sexta-feira, 18 de julho de 2014

Quem É O Maior No Reino do Céu?

Quem É O Maior No Reino do Céu?

Autor:
José Carlos Leal

Fonte:
Livro: Evangelho e Qualidade de Vida

Pois que o Espírito da criança já viveu, por que não se mostra, desde o nascimento, tal qual é? Tudo é sábio nas obras de Deus. A criança necessita de cuidados especiais, que somente a ternura materna lhe pode dispensar, ternura que se acresce da fraqueza e da ingenuidade da criança. Para uma mãe, seu filho é sempre um anjo e assim era preciso que fosse, para lhe cativar a solicitude. Ela não houvera podido ter-lhe o mesmo devotamento, se em vez da graça ingênua, deparasse nele, sob os traços infantis, um caráter viril e as idéias de um adulto e, ainda menos, se lhe viesse a conhecer o passado.

Aliás, faz-se necessário que a atividade do princípio inteligente seja proporcionada à fraqueza do corpo, que não poderia resistir a uma atividade muito grande do Espírito, como se verifica nos indivíduos grandemente precoces. Essa a razão por que, ao aproximar-se-lhe a encarnação, o Espírito entra em perturbação e perde pouco a pouco a consciência de si mesmo, ficando, por certo tempo, numa espécie de sono, durante o qual todas as suas faculdades permanecem em estado latente. É necessário este estado de transição para que o Espírito tenha um novo ponto de partida e para que esqueça, em sua nova existência, tudo aquilo que a possa entravar. Sobre ele, no entanto, reage o passado. Renasce para a vida maior, mais forte, moral e intelectualmente, sustentado e secundado pela intuição que conserva da experiência adquirida.

A partir do nascimento, suas idéias tomam gradualmente impulso, à medida que os órgãos se desenvolvem, pelo que se pode dizer que, no curso dos primeiros anos, o Espírito é verdadeiramente criança, por se acharem ainda adormecidas as idéias que lhe formam o fundo do caráter. Durante o tempo em que seus instintos se conservam amodorrados, ele é mais maleável e, por isso mesmo, mais acessível às impressões capazes de lhe modificarem a natureza e de fazê-lo progredir, o que torna mais fácil a tarefa que incumbe aos pais.

O Espírito, pois, enverga temporariamente a túnica da inocência e, assim, Jesus está com a verdade, quando, sem embargo da anterioridade da alma, toma a criança por símbolo da pureza e da simplicidade.
O Evangelho Segundo o Espiritismo – Capítulo VIII, item 4.



Quem É O Maior No Reino do Céu?


Nessa ocasião, os discípulos aproximaram-se de Jesus e lhe perguntaram: “Quem é o maior no reino dos céus?”. Ele chamou perto de si uma criança, colocou-a no meio deles e disse: “Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos tornardes como as crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus. Aquele, portanto, que se tornar pequenino como esta criança, esse é o maior no reino dos céus”. (Mateus, XVIII: 1 a 4.)



Esse texto nos revela, em primeiro lugar, que os apóstolos, pessoas muito próximas de Jesus, não o compreendiam plenamente. Logo depois da Parábola do Semeador, Jesus explica o sentido oculto do relato. Muito provavelmente, houvesse, com alguma freqüência, reuniões com os 12 apóstolos, e mesmo com alguns discípulos, em que Jesus explicava passagens de seus discursos que não eram bem compreendidas.

Um dos conceitos pouco entendidos pelos apóstolos e discípulos era o de reino de Deus ou reino do céu. Imersos na cultua judaica que concebia o Messias como aquele que, enviado por Iahweh, instaurara um novo tempo em que os judeus, até então dominados pelos romanos, sacudiriam o jugo dos Césares, fazendo nascer uma nova ordem sócio-político-religiosa, na qual, de dominados, passariam a dominadores. Ora, se Jesus era o Messias, o reino de Deus estava próximo, como pregava, inclusive, João Batista em Betabara, nas margens do Jordão, então eles achavam legítimo perguntar ao Mestre qual seria a parte deles na nova ordem, quando o Cristo, vencedor, ,destronasse o Império Romano.

Esta passagem não é única no Evangelho de Mateus. No capítulo XX: 20 a 23, há uma outra passagem em que se nota a mesma preocupação por parte dos seguidores de Jesus. O Nazareno estava subindo para Jerusalém, quando, ainda a caminho, chamou os 12 apóstolos à parte e lhes antecipou as dores da paixão. Está em companhia deles João Evangelista e Salomé, a esposa de Zebedeu, mãe de Tiago. A mulher se aproxima de Jesus e pede-lhe que, em seu reino, colocasse seus dois filhos, um à sua direita e outro à esquerda. Como se pode ver, não era rara esta preocupação, mas voltemos ao primeiro texto que escolhemos como objeto de nosso estudo. No momento em que é interrogado, Jesus não dá uma resposta direta, mas tomando um menino pela mão, coloca-o no meio dos apóstolos e diz as palavras que já conhecemos.

