segunda-feira, 25 de outubro de 2010

6. A pecadora agradecida no banquete na casa do fariseu Simão Lc7.36-50 (material exclusivo)

Rienecker, Fritz. Evangelho de Lucas – Comentário Esperança. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 2005, p. 41-44
  
       Novamente começa a desenrolar-se um episódio acerca do "ano da graça do Senhor" (cf. Lc 4.19) já iniciado. Lucas informa acerca dessa nova etapa.
      Em seu "material exclusivo" ele oferece uma das narrativas mais comovente dos evangelhos. Grata, uma pecadora conhecida na cidade unge os pés do Senhor. Por delicadeza, o evangelista omite o nome da mal-afamada. Esse silêncio fez com que na igreja antiga se desenvolvesse uma interpretação extremamente confusa. Na revisão harmonista da história da unção nos evangelhos, a pecadora aqui mencionada foi identificada com Maria Madalena e até mesmo com Maria de Betânia, a irmã de Lázaro. A presente história do material exclusivo de Lucas possui inegáveis pontos de contato com a história da unção relatada em Mateus (Mt 26.6-13), Marcos (Mc 14.3-9) e João (Jo 12.3-8).
      As semelhanças dos quatro relatos também geraram na igreja antiga lendas da mais ousada espécie. No entanto, não se trata de quatro, mas de duas histórias diferentes. Aquilo que Mateus, Marcos e João relatam é uma história que deve ser rigorosamente separada daquela que Lucas apresenta. Época e lugar são totalmente distintos nessas duas narrativas. A unção relatada pelos evangelistas, exceto por Lucas, refere-se à morte de Jesus. O que o presente evangelista informa ocorreu muito antes. Aquilo que é exposto no presente texto aconteceu em uma cidade da Galiléia. A outra unção foi dada ao Senhor em uma aldeia nas cercanias de Jerusalém. Em favor da diversidade de duas histórias de unção depõem os nomes dos anfitriões, Simão, o fariseu, e Si­mão, o leproso (cf. Comentário Esperança, Mateus, sobre Mt 26.6-13).
     Jesus, que de forma terrível é chamado de glutão e beberrão de vinho (v. 34), aceita o convite do fariseu (Lc 7.36; 11.37; 14.1) e do coletor de impostos (Lc: 5.29) para banquetes festivos. Tem um afeto especial por publicanos e pecadores, motivo de irritação para os fariseus (Lc 5.30; 7.34; 15.ls; 19.1-10). Segundo o juízo do Senhor, os fariseus se encontravam sob uma luz mais desfavorável (L: 7.29-35; 18.9-14), ao contrário daqueles desprezados. Os v. 29s de Lc 7 escanca­ram o profundo contraste entre os fariseus e João Batista. Dizem eles: "Todo o povo que o ouviu e até os publicanos deram razão a Deus e se deixaram batizar com o batismo de João. Mas os fariseus e os intérpretes da lei rejeitaram, quanto a si mesmos, o desígnio de Deus, de modo que não se deixaram batizar por ele!­- Como soam arrasadoras essas palavras do Senhor! Quanto poder possui, pois, o ser humano mortal, pecador e impotente! Ele é capaz de rejeitar o eterno desíg­nio salvador de Deus todo-poderoso e todo-misericordioso. Para "rejeitar", o grego usa athetéo, i. é, eliminar, tornar ineficaz.
      Na história subseqüente Lucas fala de modo dramático de uma pecadora que caíra em profundo pecado e que chegara para aceitar o desígnio salvador de Deus. Esse contraste existente entre os fariseus e mestres da lei, que rejei­taram o desígnio salvador de Deus, e os rejeitados, que agarraram a salvação de Deus com ansioso desejo, expressa-se nitidamente na presente narrativa. Ao contrário do povo, o fariseu anfitrião não o reconhecia como profeta, mas tão somente como mestre de autoridade questionável (v. 39s). Para a pecado­ra, porém, Jesus era muito mais que um profeta, a saber, o Cristo, o Salvador da culpa e do pecado. Tudo isso revela um contexto próprio com aquilo que foi narrado nos v. 24-35.

a) O escândalo na casa do fariseu Simão - Lc 7.36-38
                                                                                                           
36 - Convidou-o um dos fariseus para que fosse jantar com ele. Jesus, entrando na casa do fariseu, tomou lugar à mesa.
37 - E eis que uma mulher da cidade, pecadora, sabendo que ele estava à mesa na casa do fariseu, levou um vaso de alabastro com ungüento
38 - e, estando por detrás, aos seus pés, chorando, regava-os com suas lágrimas e os enxugava com os próprios cabelos; e beijava-lhe os pés e os ungia com o ungüento.

