segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Não vim trazer a paz, mas a divisão



“Não penseis que vim trazer a paz à Terra, não vim trazer a paz, mas a espada; porque vim separar o homem de seu pai, a filha de sua mãe e a nora da sogra; e o homem terá por inimigos aqueles da sua casa”. (Mateus, X: 34 a 36.)

“Eu vim para lançar o fogo na Terra; e que quero eu, senão que ele se acenda? Devo ser batizado num batismo; e quanto me sinto desejoso de que isso aconteça! Julgais que vim trazer paz à Terra? Não, eu vos asseguro, mas a separação; porque de hoje em diante, se houver cinco pessoas em uma casa, elas estarão divididas umas contra as outras; três contra duas e duas contra três. O pai contra o filho e o filho contra o pai; a mãe contra a filha e a filha contra a mãe; a sogra contra a nora e a nora contra a sogra”. (Lucas, XII: 49 a 53.)

Será que foi mesmo Jesus, a personificação da doçura e da bondade, Ele que não cessava de pregar o amor ao próximo quem disse: “Não vim trazer a paz, mas a espada; vim separar o filho do pai, a esposa do esposo; vim lançar o fogo na Terra e quero que ele se acenda?” Essas palavras não estão em contradição flagrante com o seu ensinamento? Não é uma blasfêmia atribuir-lhe a linguagem de um conquistador sanguinário e devastador?

Não, não há blasfêmia nem contradição nessas palavras porque foi ele mesmo quem as pronunciou, e elas testemunham a sua elevada sabedoria. Somente a forma, um tanto equivocada, não traduz exatamente o seu pensamento, o que fez com que se desprezasse o seu verdadeiro sentido; interpretadas literalmente, elas tendem a transformar sua missão, inteiramente pacífica, em missão de perturbações e de discórdias, conseqüência absurda que o bom senso não aceita, visto que Jesus não podia contradizer-se.

Toda idéia nova forçosamente recebe oposição, não existe uma única que se tenha estabelecido sem lutas. Nesses casos, a resistência contrária à idéia é sempre proporcional à importância dos resultados previstos, porque quanto maior ele for, mais interesses contraria. Se essa idéia for notoriamente falsa, se for considerada sem conseqüências, ninguém se preocupa com ela, e deixam-na passar, sabendo que não tem vitalidade.

Mas se é verdadeira, se está assentada em bases sólidas, se para ela pode-se entrever um futuro, um secreto pressentimento adverte seus antagonistas de que tal idéia representa um perigo para eles e para a ordem das coisas em cuja realização estão interessados; eis por que se lançam contra ela e contra seus partidários.

A importância e os resultados de uma idéia nova são medidas pela emoção que ela causa ao aparecer, pela violência da oposição que provoca, e pelo grau e persistência da cólera dos seus adversários.

Como Jesus vinha proclamar uma doutrina que derrubaria, pela base, os abusos em que viviam os fariseus, os escribas e os sacerdotes do seu tempo, fizeram com que ele morresse, por acreditarem que, ao matarem o homem, matavam a idéia; mas ela sobreviveu, porque era verdadeira; e cresceu, porque estava nos desígnios de Deus.

Nascida em uma pequena e obscura povoação da Judéia, foi hastear sua bandeira na própria capital do mundo pagão, diante de seus inimigos mais sanguinários, daqueles que tinham o maior interesse em combatê-la, porque ela aniquilava crenças seculares às quais muitos se apegavam mais por interesse que por convicção.

Lutas das mais terríveis ali esperavam seus apóstolos; as vítimas foram inumeráveis, mas a idéia cresceu sempre e saiu triunfante, porque, como verdade, superava as idéias que a precederam.

Deve-se observar que o Cristianismo chegou quando o Paganismo estava declinando e se debatia contra as luzes da razão. Ainda era praticado por simples respeito aos costumes, mas a crença havia desaparecido, só o interesse pessoal o sustentava.

Ora, o interesse é persistente, e nunca cede à evidência; e quanto mais claros e objetivos são os raciocínios que a ele se opõem, demonstrando de forma incisiva o seu erro, mais ele se estimula. Ele bem sabe que está errado, mas isso pouco lhe importa, porque a verdadeira fé não existe em sua alma, o que ele mais receia é a luz que abre os olhos dos cegos. O erro lhe é proveitoso, e por isso a ele se apega, e o defende.

Sócrates também não havia formulado uma doutrina, até certo ponto, análoga a do Cristo? Por que, então, ela não prevaleceu, naquela época, no espírito de um dos povos mais inteligentes da Terra? É que ainda não havia chegado o tempo certo. Sócrates semeou em solo não preparado; o Paganismo ainda estava em pleno vigor.

Cristo recebeu sua missão providencial na época certa. A totalidade dos homens do seu tempo não estava à altura das idéias cristãs, mas havia uma aptidão mais geral para assimilá-las, porque já se começava a sentir o vazio que as crenças vulgares deixavam na alma. Sócrates e Platão abriram o caminho e prepararam os espíritos.

Infelizmente, os adeptos da nova doutrina não se entenderam quanto à interpretação das palavras do Mestre, a maior parte delas não era muito clara por terem sido apresentadas em formas alegóricas e em expressões figuradas. Daí o surgimento, desde o início, de numerosas seitas que pretendiam ter, todas elas sem exceção, a posse exclusiva da verdade, e que o decorrer de dezoito séculos não conseguiu fazer com que entrassem em acordo.

