quinta-feira, 31 de março de 2011

A TEMPESTADE ACALMADA



"REFORMA ÍNTIMA"
E disse-lhes naquele dia, ao cair da tarde: "Passemos para a outra margem". Deixando a multidão, eles o levaram, do modo como estava, no barco; e com ele havia outros barcos. Sobreveio então uma tempestade de vento, e as ondas se jogavam para dentro do barco, e o barco já estava se enchendo. Ele estava na popa, dormindo sobre sobre o travesseiro. Eles o acordam e dizem: "Mestre, não te importa que pereçamos?" Levantou-se, ele conjurou severamente o vento e disse ao mar: "Silêncio ! Quieto ! Logo o vento serenou, e houve grande bonança. Depois, ele perguntou: "Por que tendes medo? Ainda não tendes fé?" Então ficaram com muito medo e diziam uns aos outros: "Quem é este a quem até o vento e o mar obedecem?" (Marcos 4:35-41).
A palavra "tempestade", empregada por alguns autores espirituais, costuma expressar o desequilíbrio do Espírito. Vejamos um exemplo de Batuíra: "Sob tempestades de ódio e lágrimas, desesperação e arrependimento, consciências culpadas ou entorpecidas vos oferecem o triste espetáculo da derrota interior a que foram atiradas pelo próprio desleixo." (Xavier, F.C. Grandes Vozes do Além, p.40).
Diante da vicissitudes da vida, necessitamos de clamar a Deus e a Jesus, pois sem a fé em Deus, sem a orientação do Evangelho, é difícil vencermos sozinhos certas emoções, certas dificuldades do caminho, que se assemelham a uma tempestade. Para enfrentarmos uma situação aflitiva, como o encontro com um endemoninhado, é importante que venhamos a vencer primeiramente as nossas tempestades interiores a se projetarem para o exterior através de nossas vibrações de ódio, desesperação...
Para levarmos o socorro espiritual aos outros, devemos pedir a Deus o próprio equilíbrio, pois só dessa forma podemos doar o melhor de nós mesmos aos Espíritos que se encontram em desequilíbrio. Os discípulos estavam entrando em uma região estranha, na qual deveriam evitar a crítica e o julgamento aos costumes locais, a fim de que a tempestade da adversidade pudesse ser vencida pelo amor, pela compreensão e tolerância.
Não podemos esquecer o socorro prestado por alguns espíritas ou por pessoas de outras religiões, que gozam de uma condição moral e espiritual melhor, aos Espíritos encarnados ou desencarnados, quando, desdobrados durante o sono, acompanham os mentores espirituais às regiões umbralinas. Os discípulos de Jesus nos revelam uma certa ignorância em relação às realidades espiritual e material de cada um. Alguns deles eram pescadores, mas não eram detentores de todos os conhecimentos práticos para melhor desempenho das suas funções.
Vemos que eles tiveram medo de perecer no mar por causa da tempestade. Acordaram Jesus, dizendo-lhe: "Mestre, não te importa que pereçamos?" E Jesus, para acalmar a tempestade, disse: "Silêncio ! Quieto!" Para nós vencermos as tempestades exteriores e interiores, precisamos silenciar-nos, aquietar-nos. Assim, evitamos o enxame dos maus pensamentos e consequentemente o desequilíbrio, a ligação com os maus Espíritos.
Devemos silenciar os nossos desejos, os nossos anseios, para nos alçarmos aos céus, ao reino da paz. Porque certos desejos são fonte de desequilíbrio e agentes de tempestade. A FÉ EM DEUS nos proporciona a calma e a paciência diante dos problemas da vida. Mas a fé, parece-nos, depende, em parte, do conhecimento adquirido. Quanto mais conhecimentos temos sobre alguma coisa, mais seguros sentimos em relação a essa coisa e mais ousados somos.
Assim é também a confiança em determinadas pessoas. Quanto mais conhecimento e firmeza uma pessoa demonstra, mais confiamos nela. Quanto mais fé tivermos em Deus, mais seguros e ousados sentiremos para realizar as nossas obras. Os discípulos nos dão uma grande lição quando demonstram sua ignorância sobre algumas coisas e suas limitações. Precisamos estar conscientes da nossas limitações para nos superarmos a cada dia. Por mais conhecimentos que venhamos a ter, bem como habilidades, somos ainda pessoas carentes de outros conhecimentos e habilidades.
Quem é convencido dos seus conhecimentos e das suas habilidades pode ficar exposto a vexames. Assim, devemos cumprir os nossos deveres e aprender e sempre, e não cruzar os braços e exigir uma atenção especial de Deus, de Jesus e dos guias espirituais. Nessa passagem, Jesus nos ensina que, dormindo, nós entramos em contato com o plano espiritual e que, se estivermos preparados, podemos auxiliar aqueles que se encontram em desequilíbrio espiritual. O sono não é só refazimento físico mas é também um experiência sobre a vida e a morte.
Para alguns cristãos, a tempestade poderia ter sido provocada pelos demônios,com o objetivo de impedir que Jesus salvasse o endemoninhado geraseno. De acordo com os teólogos medievais, o demônio podia provocar ventanias e tempestades de raios. Mas os cristãos no tempo de Marcos não pensavam da mesma forma. Procedentes do paganismo, eles admiravam Jesus pelo fato de acharem que Zeus e Ísis eram os responsáveis pelos acontecimentos naturais e atmosféricos. Zeus, da sua alta morada, reinava sobre o mundo e provia as necessidades dos homens, agindo como um rei soberano.
