segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A Mulher Penitente (7:36-50) - Broadman

36 Um dos fariseus convidou-o para co­mer com ele; e, entrando em casa do fari­seu, reclinou-se à. mesa. 8'7 E eis que uma. mulher pecadora, que havia na cidade, quando soube que ele estava à. mesa, em casa do fariseu, trouxe um vaso de alabas­tro com bálsamo; 38 e, estando por detrás, aos seus pés, chorando, começou a regar­lhe os pés com lágrimas e os enxugava com os cabelos da sua cabeça; e beijava.lhe os pés e ungia-os com o bálsamo. 39 Mas, ao ver isso, o fariseu que o convidara falava consigo, dizendo: Se este homem fosse pro­feta, saberia quem e de que qualidade é essa mulher que o toca, pois é uma. pecadora. 40 E, respondendo Jesus, disse.lhe: Simão, tenho uma coisa a dizer.te. Respondeu ele: Dize-a, Mestre. 41 Certo credor tinha dois devedores; um lhe devia quinhentos dená­rios, e outro cinqüenta. 42 Não tendo eles com que pagar, perdoou a ambos. Qual deles, pois, o amará mais'! 43 Respondeu Simão: Suponho que é aquele a quem mais perdoou. Replicou-lhe Jesus: Julgaste bem. 44 E, voltando-se para a mulher, disse a Simão: Vês tu esta mulher'! Entrei em tua casa, e não me deste água para os pés; mas esta com suas lágrimas os regou e com seus cabelos os enxugou. 45 Não me deste ósculo; ela, porém, desde que entrei, não tem ces­sado de beijar-me os pés. 46 Não me ungiste a cabeça com óleo; mas esta com bálsamo ungiu-me os pés. 4'7 Por isso te digo: Per­doados lhes são os pecados, que são muitos; porque ela muito amou; mas aquele a quem pouco se perdoa, pouco ama. 48 E disse a ela: Perdoados são os teus pecados. 49 Mas os que estavam com ele à. mesa começaram a dizer entre si: Quem é este que até perdoa . pecados'! 50 Jesus, porém, disse à. mulher: A tua fé te salvou; vai te em paz.