            Jesus era hóspede de um fariseu de nome Simão. Ainda não havia aconte­cido a ruptura definitiva entre o Senhor e os fariseus. Por isso membros do partido dos fariseus podiam convidar Jesus à mesa sem dificuldades. Lucas traz vários relatos de que Jesus era convidado por fariseus (Lc 11.37; 14.1). No entanto, é possível concluir da presente história que Simão recepcionou seu hóspede não com muita cordialidade e amizade, mas mais com reserva crítica (v. 45s). Em suas respostas a Jesus percebe-se o tom de uma ma poli­dez (v. 40,43). De acordo com sua própria observação, ele oscila entre o impacto da nobreza de Jesus e a contrariedade manifestada por seu partido contra ele (v. 39). Simão, portanto, estava em atitude de espera (v. 40).
             Verifiquemos agora a história tão belamente narrada por Lucas segundo as diversas fases tão vivamente ilustradas.
             As casas dos judeus ricos tinham colunatas para o lado do pátio interior. Conforme o costume oriental, também estranhos podiam observar o lauto e sole­ne banquete a partir do pátio. Vemos dispostas sobre as mesas as comidas e frutas. Diante das mesas estão colocadas almofadas altas e macias, sobre as quais repou­sarão os convivas. Durante o banquete eles se apoiarão sobre o braço esquerdo. Os pés desnudos, livres das sandálias, ficarão esticados para trás.
      Já se aproximam os hóspedes. De acordo com o colorido costume oriental, deve-se concluir que eles são escribas e membros famosos do Conselho. O senhor da casa vai ao encontro de cada um deles, cumprimentando-o com a saudação: "paz seja contigo", e beijando-o com o ósculo da paz. Esse beijo sobre a face afiança-lhes que são bem-vindos e que gozam de amor e amizade. Depois chegam os servos com água fresca e lavam os pés dos hóspedes, sujos do pó da estrada, refrescando assim os membros cansados. É verdade que em casa eles já tomavam um banho completo e usavam bálsamos perfumados antes de cada banquete desses. Por isso, uma vez que se andava descalço ou de sandálias, agora, ao entrar na casa do anfitrião, era necessário lavar apenas os pés, porque o pó da estrada na verdade sujara tão-somente os pés. Vemos com que rigor os fariseus se submetiam às prescrições de purificação. Para eles, impureza signi­ficava transgredir a lei. Depois de lavados os pés, o anfitrião ainda oferecia óleo aromático (perfume) para arrumar os cabelos e para ungir a cabeça e as mãos (que os hóspedes igualmente haviam lavado).
      Uma vez que o Senhor não tinha nenhum interesse em dar motivo aos fariseus para que o acusassem de rejeição, ele aceitou gratamente o convite. Ele não queria perder nenhuma oportunidade de pregar-lhes o arrependimen­to, para que, caso se curvassem, pudesse conquistar suas almas. Tentava che­gar neles de diversas maneiras, com rigor e com bondade, com dureza e com amabilidade. Não é verdade que apenas os criticava, mostrou-lhes também todo o seu amor. ''Veio João Batista, não comendo pão, nem bebendo vinho, e dizeis: Tem demônio! Veio o Filho do Homem, comendo e bebendo, e dizeis: Eis aí um glutão e bebedor de vinho, amigo de publicanos e pecadores!" – Os fariseus condenavam a si mesmos com essas palavras que haviam dito sobre Jesus. Era também conviva deles, aceitava também convites deles para a ceia, embora na verdade fossem seus inimigos pessoais. Já haviam considerado a idéia de matá-lo, Lc 6.11) se não se igualasse aos publicanos ávidos de salva­ção. Apesar da hostilidade deles, o Senhor não tem medo, mas mostra a eles e também a nós o que significa amor ao inimigo.
      O banquete está em pleno andamento. Subitamente entra uma hóspede não-convidada, v. 37s: E eis, uma mulher que na cidade havia sido uma peca­dora e descobrira que Jesus era hóspede na casa do fariseu, trouxe um peque­no vaso de alabastro cheio de óleo de ungüento; e enquanto, chorando, se aproximava de trás a seus pés, ela começou a molhar seus pés com lágrimas, a secá-los com os cabelos de sua cabeça, a beijar seus pés e a ungi-los com ungüento.
      A palavra: "E eis" indica extraordinária manifestação de admiração por esse súbito incidente. A pessoa que entrou era uma pecadora que vivera em grandes transgressões. Para explicar o inusitado de sua manifestação em hon­ra a Jesus, temos de supor que ela já tenha visto e ouvido o Senhor anterior­mente e que ele já lhe concedera um grande beneficio. Os v. 42 e 47 mostram que grande beneficio foi esse: "O perdão de todos os seus pecados." "Foram­lhe perdoados muitos pecados." Independentemente de que isso tenha ocorrido ao ouvir uma pregação, em um diálogo especial ou através de um desses olhares de Jesus que incidiam como um raio do céu nos corações quebranta­dos... ela havia recebido dele a grande mensagem do perdão de todos os seus pecados, e o perfumoso ungüento que ela trazia consigo foi a resposta de sua grande e profunda gratidão pelo inestimável beneficio. - Não vinha de mãos vazias. Como judia ela sabia o que havia sido ordenado a seu povo pelo Se­nhor: "Não compareçais de mãos vazias diante de mim, sem oferta ou sacrifi­cio!" [Êx 23.15; 34.20; Dt 16.16].
      Como o costume dos servos, que ficavam atrás de seus senhores à mesa, para atendê-los de pé, prontos para instantaneamente cumprir ordens de seus senhores, assim ela também se aproximou por trás, a fim de servi-lo e presti­giá-lo. Visto que, como já foi dito, as pessoas estavam deitadas à mesa sobre um divã e estendiam os pés descalços para trás, a mulher conseguiu alcançar Jesus sem dificuldade e perfumar seus pés. Contudo, no momento em que ela começa a lhe prestar essa hora, ela desaba em prantos ao se recordar de suas transgressões. Suas lágrimas escorrem sobre os pés do Redentor e, por não possuir toalha para enxugá-Ias, ela transforma em toalha seu cabelo rapida­mente desprendido. A fim de dar o devido valor a esse gesto, precisamos recordar que entre os judeus uma das maiores humilhações era aparecer em público com o cabelo solto.
      Nenhuma palavra sequer saiu de seus lábios. Para que, afinal, era necessá­rio que a língua falasse? Pois seus olhos e suas mãos falavam com tanta clare­za! Todo o seu agir e proceder foi pura eloqüência. É melhor que as obras falem e a língua silencie do que a língua falar e as obras silenciarem. Essa mulher estava calada, mas o coração era interiormente movido com intensida­de, gritando por amor, adoração e gratidão a Deus. - O choro continha sua oração. - A lavagem dos pés, seu serviço, o mais humilde e modesto. – A secagem dos pés, seu amor. - O beijo nos pés, sua submissão. Era assim que os súditos beijavam sua autoridade. Samuel beijou a Davi depois de tê-lo ungido rei, para mostrar que ele o havia reconhecido como seu Senhor. Era assim que os persas beijavam seus reis, os romanos seus imperadores. Era assim que também os filhos beijavam os pais, Jacó a Isaque, José a Jacó, Tobias a seu pai, o aluno a seu mestre. - A unção representava sua oferta de gratidão. Era um perfume precioso, pelo qual ela talvez tivesse entregue toda a sua fortuna. Os ungüentos e perfumes eram embalados em garrafas de ala­bastro, seladas na boca e abertas pela quebra do gargalo.

