temos notícias pela religião?
R: - Na antropologia, na arqueologia e na historia temos um Jesus mestre judeu de moral, um continuador de Sócrates, um profeta inspirado. Na religião temos culpa, pecado e resgate do pecado pelo sangue pelo sacrifício de um deus encarnado. O que devemos preferir? A razão ou o dogma???
P: - De que forma ou que correlação há entre o Cristo Histórico e a Doutrina Espírita?
R: - O espiritismo, diz Kardec, deve avançar pela ciência e com a ciência.
P: - Há diferença quando se fala em Jesus e quando se fala em Cristo Histórico? Qual?
R: - Jesus histórico é a busca do Jesus provável que viveu no século I mas
não é fácil chegar a ele, pois temos 20 mestres Jesus no século I na Palestina.
A mais antiga tradição, afirmada pelos Pais da Igreja, diz que um dia um profeta subiu ao Monte das Bênçãos e entoou o Cantar da Montanha, e por isso foi preso e crucificado pelos romanos. Não há motivo para duvidarmos da tradição. A rigor, Cristo histórico não existe, pois ''cristo'' é um conceito da fé' de cada um; mas nós usamos esta expressão na nossa pagina para deixar claro que não combatemos a fé, somente a hipocrisia.
P: - Quando se lê e se compreende Jesus como modelo e guia, conforme consta na codificação espírita, como inserir neste contexto o Cristo Histórico?
R: - Eu quero crer no Jesus que efetivamente viveu e ensinou, e não naquele que *disseram que* viveu. Eu quero crer por mim mesmo, como diz Kardec.
Contudo, veja, LE 625 diz textualmente, ''qual o modelo etc...?'' e a resposta literalmente é ''Vede Jesus'', ou, examinai o que Jesus disse sobre isso [traduzida em português apenas como ''Jesus'' mas em francês ''Voyez
Jesus'']. E o que Jesus disse? ''Quem quiser ser o maior, seja o servidor de todos''. Seria um contra censo um Jesus que, vivo, ensinasse a humildade e, no Espaço, se atribuísse o papel de guia único ou maior da humanidade em detrimento de tantos outros. Cada um de nós é seu próprio guia, V. não acha??? ...
Nossa pagina está em http://www.cristohistorico.hpg.com.br e um abraço a todos.
Obrigado pelo testo. Seria um contra censo um Jesus que, vivo, ensinasse a humildade e, no Espaço, se atribuísse o papel de guia único ou maior da humanidade em detrimento de tantos outros.
ResponderExcluirCada um de nós é seu próprio guia.
Fraterno abraço com a paz dos Mestres.