RESIGNAÇÃO – COMPILAÇÃO
01- Alerta - Joanna de Ângelis - pág. 64
20. INCONFORMISMO E REVOLTA
— "Não me conformo!" — Explodem, revoltados, aqueles que da vida somente esperam vantagens e recompensas, quando surpreendidos por acontecimentos que lhes parecem desastrosos e trágicos. — "Deus é injusto!" — Proferem, estentóricos, os que se supõem credores apenas de receber dádivas, embora desassisados, da vda somente retiram lucros e comodidades.
— "Não mereço isto!" — Bradam, desatinados, quantos são colhidos pelo que denominam infortúnios e desgraças, que os desarvoram.
— "Não creio em mais nada!" — Estridulam as pessoas tomadas por insucessos desta ou daquela natureza, que afinal, se fossem examinadas com seriedade e reflexão, constituiriam ocasião iluminativa, roteiro de felicidade. O homem teima em permanecer anestesiado pela ilusão, sem dar-se conta, conscientemente, da fragilidade da organização carnal de que se encontra temporariamente revestido.
Cada um, por isso mesmo, a si se concede privilégios e se faculta méritos que não possui. Examinassem melhor a vida, verificariam que as ocorrências do trivial, que atingem os outros, a eles também alcançarão, procurando preparar-se para enfrentar com dignidade quaisquer injunções ou dissabores, que são igualmente transitórios.
— "Prefiro não saber." — Informam as pessoas passadistas, quando convidadas ao exame da vida menos densa.— "Não consigo acreditar." — Escusam-se as criaturas invitadas ao esclarecimento imortalista, como se estivessem indenes ao fenômeno da cessação da vida biológica.— "Irei aproveitar o meu tempo, gozando." — Justificam-se os imediatistas ante qualquer referência à meditação, à caridade, ao sacrifício. . .
É natural que, visitados por acontecimentos não habituais no canhenho das suas conveniências, derrapem no inconformismo, no desespero, na alucinação. A ação inexorável do tempo, entretanto, aguarda todos e modela-os, submetendo-os. Mesmo quando se pretende fugir da situação a que se vai arrojado, cai-se na realidade da vida, que predomina em toda parte.
Recebe o insucesso como fenômeno normal nos tentames do teu processo evolutivo. Não te consideres inatingível. Acostuma-te à fragilidade do corpo e às necessidades de crescimento como espírito que és. Nenhuma dor te alcança sem critério superior de justiça. Sofrimento algum no teu campo emocional, que se não acabe, deixando o resultado do seu trânsito. Utiliza-te das ocorrências que trazem dor, para crescer, e não te apresentes inconformado.
Jesus, que veio à Terra exclusivamente para viver e ensinar o amor, sem qualquer culpa, nasceu em modestra gruta, passou pelo carreiro de inumeráveis injunções e partiu numa cruz, sob apupos e maquerenças, volvendo, no entanto, Sol Divino que é, em insuperável madrugada que dura até hoje, para que ninguém reclame, nem se revolte, nem se inconforme ante as ocorrências dolorosas do mundo...
03 - Boa Nova - Humberto Campos- pág. 34
4 - A FAMÍLIA ZEBEDEU
Na manhã que se seguiu à primeira manifestação da sua palavra defronte do Tiberíades, o Mestre se aproximou de dois jovens que pescavam nas margens e os convocou para o seu apostolado. — Filhos de Zebedeu — disse, bondoso —, desejais participar das alegrias da Boa Nova?!Tiago e João, que já conheciam as pregações do Batista e que o tinham ouvido na véspera, tomados de emoção se lançaram para ele, transbordantes de alegria:— Mestre! Mestre! — exclamavam felizes.
Como se fossem irmãos bem-amados que se encontrassem depois de longa ausência, tocados pela força do amor que se irradiava do Cristo, fonte inspiradora das mais profundas dedicações, falaram largamente da ventura de sua união perene, no futuro, das esperanças com que deveriam avançar para o porvir, proclamando as belezas do esforço pelo Evangelho do Reino. Os dois rapazes galileus eram de temperamento apaixonado. Profundamente generosos, tinham carinhosas e simples, ardentes e sinceras as almas. João tomou das mãos do Senhor e beijou-as afetuosamente, enquanto Jesus lhe acariciava os anéis macios dos cabelos.