Era o deus do raio e do trovão e foi primeiramente o deus das chuvas e das nuvens de tempestade, passando a ser responsável pela justiça. Assim, era o protetor dos necessitados, dos estrangeiros, dos fracos e desamparados, além de zelar pelos fortes. Os ventos da tempestade e as grandes vagas do mar erguiam-se ao seu comando. Zeus, o "dono da chuva", era quem garantia a fertilidade dos campos. Tinha um caráter quase universal a crença num deus que tornasse possível a fecundidade da Terra. Esse deus era dotado "de uma presciência e de uma sabedoria infinitas", bem como era responsável pelas leis morais estabelecidas por ele durante a sua passagem pela terra. Zelava pelo cumprimento das leis e fulminava aqueles que lhe eram contrários.
Os Ventos eram considerados entidades de origem divina, filhos dos deuses. Seu rei era Éolo, que os prendia dentro de uma caverna. Apesar de ser um deus, Éolo não tinha o direito de desencadear uma tempestade, sem o consentimento de Zeus, nem de fazer os Ventos voltarem à sua morada. Ísis é a personificação feminina do Divino. A grande deusa responsável pela agricultura, pela navegação, pelos ventos, rios, mar e por outras coisas mais. Era grande curandeira e feiticeira, podendo libertar os que estivessem presos.
Seu culto era realizado no início da primavera, quando cessavam as tempestades. Apuleio registrou na sua obra O Asno de Ouro: "O dia que nascerá desta noite foi sempre em todos os tempos, por um piedoso costume,colocado sob a invocação do meu nome. Nesse dia, acalmam-se as tempestades de inverno, não tem mais vagalhões o mar, nem tempestades, torna-se o oceano navegável". Essas são as palavras de Ísis a Lúcio, quando, em sonho, ela se manifestou a ele e o início nos seus mistérios. Daí que a admiração dos discípulos de Jesus era bastante natural, porque ele realizava obras dos dois principais deuses da época: Zeus e Ísis.
Além do mais, Jesus revelava uma lei moral superior à dos referidos deuses. Assim, aqueles que conheciam bem os deuses pagãos ficavam admirados e perguntavam: "Quem é este a quem até o vento e o mar obedecem?". Marcos responde a essa pergunta no início de seu evangelho, ao considerar Jesus Cristo como Filho de Deus. As pessoas comuns não poderiam compreender e aceitar que um homem tivesse o poder sobre a natureza, uma vez que esse poder pertencia a alguns deuses. Somente o Filho de Deus poderia realizar tais obras.
Não podemos esquecer o seguinte: "O Espiritismo, como outrora a minha palavra, deve lembrar aos incrédulos que acima deles reina a verdade imutável: o Deus Bom, o Deus grande, que faz germinar as plantas e que levanta as ondas. Eu revelei a doutrina divina; e, como um segador, liguei em feixes o bem esparso pela humanidade, e disse: "Vinde a mim, todos vós que sofreis". (Kardec, A. O Evangelho Segundo o Espiritismo, p.93). A Doutrina Espírita nos explica que o feito de Jesus não tem nada de sobrenatural. Como Espírito Superior, ele conhecia os fenômenos naturais e atmosféricos. Sabendo que esses fenômenos "são dirigidos por seres inteligentes encarregados das manifestações da Natureza".
Ele se dirigiu "aos Espíritos que agitavam a atmosfera e encapelavam as águas", e a tempestade foi acalmada (Cairbar Schutel, Parábolas e Ensinos de Jesus, p.168). Um outro aspecto importante é a tempestade como um índice de tempo, indicando o final do inverno e a proximidade da primavera. Segundo autora espiritual Amélia Rodrigues: "O mês de Kislev, portador das tempestades, é também o mensageiro da fartura, carreador dos ventos perfumados e leves". (Divaldo Franco, Primícias do Reino, p.137).
Kislev (também kisleu e quisleu) era o nono mês do calendário hebreu, correspondendo aos meses de novembro-dezembro do calendário moderno. Era o mês da estação da semeadura e da festa da Dedicação. É interessante notar que, no Evangelho de Marcos, a passagem da tempestade acalmada vem logo após a "Parábola do Semeador", a "Parábola da semente que germina por si só" e a "Parábola do grão de mostarda". Seria uma alusão à semeadura? O semeador saiu a semear.. Após passar pelas aldeias da Galiléia, Jesus se dirigiu para o outro lado do lago.
No Antigo Egito, como em outras regiões, o ano novo significava um novo ciclo agrícola com o início da estação de cultivo. O ano novo começava na primavera, quando eram realizados os festivais dedicados aos mistérios da criação. A relação entre a fertilidade agrícola e os mortos era bastante comum. Os mortos protegiam as sementes lançadas na terra. "Semelhantes às sementes enterradas na matriz telúrica, os mortos esperam o seu regresso à vida sob uma nova forma" (Eliade, M. Tratado de História das Religiões, p.283). No ano novo acontecia uma regeneração da sociedade e do tempo com a regeneração "da força ativa da vegetação".
No fim do ano velho e no início do ano novo, ocorriam purificações, iniciações nos mistérios relativos à deusa Deméter (a Legisladora), expulsão dos demônios e do mal da cidade; procissões de mascarados representavam os mortos, que eram recepcionados, festejados e encaminhados para fora da cidade. Na Grécia, durante a realização dos Mistérios de Elêusis, porcos eram sacrificados às deusas gregas Deméter, da agricultura, e sua filha Perséfone, rainha do reino dos mortos. Em algumas regiões, alguém podia servir de "bode expiatório", sendo espancado e depois expulso da cidade.
Ademar Trindade Cruz - Jornal Espírita, fevereiro/04.

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