Lc 7.39
39 - Ao ver isto, o fariseu que o convidara disse consigo mesmo: Se este fora (o) profeta, bem saberia quem e qual é a mulher que lhe tocou, porque é pecadora.

O fariseu não ouviu nem sequer uma palavrinha da mulher. Porém viu e ouviu muito, muito choro e lágrimas. Não obstante, seus pensamentos estão cheios de desamor contra Jesus e a mulher!
Segundo a concepção judaica, o fariseu pensava que como profeta o Se­nhor deveria saber todas as coisas ocultas, motivo pelo qual reagiria com horror ao contato com a mulher impura. Embora Jesus não precisasse da informação humana acerca dessa mulher, ele sabia com precisão quem essa mulher havia sido e como sua ação atual apenas significava a expressão de sua profunda gratidão para com o Salvador de sua vida, devendo ser reconhecida e aceita como prova do amor.
A alta consideração de Jesus para com os gestos da pecadora como sinal do amor agradecido, é demonstrada ao fariseu por meio da parábola dos dois credores incapazes de saldar os débitos.

b) A parábola dos dois devedores - Lc 7.40-43

40 - Dirigiu-se Jesus ao fariseu e lhe disse: Simão, uma coisa tenho a dizer-te. Ele respondeu: Dize-a, Mestre.
41- Certo credor tinha dois devedores: um lhe devia quinhentos denári­os, e o outro, cinqüenta.
42 - Não tendo nenhum dos dois com que pagar, perdoou-lhes a ambos. Qual deles, portanto, o amará mais?
43 - Respondeu-lhe Simão: Suponho que aquele a quem mais perdoou. Replicou-lhe: Julgaste bem.