Tiago, como se quisesse hipotecar a sua solidariedade inteira, aproximou-se do Messias e lhe colocou a destra sobre os ombros, em amoroso transporte. Os dois novos apóstolos, entretanto, eram ainda muito jovens e, em regressando a casa com o espírito arrebatado por imensa alegria, relataram a sua mãe o que se passara. Salomé, a esposa de Zebedeu, apesar de bondosa e sensível, recebeu a notícia com certo cuidado. Também ela ouvira o profeta de Nazaré nas suas gloriosas afirmativas da véspera. Pôs-se então a ponderar consigo mesma: não estaria próximo aquele reino prometido por Jesus? Quem sabe se o filho de Maria não falava na cidade em nome de algum príncipe?
Ah! o Cristo deveria ser o intérprete de algum desconhecido ilustre que recrutava adeptos entre os homens trabalhadores e mais fortes. A quem seriam confiados os postos mais altos, dentro da nova fundação? Seus filhos queridos bem os mereciam. Precisava agir, enquanto era tempo. O povo, de há muito, falava em revolução contra os romanos e os comentadores mais indiscretos anteviam a queda próxima dos Ântipas. O novo reinado estava próximo e, alucinada pelos sonhos maternais, Salomé procurou o Messias no círculo dos seus primeiros discípulos.
— Senhor — disse, atenciosa —, logo após a instituição do teu reino, eu desejaria que os meus filhos se sentassem um à tua direita e outro à tua esquerda, como as duas figuras mais nobres do teu trono. Jesus sorriu e obtemperou com gesto bondoso:— Antes de tudo, é preciso saber se eles quererão beber do meu cálice!...A genitora dos dois jovens embaraçou-se. Além disso, o grupo que rodeava o Messias a observava com indiscrição e manifesta curiosidade. Reconhecendo que o instante não lhe permitia mais amplas explicações, retirou-se apressada, colocando o seu velho esposo ao corrente dos fatos.
Ao entardecer, cessado o labor do dia, Zebedeu acompanhado pelos dois filhos procurou o Mestre em casa de Simão. Jesus lhes recebeu a visita com extremo carinho, enquanto o velho galileu expunha as suas razões, humilde e respeitoso.— Zebedeu — respondeu-lhe Jesus —, tu, que conheces a lei e lhe guardas os preceitos no coração, sabes de algum profeta de Deus que, no seu tempo, fosse amado pelos homens do mundo?— Não, Senhor.— Que fizeram de Moisés, de Jeremias, de Jonas? Todos os emissários da verdade divina foram maltratados e trucidados, ou banidos do berço em que nasceram. Na Terra, o preço do amor e da verdade tem sido o martírio e a morte.
O pai de Tiago e de João ouvia-o humilde e repetia: — Sim, Senhor. E Jesus, como se aproveitasse o momento para esclarecer todos os pontos em dúvida, continuou: — O reino de Deus tem de ser fundado no coração das criaturas; o trabalho árduo é o meu gozo; o sofrimento o meu cálice; mas, o meu Espírito se ilumina da sagrada certeza da vitória. — Então, Senhor — exclamou Zebedeu, respeitoso — o vosso reino é o da paz e da resignação que os crentes de Elias esperavam! Jesus com um sorriso de benignidade acrescentou:
— A paz da consciência pura e a resignação suprema à vontade de meu Pai são do meu reino; mas os homens costumam falar de uma paz que é ociosidade de espírito e de uma resignação que é vício do sentimento. Trago comigo as armas para que o homem combata os inimigos que lhe subjugam o coração e não descansarei enquanto não tocarmos o porto da vitória. Eis por que o meu cálice, agora, tem de transbordar de fel, que são os esforços ingentes que a obra reclama. E, como se quisesse pormenorizar os esclarecimentos, prosseguiu:
— Há homens poderosos no mundo que morrem comodamente em seus palácios, sem nenhuma paz no coração, transpondo em desespero e com a noite na consciência os umbrais da eternidade; há lutadores que morrem na batalha de todos os momentos, muita vez vencidos e humilhados, guardando, porém, completa serenidade de espírito, porque, em todo o bom combate, repousaram o pensamento no seio amoroso de Deus. Outros há que aplaudem o mal, numa falsa atitude de tolerância, para lhe sofrer amanhã os efeitos destruidores. Os verdadeiros discípulos das verdades do céu, esses não aprovam o erro, nem exterminam os que os sustentam. Trabalham pelo bem, porque sabem que Deus também está trabalhando. O Pai não tolera o mal e o combate, por muito amar a seus filhos. Vê, pois, Zebedeu, que o nosso reino é de trabalho perseverante pelo bem real da Humanidade inteira.