Por que Jesus se vale de uma criança como protótipo ou modelo para alcançar o reino de Deus? Em primeiro lugar está a idéia de humildade, de pequenez. Não será com arrogância e violência que se ganhará o reino de Deus, mas com modéstia, docilidade e desejo de servir. Em verdade, lembra Jesus, aquele que quiser ser o primeiro acabará sendo o último. Aquele que se elevar será humilhado e o que se humilhar será exaltado. O conquistador do reino de Deus é aquele que serve antes de ser servido, aquele que, como Jesus, é capaz de lavar os pés empoeirados do homem comum. Essa é a grande lição de Jesus sobre a necessidade de não se valorizar exageradamente as glórias deste mundo, as posições de comando. As crianças, no mundo judaico, não tinham importância, por isso elas recebem o reino em lugar daqueles que jactanciam-se das glórias mundanas, que se julgam especiais e em cujo coração habita o orgulho e a vaidade. É preciso ser puro de coração como uma criança para alcançar o reino de Deus.

Uma outra característica da criança que deve ser imitada é a sua relação com a verdade. A criança, enquanto não está contaminada com a maneira hipócrita de viver da maioria dos adultos, fala sempre com muita sinceridade porque ainda não aprendeu a mentir e a dissimular.

Certo dia, na época em que era professor do Estado, estive na cerimônia de posse de uma diretora de colégio. Em meio a solenidade, quando a professora foi apresentada, uma menininha disse: “A diretora é preta”. Uma professora que estava perto dela, fez “psiu” e rapou a garganta, olhando para a criança com olhos severos.

A diretora, percebendo o incidente, aproximou-se da menininha e disse: “De fato sou preta, você está certa, mas tenho muito orgulho da minha cor. Não fique preocupada, você só disse a verdade”;

Repare que a criança constatou o que viu e o preconceito ficou por conta da professora que considerou ofensa chamar uma pessoa preta de preta.

Há, sobre este tema, uma história muito conhecida chamada “A Roupa Nova do rei”. Dois espertalhões desejando ganhar dinheiro às custas de um rei, foram até o palácio e propuseram ao monarca o seguinte: Nós faremos para o senhor uma roupa mágica, tecida com fios divinos, tirados do tear dos deuses. Essa roupa, entretanto, só poderá ser vista por pessoas honestas, que não corrompem nem são corrompidas, pessoas verdadeiras, leais a Vossa Majestade. Assim, o senhor saberá quem lhe é fiel e quem não é. O rei gostou da idéia e ordenou que a roupa fosse feita apesar do alto preço.

Os dois homens foram colocados em uma oficina especial e lhes foram dados cinco dias de prazo para que a roupa fantástica ficasse pronta. Já no segundo dia, o monarca ficou muito curioso sobre a roupa e mandou que um de seus ministros fosse ver em que etapa encontrava-se o trabalho. O servidor soberano chegou à sala onde estavam os dois malandros que se ocuparam em fingir que costuravam tecidos invisíveis, cortando o ar com tesouras visíveis. O ministro ficou muito admirado e como sabia que não era honesto e que esse era o motivo por que não via o tecido, voltou ao rei e lhe disse que a roupa estava ficando muito bonita. A farsa continuou até que a roupa, inteiramente feita, foi levada ao rei que, também não a vendo, acreditou que ele próprio não era tão honesto quanto imaginava.

O rei, então, decidiu fazer um grande teste: sairia vestido pela rua com a sua roupa nova e, assim, conheceria melhor o caráter de seus súditos. Foi feita uma grande parada com banda de música e o rei à frente. A parada deixou o castelo e marchou por toda a cidade e todos que a viam diziam para o rei ouvir: “Que bela roupa! Nunca vossa majestade esteve tão bem vestido!”. Ao passar por uma praça, entretanto, uma criança que viu o cortejo gritou muito admirada: “O rei está nu”.

Essa é a questão. A criança é sincera, franca e honesta até que aprende com os adultos a ser insincera, mentirosa e desonesta. O que Jesus quer de nós é essa pureza da criança, esta franqueza natural, esse modo de ver a vida em que não há lugar para a hipocrisia. O Mestre quer que tenhamos a crença espontânea que a criança tem no adulto, até que esse minta para ela; o que Jesus quer de nós, ao nos comparar com as crianças, é essa maneira de ser especial, esta capacidade de viver em um mundo mágico, até que as pessoas adultas destruam nelas o poder criativo de sua imaginação.

Do ponto de vista espírita, poderíamos questionar essa passagem, lembrando que uma criança é um espírito já bastante antigo com qualidades e defeitos; sendo assim, ela não é tão pura quanto nos parece. O modelo de verdadeira pureza só poderia nos ser dado por um espírito que tenha alcançado a perfeição. Esse argumento procede, de um ponto de vista geral, entretanto, do ponto de vista de cada encarnação, a criança, principalmente nos primeiros sete anos de sua existência, período em que o espírito está, por assim dizer, assumindo o corpo em que deverá viver, é inocente e pura. Inclusive é nesse período que a criança está mais propensa a receber a influência salutar da educação. Respondendo a pergunta: Por que, já que a criança viveu muitas vezes, ela não se mostra, logo de início, tal como é? Escrevem os espíritos:

(...) Nas obras de Deus tudo é sábio. A criança tem necessidade de cuidados delicados, que somente a ternura maternal pode lhe dar, e essa ternura cresce diante da fragilidade e da ingenuidade da criança. Para a mãe, seu filho sempre é um anjo, e é preciso que seja assim para cativar a sua solicitude; ela não teria por ele a mesma abnegação se, em lugar da graça ingênua, tivesse encontrado em seu filho, sob os traços infantis, um caráter viril e as idéias de um adulto, e ainda menos se ela conhecesse o seu passado. (Evangelho Segundo o Espiritismo, VII, item 4).

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