      A parábola relatada por Jesus fornece uma bela demonstração do dom profético de Jesus. As palavras de Jesus assinalam o que acontecia no coração da pecadora e também o que representam os pensamentos e as perguntas de Simão.
      Jesus mostra na parábola a grande remissão de culpa e o grande amor, a pequena remissão de culpa e o pequeno amor. Somente os pobres são capazes de aquilatar o que significa a graça de Deus. O fariseu não entende que, apesar de sua culpa, essa mulher está mais perto de Deus do que ele. Conse­qüentemente, o Senhor defende a honra da pecadora agraciada com essa opor­tuna parábola. Precisamos admirar a inteligência com que Jesus leva o acusa­dor a testemunhar contra si mesmo, mas igualmente a delicadeza de não fazer uma reprimenda mais severa perante o anfitrião. Na ilustração do grande e do pequeno devedor vislumbramos Simão e a pecadora. O amor transbordante da pecadora constitui a prova de uma grande remissão de culpa. O pouco amor de Simão é comprovação de seu pecado que ainda não foi perdoado, um aspecto que Jesus no entanto não declara abertamente, mas remete ao julga­mento do próprio fariseu.

c) Aplicação da parábola - Lc 7.44-47

44 - E, voltando-se para a mulher, disse a Simão: Vês esta mulher? Entrei em tua casa, e não me deste água para os pés; esta, porém, regou os meus pés com lágrimas e os enxugou com os seus cabelos.
45 - Não me deste ósculo; ela, entretanto, desde que entrei não cessa de me beijar os pés.
46 - Não me ungiste a cabeça com óleo, mas esta, com bálsamo, ungiu os meus pés.
47 - Por isso, te digo: perdoados lhe são os seus muitos pecados, porque ela muito amou; mas aquele a quem pouco se perdoa, pouco ama.

            Simão, que na ma recepção não concedeu ao Senhor, seu convidado, nem água para lavar os pés nem beijo de boas-vindas nem óleo perfumado para a cabeça, como era costume e regra de boa educação segundo as normas orien­tais, é remetido expressamente à pecadora agraciada. A pergunta: "Simão, vês esta mulher?" permite depreender que o fariseu nem a considerou digna de um olhar. A agraciada molhava os pés do Senhor com suas lágrimas, secava os pés de seu Salvador.
      A razão da gratidão da grande pecadora é formulada por meio das pala­vras: "Por isso te digo, perdoados lhe são os seus muitos pecados, porque ela muito amou."
      Essas palavras do Senhor sofreram toda sorte de interpretação. É possível interpretar a parábola equivocadamente em dois sentidos.
      O primeiro mal-entendido consiste no seguinte: afirma-se que a pecadora teria alcançado o perdão dos pecados pelo fato de que fez muito, ou seja, molhou (com lágrimas), enxugou, beijou e ungiu os pés - tudo isso é arrolado e elogiado por Jesus. Seus muitos pecados somente lhe teriam sido perdoados porque "muito amou", segundo as palavras do texto.
      Esse equívoco, porém, contradiz o conteúdo da parábola dos dois devedo­res incapazes de quitar o débito. Com base na parábola, não são as muitas ações, mas unicamente o perdão da dívida que motiva o amor do devedor. A seqüência ordenada por Deus (primeiro o perdão dos pecados e depois o amor agradecido do pecador) seria totalmente invertida se o amor do pecador carre­gado de culpa tivesse motivado o grande Deus a perdoar os pecados. A frase final "a quem pouco se perdoa, pouco ama" refuta essa conclusão. Nesse caso o texto deveria ser "A quem ama pouco, pouco é perdoado."
      Um breve resumo em outras palavras: assim como o devedor recebe primeiro a anulação da dívida para então ter amor agradecido - assim Deus primeiro perdoa os pecados e redime pelo seu sangue, para que somente depois seja a nova vida em amor agradecido ao Senhor, que se revela em obras da fé.
      O segundo mal-entendido da parábola dos dois devedores é o seguinte: "Para poder amar muito, é preciso primeiro enredar-se profundamente na culpa, é preciso primeiro ter cometido graves pecados."
      Resposta: o tamanho de nosso amor a Deus não se baseia no tamanho do pecado (porque perante Deus o maior e o menor pecados recebem o mesmo rótulo e a mesma condenação), e sim na profundidade e autenticidade de nosso arrependimento, na profundidade e autenticidade da conscientização a respeito da catástrofe da queda no pecado. O fariseu dificilmente tinha consciência de sua culpa. Para que necessitaria ele de um Redentor dos pecadores? Ele acredita que tem poucos pecados, ~o pela qual precisa de pouco perdão e não ama ao Senhor. Tinha orgulho de seu rigor legalista, defendia sua auto­justificação, na certeza de suas virtudes e boas obras.
      Pelo fato de procurar a si mesmo, era incapaz de procurar a Deus, de entregar-se a Deus. Seu amor próprio representava a morte do amor a Deus e ao próximo. Ele era o verdadeiro pecador, o pior adúltero, porque desprezava de forma tão ignominiosa o maior de todos os amores.
      Como é diferente a pecadora! Desabou diante do santo Jesus, arrasada pelo sentimento de sua culpa. Sua consciência havia obtido paz. Agora brota­va em sua alma liberta, com força incontida, o irrestrito amor àquele que lhe havia retirado o fardo, que lhe havia perdoado a culpa de seus pecados. O tamanho de seu amor assinala o quanto lhe havia sido perdoado. Por saber como havia sido grande a culpa de seus pecados, ela havia experimentado um grande perdão de pecados, e por isso amava muito (cf. também D. Hilbert. Eins ist not, 1928, sobre a referida passagem).
      Não é preciso que primeiramente caiamos em profundos pecados para termos necessidade de um grande perdão. Todos nós (até mesmo os melhores e mais devotos) temos diante de Deus uma dívida impagável, ou seja, todos nós, sem exceção, somos pecadores perdidos e condenados e carecemos todos de um grande perdão.