Enquanto os dois apóstolos fitavam em Jesus os olhos calmos e venturosos, Zebedeu o contemplava como se tivesse à sua frente o maior profeta do seu povo.— Grande reino! — exclamou o velho pescador e, dando expansão ao entusiasmo que lhe enchia o coração, disse, ditoso:— Senhor! Senhor! trabalharemos convosco, pregaremos o vosso Evangelho, aumentaremos o número dos vossos seguidores!...Ouvindo estas últimas palavras, o Mestre elucidou, pondo ênfase nas suas expressões:
— Ouve, Zebedeu! nossa causa não é a do número; é a da verdade e do bem. É certo que ela será um dia a causa do mundo inteiro, mas, até lá, precisamos esmagar a serpente do mal sob os nossos pés. Por enquanto, o número pertence aos movimentos da iniquidade. À mentira e a tirania exigem exércitos e monarcas, espadas e riquezas imensas para dominarem as criaturas. O amor, porém, essência de toda a glória e de toda a vida, pede um coração e sabe ser feliz. A impostura reclama interminável fileira de defensores, para espalhar a destruição; basta, no entanto, um homem bom para ensinar a verdade de Deus e exaltar-lhe as glórias eternas, confortando a infinita legião de seus filhos.
Quem será maior perante Deus? A multidão que se congrega para entronizar a tirania, esmagando os pequeninos, ou um homem sozinho e bem--intencionado que com um simples sinal salva uma barca cheia de pescadores? Empolgado pela sabedoria daquelas considerações, Zebedeu perguntou: — Senhor, então o Evangelho não será bom para todos?— Em verdade — replicou o Mestre —, a mensagem da Boa Nova é excelente para todos; contudo, nem todos os homens são ainda bons e justos para com ela. É por isso que o Evangelho traz consigo o fermento da renovação e é ainda por isso que deixarei o júbilo e a energia como as melhores armas aos meus discípulos. Exterminando o mal e cultivando o bem, a Terra será para nós um glorioso campo de batalha.
Se um companheiro cair na luta, foi o mal que tombou, nunca o irmão que, para nós outros, estará sempre de pé. Não repousaremos até ao dia da vitória final. Não nos deteremos numa falsa contemplação de Deus, à margem do caminho, porque o Pai nos falará através de todas as criaturas trazidas à boa estrada; estaremos juntos na tempestade, porque aí a sua voz se manifesta com mais retumbância. Alegrar-nos-emos nos instantes transitórios da dor e da derrota, porque aí o seu coração amoroso nos dirá: "Vem, filho meu, estou nos teus sofrimentos com a luz dos meus ensinos!"
Combateremos os deuses dos triunfos fáceis, porque sabemos que a obra do mundo pertence a Deus, compreendendo que a sua sabedoria nos convoca para completá-la, edificando o seu reino de venturas sem-fim no íntimo dos corações. Jesus guardou silêncio por instantes. João e Tiago se lhe aproximaram, magnetizados pelo seu olhar enérgico e carinhoso. Zebedeu, como se não pudesse resistir à própria emotividade, fechara os olhos, com o peito oprimido de júbilo. Diante de si, num vasto futuro espiritual, via o reino de Jesus desdobrar-se ao infinito.
Parecia ouvir a voz de Abraão e o eco grandioso de sua posteridade numerosa. Todos abençoavam o Mestre num hino glorificador. Até ali, seu velho coração conhecera a lei rígida e temera Jeová com a sua voz de trovão sobre as sarças de fogo; Jesus lhe revelara o Pai carinhoso e amigo de seus filhos, que acolhe os velhos, os humildes e os derrotados da sorte, com uma expressão de bondade sempre nova. O velho pescador de Cafarnaum soltou as lágrimas que lhe rebentavam do peito e ajoelhou-se. Adiantando-se-lhe, Jesus exclamou:
— Levanta-te, Zebedeu! os filhos de Deus vivem de pé para o bom combate! Avançando, então, dentro da pequena sala, o pai dos apóstolos tomou a destra do Mestre e a umedeceu com as suas lágrimas de felicidade e de reconhecimento, murmurando:— Senhor, meus filhos são vossos. Jesus, atraindo-o docemente ao coração, lhe afagou os cabelos brancos, dizendo:— Chora, Zebedeu! porque as tuas lágrimas de hoje são formosas e benditas!... Temias a Deus; agora o amas; estavas perdido nos raciocínios humanos sobre a lei; agora, tens no coração a fonte da fé viva!
07 - Estude e viva - André Luiz e Emmnauel - pág. 190
Resignação e resistência
De fato, há que se estudar a resignação para que a paciência não venha a trazer resultados contraproducentes .
