sábado, 28 de maio de 2016

FARDO LEVE E JUGO SUAVE


Jesus disse: "'vinde a mim, porque o meu jugo é suave e o meu domínio é agradável - e achareis repouso para vós mesmos". {Logion, 90).

Este é um dos textos já conhecidos pela grande maioria, inserido nos sinóticos, ou mais precisamente, nas anotações atribuídas a Mateus: "Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve" (11:29-30). Percebe-se que a construção fraseológica do discurso canônico está vazada em linguagem mais apurada. O nosso objetivo, no entanto, é a análise sob a visão gnóstica, cuja meta do Espírito, uma vez mergulhado na carne é, prioritariamente, o autoconhecimento e a busca incessante na integração do Espírito ao Todo. E o que sugere Jesus "Quem procura, não cesse de procurar até achar: e, quando achar, será estupefato; e, quando estupefato, ficará maravilhado - e então terá domínio sobre o Universo" (logion 2). Já comentamos este logion 2, na lição. 14. deste livro.

Para melhor nos situarmos, vejamos primeiramente o sentido etimológico da palavra, segundo o Dicionário Houaiss: jugo: Vem do latim jugu, jugum = jugo (a que se atrelam animais); junta de bois, parelha de cavalos; jugo (símbolo de submissão ou escravidão constituído por uma armação de lanças debaixo da qual os vencidos eram obrigados a passar); sujeição imposta pela força ou autoridade: opressão. Assim, o jugo simboliza a disciplina de duas maneiras: ou ela é sofrida de modo humilhante por imposição do opressor, ou a disciplina é escolhida voluntariamente e conduz ao domínio de si, à unidade interior com Deus.

Em O Novo Testamento a palavra 'jugo' aplicada por Jesus tem, obviamente, o sentido figurado, querendo dizer que aqueles que seguissem os seus ensinamentos, mesmo diante das maiores dores e sofrimentos, aceitariam de forma leve. Exemplificando: Conscientizados de que somos transeuntes (logion, 43), e que nossa morada na Terra é transitória, e o que se leva desta vida é a vida que se leva, conforme o aforismo popular. A somatória dos valores espirituais conquistados é o que em conta ao desvestirmo-nos do corpo físico. E, assim pensando, o ser vê a vida sob outra ótica, sabendo que a conquista material faz parte do processo evolutivo, mas tem plena ciência, também, de que a morte física não aniquila o espírito, pois somos seres imortais. Na descondensação do corpo molecular, na realidade não existe morte, mas, uma reciclagem, cujos componentes atômicos voltam à terra para a constituição de outros corpos: o Espírito é Vida, e, por este motivo, jamais morre. É o sentido da Lei de Lavoisier: "Em a natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma'. É óbvio que, com esta visão de futuro, o fardo sempre se tornará mais leve, fazendo-nos caminhar na Terra, mesmo enfrentando todas as agruras, pois, o peso é diminuído pela compreensão.

Todo ser, no seu tempo devido, alcançará esse conhecimento, mas a apreensão dependerá do grau de percepção. A largada, como se fora uma corrida, é igual para todos, no entanto, a chegada ao alvo é fruto da experiência de cada um. Os interlocutores de Kardec ensinam que os Espíritos começam na 'simplicidade e na ignorância', isto é, sem conhecimento. Assim, a maturidade nos conduzirá a ter paciência em relação aos companheiros de jornada, pois cada um se encontra em estádio evolutivo próprio. E todo julgamento nosso está pautado no nosso 'metro', ou seja, em valores conquistados que são, necessariamente, diferentes dos outros, sendo, portanto, temerário, pois a aferição é toda baseada em códigos pessoais. Quando entendemos que o sofrimento é consequência das escolhas erradas, não transferimos a culpa de nossas desditas aos outros ou, quando não, a jogamos nas costas dos Espíritos ou no 'castigo" de Deus! E mais fácil colocar-nos como vítima diante das adversidades, do que assumirmos responsabilidade pelas atitudes tomadas.

Há muita deturpação da doutrina de Jesus, em benefício próprio, transformando os seus ensinamentos em verdadeiros ditames que ele mesmo combateu em sua época. São os 'falsos profetas', ou, então, os hipócritas os quais o Mestre chamou de "túmulos caiados", puros por fora e cheio de podridão por dentro...