Jesus é apresentado no tipo de situação que servia como base para as criticas distorcidas, mencionadas no episódio precedente (v. 34). As narrativas do Evangelho deixam a impressão de que ele era um conviva procurado e bem-vindo em em ocasiões festivas. Ele também não era excluído das casas dos fariseus, o que indica que, pelo menos durante uma parte do seu ministério, a hostilidade farisaica contra ele não era total. Para este vislumbre da relação de Jesus com alguns dos fariseus, somos devedores a  Lucas, que fala de duas outras ocasiões em que Jesus comeu com eles (11:37; 14:1). Embora ele se identificasse pri­mordialmente com pessoas dos níveis mais baixos da sociedade, nenhuma pes­soa ou lar estava fora dos limites para ele. Falando que ele reclinou-se à mesa deve-se ter em mente que as pessoas ficavam semideitadas ao redor da mesa, sobre almofadas, enquanto comiam.
Em tais ocasiões, a hospitalidade do Oriente Médio requeria que ninguém fosse barrado à porta. Era comum entra­rem pessoas das ruas, e permanecerem por ali, observando as festividades. A mulher que entrou é chamada de peca­dora, palavra que tem a conotação gené­rica de impureza ritual (veja 5:30). Não obstante, essa mulher de muitos pecados (v. 47) provavelmente era prostituta. O uso absoluto da expressão "mulher pecadora" ocorre neste sentido na lite­ratura rabínica (Strack-Billerbeck, 11, 162).
A cena que se segue é das mais pun­gentes e belas do Novo Testamento. Cada gesto dessa mulher, indica grande humil­dade e senso de indignidade na presença de uma Pessoa que é genuinamente boa. No entanto, percebemos também que tinha ela inteira confiança em que essa pessoa boa não tivesse a atitude que tinha o fariseu. Pelo fato de seus pés se terem estendido, enquanto ele se recli­nava à mesa, a mulher pôde se aproxi­mar de Jesus discretamente, para ungir os seus pés com o bálsamo que trouxera para esse fim. Antes de poder se desin­cumbir de sua missão, todavia, ela fica tão emocionada que chora sobre os pés de Jesus, e, não tendo outro recurso, enxuga-os com os seus cabelos.[1] Beijar os pés de uma pessoa era sinal de pro­fundo respeito. E, indubitavelmente, de humildade da parte de quem beijava.
O fariseu se apressa a tirar certas conclusões que traem as suas pressupo­sições. Visto que um homem bom como Jesus certamente não iria permitir que uma mulher daquele tipo o tocasse, ele não devia estar sabendo que espécie de pessoa era ela. Conseqüentemente, ele não podia ser um profeta, pois um ho­mem com os dons de um profeta discerniria o caráter dela.
Jesus demonstrou que possuía dons proféticos, discernindo os próprios pen­samentos indignos do fariseu. Agora ficamos sabendo que o nome do hospe­deiro era Simão (cf. Mar. 14:3). A Pará­bola do Credor Incompassivo serve para ilustrar, simultaneamente, a relação do homem para com Deus e para com ou­tros homens (cf. Mat. 18:23 e ss.). Dian­te de Deus, ele é um devedor desespe­rado. Que diferença faz se a dívida é de quinhentos denários ou cinqüenta, se a pessoa não pode pagar? Com relação aos outros, o homem é um co-devedor, cujas pretensões de superioridade moral e re­ligiosa são completamente irrelevantes. Quinhentos denários representam os pecados da mulher; cinqüenta, os peca­dos de Simão. Mas este é o quadro visto do lado do homem, e não de Deus. Todos estão desesperadamente endividados, mas alguns se enganam, tentando crer que o seu pecado não é tão grande, em comparação com o dos outros. Essa parábola também ensina que Deus não é como os homens, exigindo asperamente o contrapeso de cada um em relação aos pecados cometidos. Ele perdoa livre­mente os pecados dos homens.
Esta parábola é a base para uma com­paração humilhante entre o homem justo e a prostituta. Em Lucas, as pessoas que se orgulham de sua piedade e que não têm senso das suas necessidades pessoais são colocadas frente a frente com as pessoas que desprezam, a fim de drama­tizar o perigo do orgulho moral (cf. 18:10 e ss.; 21:1 e ss.). A atitude de Simão para com Jesus é verificada quando ele deixa de lhe oferecer as comodidades sociais aceitas na época: água para lavar a poeira dos seus pés, o beijo de sauda­ção, e o óleo para ungir a cabeça, como gesto de honra.
Jesus se volta para a mulher, trazendo­a, com este gesto, para o círculo. Vês tu "- esta mulher? Não! Simão não a tinha visto! Ele a havia classificado e despre­zado, como alguém que estivesse em posição muito baixa para ser notada. Ele a havia despersonalizado, pensando nela como sendo apenas igual a todas as outras mulheres de sua laia. Mas em todos os aspectos demonstra-se que essa mulher é superior a Simão. Ela tem uma capacidade muito maior de amor e gra­tidão, baseados, como Jesus ensina, na sua capacidade para receber.
Desde que entrei dá a entender que a mulher havia seguido Jesus quando en­trara na casa. A luz do diálogo seguinte, é provável que o fato de ela ter sido perdoada por Jesus precedesse a cena descrita aqui. O seu ato, assim, fora uma expressão de gratidão pela aceitação e amor que ela já havia encontrado.
Os versículos 47 e 48 parecem estar em pendência com a parábola dos versículos 41 e 42. Na parábola, amor é a.reação ao perdão, enquanto a interpretação natu­ral dos versículos 47 e 48 é de que o perdão é uma reação ao amor. A dificul­dade é removida se traduzirmos: "O grande amor que ela demonstrou prova que os seus muitos pecados foram per­doados" (v. 47a, The English Version). Esta tradução coloca a primeira parte do versículo em harmonia com o versículo 47b (omitida por D) e a narrativa prece­dente. A declaração pública de Jesus, de que perdoados são os pecados dessa mulher, provoca uma reação hostil (veja ) 5:20 e ss.).
A fé da mulher era a sua crença de que a palavra de perdão pronunciada por Jesus era nada menos do que a palavra de Deus. Na verdade, a fé não salva uma  pessoa. pois o homem é salvo apenas pela graça de Deus. Mas a fé é a receptivi­dade essencial para a atividade redentora de Deus. A mulher é declarada como possuidora da paz messiânica, uma palavra que é praticamente equivalente à salvação. Agora não existe tensão entre ela, a pecadora, e Deus. Por que ela sabe que é aceita e perdoada por Deus, pode perdoar a si mesma e levantar a cabeça diante dos outros. O milagre de Jesus tê-la aceito é claramente visto. Sob a influência dessa aceitação divina, as prostitutas descobrem o seu valor pes­soal, como filhas do Deus vivo.


[1] Esta história tem afinidades com duas outras, nos Evangelhos {Mar. 14:3 e 55.; João 12:1 e 55.). A omissão de Lucas a respeito da história que Marcos conta, em sua narrativa da paixão, deve ser devida à sua seme­lhança à narrativa feita aqui. Creed acha que o notável paralelo entre João 12:3 e Lucas 7:38 é explicado por estar João dependendo de Lucas (p. 110). Não obstan­te, toda a questão do relacionamento literário entre João e Lucas é enigmática, e para ela nenhuma solu­ção satisfatória foi dada até agora

Um comentário:

  1. Este paralelo da paz com a salvação é uma idéia que aproxima do pensamento espírita; salvação como libertação interior dos conflitos entre nós e Deus.

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