Um lavrador suportará corajosamente aguaceiro e granizo na plantação, mas não se acomodará com gafanhoto e tiririca.
Habitualmente, falamos em tolerância como quem procura esconderijo à própria ociosidade. Se nos refestelamos em conforto e vantagens imediatas, no império da materialidade passageira, que nos importam desconforto e desvantagens para os outros ?
Esquecemo-nos de que o incêndio vizinho é ameaça de fogo em nossa casa e, de imprevisto, irrompem chamas junto de nós, comprometendo-nos a segurança e fulminando-nos a ilusória tranquilidade .
Todos necessitamos ajustar a resignação no lugar certo.
Se a Lei nos apresenta um desastre inevitável, não é justo nos desmantelemos em gritaria e inconformação. Ê preciso decisão para tomar os remanescentes e reentretecê-los para o bem, no tear da vida.
Se as circunstâncias revelam a incursão do tifo, não é compreensível cruzar os braços e deixar campo livre aos bacilos.
Sempre aconselhável a revisão de nossas atitudes no setor da conformidade.
Como reagimos diante do sofrimento e diante do mal?
Se aceitamos penúria, detestando trabalho, nossa pobreza resulta de compulsório merecimento.
Civilização significa trabalho contínuo contra a barbárie.
Higiene expressa atividade infinitamente repetida contra a imundície.
Nos domínios da alma, todas as conquistas do ser, no rumo da sublimação, pedem harmonia com ação persistente para que se preservem.
Paz pronta ao alarme. Construção do bem com dispositivo de segurança.
Serenidade é constância operosa; esperança é ideal com serviço.
Ninguém cultive resignação diante do mal declarado e removível, sob pena de agravá-lo e sofrer-lhe a clava mortífera.
Estudemos resignação em Jesus-Cristo. A cruz do Mestre não é um símbolo de apassivamento à frente da astúcia e da crueldade e sim mensagem de resistência contra a mentira e a criminalidade mascaradas de religião, num protesto firme que perdura até hoje.
09 - Florações evangélicas - JOANNA DE ÂNGELIS - pág. 109, 30
RESIGNAÇÃO
Na atual conjuntura intelectual do planeta e considerando-se o clima de rebeldia que irrompe virulenta por toda a parte, a resignação para os aficcionados da violência e do prazer é manifestação patológica que tipifica as personalidades anômalas.
Diante do conceito disparatado e frágil, muitos se auto-afirmam pelos desmandos, quando convidados às paisagens da reflexão, pelo sofrimento, gerando males muito mais danosos do que aqueles dos quais pretendem fugir.
Porque os seus planos colimam resultados diversos aos que aguardavam, atiram-se ao desalento, quando não partem para as reações abastardantes da crueldade ou do cinismo.
Se as enfermidades chegam, exasperam-se, bandeando para a revolta, intoxicando-se interiormente com as emanações venenosas do inconformismo. Quando os insucessos lhes drenam as ambições desmedidas, desgarram-se para os "sonhos róseos" dos estupefacientes e barbitúricos.
Diante das necessárias provações que os colocariam nas corretas engrenagens da máquina da vida, vituperam, ferozes, e se destroçam nos abusos do sexo e do álcool, em dissipações inomináveis a que se arrojam. Suas resistências são todas comandadas pelos impulsos da ira ou da insatisfação, distantes das reações construtivas da inteligência que discerne, lógica e produz.
A resignação para eles é cobardia moral, no entanto fogem à realidade até que a desencarnação os surpreende tardiamente com as realidades verdadeiras da vida, das quais se afastaram, encetando a partir daí longos períodos de sombra, dor e desassossego inimagináveis.
Tu, que ouviste a voz da mansuetude do Cristo e que te encorajaste face à grandeza da Sua vida, resigna-te, fortalecendo o ânimo, ante qualquer cometimento que te produza dor e que seja rotulado como desgraça ou infortúnio. Nada ocorre por capricho pernicioso da vida. Recebemos conforme damos, assim como colhemos consoante a qualidade dos grãos que ensementamos.
Resignação significa coragem e força na voragem do desespero. Somente os cristãos autênticos e os homens possuidores de elevados ideais se fazem capazes de resignar-se, quando o desalento e a alucinação já se apossaram de outros seres. Os que se encastelam nas chacinas e nos desvãos da anarquia, dizendo-se superiores, são meninos medrincas, que não dispõem de energias para se reorganizaraem e prosseguirem na atitude reta.