As religiões têm a responsabilidade de preparar seus filiados para o desenvolvimento dos valores espirituais, de tal sorte que possam eles com confiança e serenidade enfrentar os problemas inerentes da encarnação, por mais difíceis que sejam como fardos leves. É trabalho de mudança interior que não ocorrerá jamais, sem o trabalho árduo de cada um. Não é entregando nas mãos de Jesus ou de Deus. deixando a vida me levar, como diz a canção popular, sem esforço pessoal, que se conquistam os valores da alma. As recomendações do Mestre: Pedi e vos será dado; buscai e achareis e, batei à porta e vos será aberta, são orientações para que as pessoas coloquem em ação os seus potenciais. Colocar um jugo leve, um domínio suave sobre a vida dos espíritos, é dar a eles o ensinamento necessário para que consigam atingir a consciência da ação do amor universal, mas respeitando o direito de não aceitar esse sentimento.

É neste sentido que Francisco Cândido Xavier, referindo-se à responsabilidade de cada um, ao envidar os melhores esforços para a conquista dos valores íntimos, ensina:

[...] Muitos ficam na expectativa do socorro do Alto, mas não querem nada com o esforço de renovação; querem que os Espíritos se intrometam na sua vida e resolvam os seus problemas... Ora, nem Jesus, quando veio à Terra, se propôs resolver o problema particular de alguém... Ele se limitou a nos ensinar o caminho, que necessitamos palmilhar por nós mes mos. Muita gente nos procura e pede orientação a orientação; vem, frustrando aqueles que esperavam uma solução acaba da para o seu caso... As vezes, o problema é de perdão, é de ódio. Os Espíritos Amigos nos aconselham o entendimento, o olvido das ofensas recebidas... Se não queremos esquecer, que é que eles poderão fazer?!...

Os que se conscientizam dos ensinamentos de Jesus e os praticam são comparados a um homem prudente que edificou a sua casa sobre a rocha; e os que não os praticam serão comparados a um homem insensato que edificou a sua casa sobre a areia. (Mateus, 7:24-27). Aqueles que se alinham com o Eu, dentro de si mesmos, são semelhantes aos que construíram casa sobre rocha e já são capazes de encarar o problema como um jugo suave e o domínio é agradável, encontrando o repouso para suas almas. Encontrar o repouso, em linguagem atual é entrar no estado de paz que o mundo não pode dar. Assim, o que Jesus ensina, na visão gnóstica, não é domínio ou opressão em que a criatura age por um dever, mas, sim, a descoberta por si mesma, um querer espontâneo, fruto da maturidade ao longo dos tempos. O ego humano tem sempre essa 'paz do mundo* ligada tão-só aos desejos do ter, sem qualquer afinidade com o ser. Quando Jesus afirma que está no Pai e o Pai está nele. está em estado de plenitude com o Todo, simbolizando a casa construída sobre rocha.

Então, jugo e domínio subentendem um dever, pelo qual o homem deve se submeter a alguém relativamente superior. Aceita-se a sujeição por um comando externo, renunciándo-se ao seu querer, que se identifica com a perda da liberdade. Ora, perder a sagrada liberdade de escolha, certa ou errada, é estacionar no tempo, cerceando o direito de desenvolver os potenciais. O aprender é um ato pessoal não impositivo, que traz ao aprendiz felicidade ao vislumbrar novos horizontes. "E como pode alguém ser feliz e achar repouso, enquanto deve algo a alguém e não goza de liberdade própria? Não implica esse fato uma contradição? O dever, o jugo, a servidão, não destroem a liberdade do homem? E como pode ser feliz quem não é livre?". No entanto, Jesus diz, "Vinde a mim", dando a entender: Eu tenho a chave para que esse jugo seja suave e esse domínio seja agradável.

Só conseguiremos aplicar essa proposição de Jesus pelo autoconhecimento, no encontro com o nosso Cristo interno. Quando o homem, no seu tempo próprio, desperta de que há algo maior do que os atrativos do mundo, conscientiza-se do poder divino dentro de si. Na limpeza interior de seus canais, a Energia flui, e o ser transforma o externo tu deves obrigatório, em um íntimo querer espontâneo. E neste momento que o jugo deixa de ser imposto e torna-se suave e o domínio coercitivo torna-se agradável. E aí haverá repouso, ou seja, paz interior, manifestado por ato de prazer. Lembremo-nos de que nós também, assim como Jesus, podemos dizer Eu e o Pai somos um. Não se trata de jogo de palavras, mas de um processo de conquista, ensinado pelo Mestre, tudo que eu faço vós também podeis fazer e muito mais.

José L.Boberg

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