Esquecendo o mais importante dos preceitos divinos, aquele do qual Jesus havia feito a pedra angular do seu edifício e a condição expressa da salvação: a caridade, a fraternidade e o amor ao próximo, essas seitas se reprovavam mutuamente e atacavam umas às outras, as mais fortes esmagando as mais fracas, sufocando-as em sangue, nas torturas e na chama das fogueiras.

Os cristãos, vencedores do Paganismo, de perseguidos passaram a perseguidores, e foi a ferro e fogo que plantaram a cruz do cordeiro sem mácula nos dois mundos. Está comprovado que as guerras de religião foram as mais cruéis, fizeram mais vítimas que as guerras políticas, e que, em nenhum outro tipo de guerra, se cometeram mais atos de atrocidade e de barbárie.

A culpa seria da doutrina do Cristo? Certamente que não porque ela condena formalmente toda violência. Alguma vez Jesus disse aos seus discípulos: Ide, matai, massacrai, queimai aqueles que não crêem como vós? Não, Ele disse justamente o contrário: Todos os homens são irmãos, e Deus é soberanamente misericordioso; amai vosso próximo; amai vossos inimigos; fazei o bem àqueles que vos perseguem.

E Jesus lhes disse ainda: “Quem matar pela espada, morrerá pela espada”. A responsabilidade não é, portanto, da doutrina de Jesus, mas daqueles que a interpretaram falsamente, e que fizeram dela um instrumento para servir às suas paixões; daqueles que desconheceram estas palavras: “Meu reino não é deste mundo”.

Em sua profunda sabedoria, Jesus previu o que devia acontecer; mas essas coisas eram inevitáveis, porque faziam parte da inferioridade da natureza humana, que não podia transformar-se de repente. Era preciso que o Cristianismo passasse por essa longa e cruel prova de dezoito séculos para mostrar todo o seu poder.

Apesar, porém, de todo o mal cometido em seu nome, ele saiu puro dessa prova; jamais foi colocado em questão; a censura sempre caiu sobre aqueles que abusaram dela; a cada ato de intolerância, sempre se afirmou: se o Cristianismo fosse melhor compreendido e melhor praticado, isso não teria acontecido.

Quando Jesus disse: Não penseis que vim trazer a paz, mas a divisão, seu pensamento era este: Não acrediteis que minha doutrina se estabeleça pacificamente. Ela trará lutas sangrentas, para as quais o meu nome será o pretexto, porque os homens não terão desejado compreender-me. Os irmãos, separados por sua crença, lançarão a espada um contra o outro, e a divisão reinará entre os membros de uma mesma família, que não tiverem a mesma fé.

Vim lançar o fogo sobre a Terra, para limpá-la dos erros e dos preconceitos, assim como se põe fogo em um campo, para destruir as ervas daninhas, e tenho pressa que ele se acenda, para que a depuração seja mais rápida, porque desse conflito a verdade sairá triunfante.

A paz irá suceder à guerra; a fraternidade universal, ao ódio dos partidos; a luz da fé esclarecida, às trevas do fanatismo. Então, quando o campo estiver preparado, eu vos enviarei o Consolador, o Espírito de Verdade, que irá restabelecer todas as coisas, ou seja, fazer conhecer o verdadeiro sentido das minhas palavras, que os homens mais esclarecidos poderão compreender, e que dará fim à luta fratricida que separa os filhos de um mesmo Deus.

Finalmente, cansados de um combate sem solução, que como conseqüência só traz a desolação, levando o distúrbio até no seio das famílias, os homens reconhecerão onde estão os seus verdadeiros interesses para este mundo e para o outro.

Verão de que lado estão os amigos e os inimigos da sua paz. Todos então virão abrigar-se sob a mesma bandeira: a da caridade, e as coisas serão restabelecidas sobre a Terra, de acordo com a verdade e os princípios que eu vos ensinei.

O Espiritismo vem realizar, no tempo previsto, as promessas do Cristo; entretanto, não pode fazê-lo sem destruir os abusos. Como Jesus, ele se depara com o orgulho, o egoísmo, a ambição, a cupidez, o fanatismo cego, que, encurralados em suas últimas trincheiras, tentam barrar-lhe o caminho, provocando embaraços e perseguições; eis por que ele também tem que lutar.

Mas o tempo das lutas e das perseguições sangrentas passou, as que ele terá que sofrer são todas de ordem moral, e o fim de todas elas se aproxima. As primeiras, as que o Cristianismo enfrentou, duraram séculos; estas durarão apenas alguns anos, porque a luz, em vez de partir de um só foco, brotará de todos os pontos da Terra, e abrirá mais cedo os olhos dos cegos.

Essas palavras de Jesus devem, portanto, ser entendidas como referentes à cólera que, Ele previa, a sua doutrina iria provocar; aos conflitos momentâneos, que surgiriam como conseqüência; às lutas que ela teria que sustentar antes de se estabelecer, como aconteceu aos hebreus, antes da sua entrada na Terra Prometida, e não como um desejo premeditado, de sua parte, de semear a desordem e a confusão. O mal deveria vir dos homens e não de Jesus. Ele era como o médico que vem curar, mas cujos remédios provocam uma crise salutar, removendo os males do doente.

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