Se te convidam ao revide - resigna-te e ora. Se te convocam ao ódio - resigna-te e confia. Se te afrontam com agressões - resigna-te e agradece a Deus. Os dias, sempre inevitavelmente, se sucedem para bons e maus, e ninguém se eximirá jamais ao amanhã que a todos alcança, refletindo na claridade forte e pujante do tempo a manifestação - resposta dos nossos atos nas mesmas expressões com que desde hoje as produzimos.
Resignação, também, é vida, e vida abundante, na direção da vida eterna. Vinde a mim, todos vós que estais aflitos e sobrecarregados que eu vos aliviarei. Mateus: 11-28.
O sentimento do dever cumprido vos dará repouso ao espírito e resignação. O coração bate então melhor, a alma se asserena e o corpo se forra aos desfalecimentos, por isso que o corpo tanto menos forte se sente, quanto mais profundamente golpeado é o espírito. O Espírito de Verdade (Havre, 1863) - Cap. VI - ítem 8.
10 - Justiça Divina - Emmanuel - pág. 115, 151
Por nos mesmos - Reunião pública de 11-8-61 19 Parte, cap. VII, Ítem 18
Quando a morte do corpo terrestre nos conduz à sociedade dos Espíritos, muitas vezes somos cercados pelo amor puro, a mergulhar-nos em divino clarão. Antigos afetos, que o tempo não nos riscou da memória, ressurgem, de improviso, envolvendo-nos na melodia da ventura ideal; amigos, a quem supúnhamos haver servido com algum pequenino gesto beneficente, repontam do dia novo, descerrando-nos os braços; sorrisos espontâneos, por flores de carinho, desabrocham em semblantes nimbados de esplendor.
Quase sempre, contudo, ai de nós!... Reconhece-mo-nos no festival da alegria perfeita, à feição de lodo movente, injuriando o carro solar. Quanto mais a bondade fulgura em torno, mais nos oprime o peso da frustração. Temos o peito, qual violino de barro, que não consegue responder ao arco de estrelas que nos tange as cordas desafinadas, e, do coração, semelhante a címbalo morto, apenas arrancamos lágrimas de profundo arrependimento para chorar.
Lamentamos então as lutas recusadas e as oportunidades perdidas! Deploramos a passada rebeldia, ante os apelos do bem que nos teriam conquistado merecimento, e a fuga deliberada aos testemunhos de humildade que nos haveriam propiciado renovação. Sentimo-nos amparados por indizíveis exaltações de claridade e ternura; no entanto, por dentro, carregamos ainda remorso e necessidade.
É assim que nos excluímos, por nós mesmos, da assembléia gloriosa, suplicando o retorno às arenas do mundo, até que a reencarnação nos purifique, nas aquisições de experiência e valor. Alma que choras na teia física, louva o tronco de sofrimento a que te encontras temporariamente agrilhoada na Terra! Abençoa os espinhos que te laceram.
Abençoa o pranto que te lava os escaninhos do ser. Executa com paciência o trabalho que a vida te pede, porque, um dia, os companheiros amados que te precederam na vanguarda de luz estarão contigo, em preces de triunfo, a desatarem-te as últimas algemas, de modo a que lhes partilhes os cânticos de vitória, na grande libertação.
JORNADA ACIMA - Reunião pública de 13-10-61 19 Parte, cap. VI, item 13
Ergue a flama da fé na imortalidade, e caminha! Os que desertaram da confiança gritar-te-ão impropérios, entrincheirados na irresponsabilidade que lhes serve de esconderijo. Demagogos do desânimo, dirão, apressados, que o mundo nunca se desvencilhará da lei de Caim; que os tigres da inteligência continuarão devorando os cordeiros do trabalho; que a mentira, na História, prosseguirá entronizando criminosos na galeria dos mártires; que a perfídia se anteporá, indefinidamente, à virtude; que a mocidade é carne para canhões e prostíbulos; que as mães amamentam para o sepulcro; que as religiões são fábulas piedosas para consumo de analfabetos; que as tenazes da guerra te constringirão a cabeça, sufocando-te a voz no silêncio do horror...
Tentarão, decerto, envolver-te na nuvem do pessimismo, induzindo-te a esquecer o presente e o futuro, na taça de tranquilidade e prazer em que anestesiam o pensamento. Contudo, reflete levemente e perceberás que os trânsfugas do dever, acolhidos à negação e infantilizados no medo, simplesmente desfrutam a paz dos entrevados e a alegria dos loucos.