d) As palavras de consolo do Senhor à pecadora - Lc 7.48-50

48 - Então, disse à mulher: Perdoados são os teus pecados.
49 - Os que estavam com ele à mesa começaram a dizer entre si: Quem é este que até perdoa pecados?
50 - Mas Jesus disse à mulher: A tua fé te salvou; vai-te em paz (para dentro da paz)!

         Em contraposição à negativa dos fariseus em perdoar os pecados, Jesus repete a garantia do fato divino de que seus pecados estão perdoados, pelo qual expressara ao Senhor uma tão viva gratidão. Essa certificação pessoal expressa por parte do Senhor corresponde ao testemunho do Espírito Santo em nossa vida, depois que agarramos a promessa da salvação pela fé (Ef 1.13 - Godet).
      Por isso, ao dizer "Tua fé te ajudou, vai em paz" à mulher, ele revela aos convivas o inabalável fundamento sobre o qual o perdão dela está exclusiva­mente alicerçado. Ela goza do desígnio: quem crê é bem-aventurado. Não foi amor nem obras que a ajudaram, mas sua fé a salvou e a tomou bem-aventu­rada. O amor e as obras são os frutos de sua fé.
      A bem-aventurança que tomou conta da mulher agraciada por intermédio das palavras do Redentor (''vai em paz") não é descrita. Contudo, assinala-se a impressão que as palavras do Redentor causaram entre os presentes. Os convidados deitados à mesa reagem, intimamente atigidos: "Quem é esse, que até perdoa pecados?" Não podiam deixar de escandalizar-se com o amor dele pela pecadora.
      Profundamente comovidos, pois, despedimo-nos de Lc 7, tão rico em conteúdo. De forma nova desvendou-se a riqueza e a plenitude do ano da graça do Senhor anunciado em Lc 4.19 e agora iniciado, mais especificamen­te nos dois milagres (a cura do servo do centurião de Cafarnaum e a ressusci­tação do jovem em Naim), depois nos relatos sobre a pergunta de João Batista e o incomparável e brilhante testemunho do Senhor e, por fim, narra a história tão autenticamente pitoresca da grande pecadora.
      O surpreendente desfecho do ano da graça do Senhor que irrompe lumi­nosamente é que não são os líderes espirituais de Israel, o povo eleito como tal, que aceitam e acolhem a glória da extraordinária presença graciosa do Senhor, mas que o gentio e a pecadora em profundas transgressões chegam a crer vivamente no Senhor e Redentor. É esse o precioso relato da primeira e da última história do cap 7.

Um comentário:

  1. Texto de orientação evangélica, bem escrito. Na parte final, temos uma puchadinha para a teologia da salvação pela fé. O leitor espírita deve ler com a crítica necessária.

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