Esclarecendo o Evangelho
Mat. 14:3-5
3 – Herodes, pois, prendera João, o algemara e pusera no cárcere, por causa de Herodíades, mulher de seu irmão Filipe.
4 – Porque João lhe havia dito: "Não te é lícito tê-la".
5 – E embora Herodes quisesse matá-lo, temia o povo, porque este o tinha como profeta.
Mar. 6:17-20
17 – Porque o próprio Herodes mandara prender João e acorrentá-lo no cárcere, por causa de Herodíades, mulher de seu irmão Filipe (pois Herodes se casara com ela),
18 – porque João lhe dizia: "Não te é lícito ter a mulher de teu irmão".
19 – E Herodíades o odiava e queria matá-lo, mas não podia.
20 – Porque Herodes temia João, sabendo que era homem justo e santo, e o protegia; e, ao ouvi-lo, ficava muito admirado e o escutava com satisfação.
Luc. 3:19-20
19 – Mas Herodes, o tetrarca, sendo repreendido por ele por causa de Herodíades, a mulher de seu irmão, e por todas as maldades que Herodes fazia,
20 – acrescentou ainda sobre todas a de fazer encerrar a João no cárcere.
Os três evangelistas relatam-nos a causa principal da prisão do Batista. Revivamos abreviadamente a história, para melhor compreensão.
Herodes, o grande, por sua morte, dera a Judéia a Arquelau, com o título de etnarca; e legara com o título de tetrarca a Galiléia a Herodes Antipas e Traconítide a Filipe. Mas o velho Herodes tivera, da segunda esposa de nome Mariana, um filho, Herodes-Filipe, a quem nada coubera. No entanto, a este é que inicialmente Herodes destinara sua sucessão no trono; e para que o governo ficasse em família, o velho Herodes dera sua própria sobrinha Herodíades (então com 3 ou 4 anos), como esposa a Herodes-Filipe, tio dela, pois Herodíades era filha do irmão dele, Aristóbulo, que Herodes o grande tivera com a primeira esposa. Mais tarde, porém, mandou matar esta primeira esposa e seu filho Aristóbulo. Firmemos, então, que Filipe, marido de Herodíades, nada tinha que ver com Filipe tetrarca de Traconítide.
Herodes Antipas, bom político, para garantir-se o apoio de Aretas IV, rei árabe dos Nabateus, desposou a filha deste.
Bem mais tarde, Herodes Antipas fez uma viagem a Roma, durante a qual visitou seu irmão Herodes Filipe, o deserdado, que vivia como simples cidadão fora da palestina. Aí conheceu sua cunhada Herodíades, já então com cerca de 35 anos, e surgiu violenta paixão entre ambos. Ficou estabelecido que, ao regressar de Roma, após reassumir o governo da Galiléia, Herodíades iria a seu encontro, para viverem juntos, ocasião em que Antipas repudiaria sua mulher, a filha de Aretas. Esta, porém, veio a saber do que se tramava e, para evitar a humilhação do repúdio, escapou para Maquérus e daí para casa do pai. Aretas jurou vingar a honra da filha e, após alguma escaramuças, fez guerra aberta contra Antipas.
Por seu lado, sua união com Herodíades, sua sobrinha e cunhada causou escândalo entre os judeus, por constituir adultério (Êx. 20:14 e Lev. 18:20 e 20:10) além de incesto (Lev. 18:15). Ao chegar, Herodíades levava consigo sua filha que se chamava Salomé. Tudo acabou com a fragorosa derrota de Antipas diante do exército de Aretas, no ano 36.
Esclarecidos os fatos, voltemos ao texto.
Herodes Antipas, aborrecido com a advertência do Batista a respeito do escândalo que vinha de cima, prendeu-o e encarcerou-o algemado.
Josefo (loco citato) atribui a prisão de João a motivo político: a pregação do Batista podia levantar uma sedição dos israelitas, para derrubá-lo do trono. As razões alegadas por Josefo confirmam o que dizem os evangelistas, e completam as razões da violência do tratamento aplicado a João.
Para livrar-se de quem o preocupava, o mais fácil seria faze-lo morrer. Entretanto, essa violência poderia piorar a situação, pois o povo admirava o Batista como profeta, no melhor sentido da palavra, porque este nada temia e confrontara o soberano (pelo que refere Marcos) pessoalmente, "de cara". Não se sabe se, por acaso, Herodes foi imprudentemente a ele, ou se João se colocou no caminho por onde passaria o tetrarca.
Marcos acrescenta ainda que Herodíades o odiava; não ficara, pois, satisfeita com a simples prisão do Batista: queria sua morte. Todavia, Herodes queria evitar a morte de João e procurava protegê-lo, levando-o prisioneiro para onde quer que fosse, como preciosa carga sempre sob suas vistas. Aproveitando-se da proximidade, ouvia-o "com satisfação, ficando impressionado" com as palavras do precursor.
Lucas anota que prender o Batista foi mais uma maldade que Herodes acrescentou às numerosas outras que já havia realizado.
Deste episódio, podemos inferir que a animalidade ainda vigente nas criaturas não mede as conseqüências de seus atos: para satisfação de seus apetites, tudo sacrifica. E, embora admirando o intelecto iluminado pelas verdades que lhe chegam, prefere aprisioná-lo para poder agir livremente. Conhecem o caminho, mas escolhem atalhos escusos, "isolando" sua própria compreensão, prontos a destruí-lo para que o não atrapalhe. Ainda hoje é assim: a criatura vai à igreja, ao templo, ao centro, ouve as verdades, faz profissão de fé, toma resolução de aprimorar-se, mas... ao chegar a ocasião que lhe atiça os sentidos, "esmaga" o que aprendeu e dá largas aos instintos.
Marcelo de Oliveira Orsini
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