Ora por eles, nossos irmãos que ainda não amadureceram o entendimento para a altura da vida, e segue adiante. Na escuridão mais espessa, acende a chama da prece, e, onde todos se sentirem desalentados, fala, sem revolta, a palavra de esperança que desenregele os corações mumificados no desconsolo. Um gesto de bondade sobre a agonia de alguém que oscila, à beira do abismo, e uma gota de bálsamo espremida com amor numa ferida que sangra bastam, muitas vezes, para renovar multidões inteiras.
Sobretudo, nos mais aflitivos transes da provação, não percas a paciência. Não consegues emendar os companheiros desarvorados, mas podes restaurar a ti mesmo.
Embora contemplando assaltos e violências, ruínas e escombros, avança jornada acima, apagando o mal e fazendo o bem. Criatura alguma, na Terra, escapará da grandeza fatal da justiça e da morte; no entanto, sabemos todos que a justiça, por mais dura e terrível, é sempre a resposta da Lei às nossas próprias obras, e que a morte, por mais triste e desconcertante, é sempre o toque de ressurgir.
14 - O Espírito da Verdade - Espíritos Diversos - pág. 63, 117, 155
25 - FAZENDO SOL - Cap. V — Item 18
Amanheceste chorando pelos que te não compreendem. Amigos duetos rixaram contigo. Nos mais amados, viste o retrato da ingratidão. Aspiravas a desentranhar o carinho nos corações queridos, com a pureza e a simplicidade da abelha que extrai o néctar das flores sem alterá-las, e, porque não conseguiste, queres morrer...
Não te encarceres, porém, nos laços do desespero. Afirmas-te à procura do amor, mas não te recordas daqueles para quem o teu simples olhar seria assim como o sorriso da estrela, descerrado nas trevas. Mostram a cabeça encanecida, à feição de nossos pais, são irmãos semelhantes a nós ou são jovens e crianças que poderiam ser nossos filhos... Contudo, estiram-se em leitos de pedra ou refugiam-se em antros, fincados no solo, quais se fossem proscritos atormentados.
Não te pedem mais que um pão, a fim de que se lhes restaurem as energias do corpo enfermo, ou uma palavra de esperança que lhes console a alma dorida. Não percas o tesouro das horas, na aflição sem proveito. Podes ser, ainda hoje, o apoio dos que esmorecem, desalentados, ou a luz dos que jazem nas sombras; podes estender o cobertor agasalhante sobre aqueles a quem a noite pede perdão por ser longa e fria, aliviar o suplício dos companheiros que a moléstia carcome ou dizer a frase calmante para os que enlouqueceram de sofrimento...
Sai, pois, de ti mesmo para conhecer a glória de amar!... Perceberás, então, que a existência na Terra é apenas um dia na eternidade, aprendendo a iluminá-la de amor, como quem anda fazendo sol, nos caminhos da vida, e encontrarás, mais tarde, em cânticos de alegria, todos aqueles que te não amam agora, amando-te muito mais, por te buscarem a luz no instante do entardecer.
MEIMEI
48 RENASCER E REMORRER - Cap. V — Item 12
Usufruímos na Espiritualidade o continente sem limites de onde viemos; no Universo Físico, o mar sem praias em que navegamos de quando em quando, e, na Vida Eterna, o abismo sem fundo em que desfrutamos as magnificências divinas. No trajeto multimilenário de nossas experiências, aprendemos, entre sucessivos transes de nascimento e desencarnação, a alegria de viver, descobrindo e reconhecendo a necessidade e a compensação do sofrimento, sempre forjado por nossas próprias faltas.
Já renascemos e remorremos milhões de vezes, contraindo e saldando obrigações, assinalando a excelsitude da Providência e o valor inapreciável da humildade, para saber, enfim, que toda revolta humana é absurda e impotente. Se as lutas do burilamento moral não têm unidade de medida, a ação do amor é infinita na solução de todos os problemas e na medicação de todas as dores. Tolera com paciência as inevitáveis, mas breves provas de agora, para que te rejubiles depois.
Nos compromissos espirituais, todos encontramos solvibilidade através do esforço próprio. Aproveitemos a bênção da dor na amortização dos débitos seculares que nos ferreteiam as almas, perseverando resignadamente no posto de sentinelas do bem, até que o Senhor mande render-nos com a transformação pela morte. Sempre trazemos dívidas de lágrimas uns para com os outros.
Vive, assim, em paz com todos, principalmente junto aos irmãos com os quais a tua vida se entrecomunica a cada instante, legando, por testamento e fortuna, atos de amor e exemplos de fé, no fortalecimento dos espíritos de amigos e descendentes. Se há facilidade para remorrer, há dificuldades para renascer. As portas dos cemitérios jamais se fecham; contudo, as portas da reencarnação só se abrem com a senha do mérito haurido nas edificações incessantes da caridade.
As dores iguais criam os ideais semelhantes. Auxiliemo-nos mutuamente. O Evangelho — o livro-luz da evolução — é o nosso apoio. Busquemos a Jesus, lembrando-nos de que o lamento maior, o desesperado clamor dos clamores, que poderia ter partido de seus lábios, na potência de mil ecos dolorosos, jamais chegou a existir...
LINS DE VASCONCELLOS
66 COM VOCÊ MESMO - Cap. V — Item I3
Meu amigo, você clama contra as dificuldades do mundo, mas será que você já pensou nas facilidades em suas mãos? Observemos.
Você concorre, em tempo determinado, para exonerar-se da multa legal, com expressiva taxa pelo consumo de luz e força elétricas; todavia, a usina solar que lhe fornece claridade, calor e vida, nem é assinalada comumente pela sua memória...
Você salda, periodicamente, largas contas relativas ao gasto de água encanada; no entanto, nem se lembra da gratuidade da água das chuvas e das fontes a enriquecer-lhe os dias... Você estipendia na feira, com apreciáveis somas, todo gênero alimentício que lhe atenda ao paladar; contudo, o oxigênio — elemento mais importante a sustentar-lhe o organismo — é utilizado em seu sangue sem pesar-lhe no orçamento com qualquer preocupação...
Você resgata com a loja novos débitos, cada vez que renova o guarda-roupa, e, apesar disso, nunca inventariou os bens que deve ao corpo de carne a resguardar-lhe o espírito... Você remunera o profissional especializado pela adaptação de um só dente artificial; entretanto, nada despendeu para obter a dentadura natural completa...
Você compra a drágea medicamentosa para leve dor de cabeça; todavia, recebe de graça a faculdade de articular, instante a instante, os mais complicados pensamentos. .. Você gasta quantias estimáveis para assistir a esse ou àquele espetáculo esportivo ou à exibição de um filme; contudo, guarda sem sacrifício algum a possibilidade de contemplar o solo cheio de flores e o céu faiscante de estrelas...
Você paga para ouvir simples melodia de um conjunto orquestral; no entanto, ouve diariamente a divina música da natureza, sem consumir vintém... Você desembolsa importâncias enormes para adquirir passagens e indenizar hospedarias, sempre que se desloca de casa; não obstante, passa-lhe despercebido o prêmio vultoso que recebeu com o próprio ingresso na romagem terrestre...
Não desespere e nem se lastime... Atendamos à realidade, compreendendo que a alegria e a esperança, expressando créditos infinitos de Deus, são os motivos básicos da vida a erguer-se, cada momento, por sinfonia maravilhosa.
ANDRÉ Luiz
15 - O Evangelho S.o Espiritismo - Allan Kardec - cap. V,12
MOTIVOS DE RESIGNAÇÃO
12. Pelas palavras: Bem-aventurados os aflitos, porque eles serão consolados, Jesus indica, ao mesmo tempo, a compensação que espera os que sofrem e a resignação que nos faz bendizer o sofrimento, como o prelúdio da cura. Essas palavras podem, também, ser traduzidas assim: deveis considerar-vos felizes por sofrer, porque as vossas dores neste mundo são as dívidas de vossas faltas passadas, e essas dores, suportada pacientemente na Terra, vos poupam séculos de sofrimentos na vida futura.
Deveis, portanto, estar felizes por Deus ter reduzido vossas dívidas, permitindo-vos quitá-las no presente, o que vos assegura a tranquilidade para o futuro. O homem que sofre é semelhante a um devedor de grande soma, a quem o credor dissesse: "Se me pagares hoje mesmo centésima parte, darei quitação do resto e ficarás livre; se não, perseguir-te até que pagues o último centavo." O devedor não ficai feliz de submeter-se a todas as privações, para se livrar da dívida, pagando somente a centésima parte da mesma? Em vez de queixar-se do credor, não lhe agradeceria?
É esse o sentido das palavras: "Bem-aventurados os aflitos, porque eles serão consolados." Eles são felizes porque pagam suas dívidas, e porque, após a quitação, estarão livres. Mas se, ao procurar quitá-las de um lado, de outro se endividarem, nunca se tornarão livres. Ora, cada nova falta aumenta a dívida, pois não existe uma única falta, qualquer que seja, que não traga consigo a própria punição, necessária e inevitável. Se não for hoje será amanhã; se não for nesta vida, será na outra. Entre essas faltas, devemos colocar em primeiro lugar a falta de submissão à vontade de Deus, de maneira que, se reclamamos das aflições, se não as aceitamos com resignação, como alguma coisa que merecemos, se acusamos a Deus de injusto, contraímos uma nova dívida, que nos faz perder benefícios do sofrimento.
Eis por que precisamos recomeçar, exatamente como se, a um credor que nos atormenta, enquanto pagamos as contas, vamos pedindo novos empréstimos. Ao entrar no mundo dos Espíritos, o homem é semelhante um trabalhador que comparece no dia de pagamento. A uns, dirá o patrão: "Eis a paga do teu dia de trabalho." A outros, aos felizes da Terra, aos que viveram na ociosidade, que puseram a sua felicidade na satisfação do amor-próprio e dos prazeres mundanos, dirá: "Nada tendes a receber, porque já recebestes o vosso salário na Terra. Ide e recomeçai a vossa tarefa."
13. O homem pode abrandar ou aumentar o amargor das provas, pela maneira de encarar a vida terrena. Maior é o sofrimento, quando o considera mais longo. Ora, aquele que coloca no ponto de vista da vida espiritual, abrange na sua visão a vida corpórea, como um ponto no infinito, compreendendo a brevidade, sabendo que esse momento penoso passa bem depressa.
A certeza de um futuro próximo e mais feliz o sustenta e encoraja, em vez de lamentar-se, ele agradece ao céu as dores que o fazem avançar. Para aquele que, ao contrário, só vê a vida corpórea, esta parece interminável, e a dor pesa sobre ele com todo o seu peso. O resultado da maneira espiritual de encarar a vida é a diminuicão de importância das coisas mundanas, a moderação dos humanos, fazendo o homem contentar-se com a sua posição, sem invejar a dos outros, e sentir menos os seus reveses e decepções. Ele adquire, assim, uma calma e uma resignação tão úteis à saúde do corpo como à da alma, enquanto com a inveja, o ciúme e a ambição, entrega-se voluntariamente à tortura, aumentando as misérias e as angústias de sua curta existência.
20 - RUMOS DOUTRINÁRIOS - INDALÍCIO MENDES - A RESIGNAÇÃO É FORÇA ESPIRITUAL - PÁG. 34
Constitui assunto interessante o problema da resignação.
Para muitos, resignar-se significa adotar atitude passiva em face da vida, renunciar a qualquer espírito de reação justa e digna, numa tentativa de reequilíbrio moral ou material, conforme o caso. Entre a resignação ativa e a resignação passiva, é grande a distância. Há necessidade de penetrar bem o sentido evangélico dessa atitude de conformação, para bem se assimilar o legítimo pensamento de Jesus. Aqueles que, iludidos por errôneas interpretações dadas ao Cristianismo do Cristo, não puderam ainda vislumbrar as fulgurações do pensamento cristão, ficaram estacionados na letra dos textos, incapazes de perceber a expressão do espírito que ela encobre. Jesus jamais pregou o desânimo e a passividade. Sempre foi sereno na fé, corajoso na serenidade e senhor de si. Em ocasião alguma deixou de reagir, ainda mesmo quando desdobrava sobre seus atos o manto diáfano da resignaação. Pode parecer paradoxal o que dizemos, mas a verdade é que Jesus ensinou às criaturas que a resignação não é o desânimo, assim como a reação não é a revolta nem o desespero. Sua passagem pela Terra foi maravilhoso exemplo de energia fecunda e de atividade realizadora.
Através da bela linguagem parabólica, confirmou sua dinâmica atividade no trabalho pela iluminação do espírito humano. Sua ação foi sempre positiva, ainda mesmo quando, no suplício da cruz, convocou as últimas energias que lhe restavam naquele transe supremo, para em sublime forma de resignação ativa, pedir a Deus que perdoasse aos que o sacrificaram, porque não sabiam o que estavam fazendo. E os séculos têm provado que, efetivamente, eles ignoravam a enormidade do crime que consumaram no Gólgota sombrio ...
Nós, os espíritas, há muito que nos habituamos a ver e a sentir o Mestre longe da macabra visão da cruz, mas em toda a plenitude do seu poder espiritual, tal como ele deve ser visto e deve ser sentido: visto através da sua legítima posição no Evangelho, realizando a semeadura dos preciosos ensinamentos que ficaram como inestimável tesouro da Humanidade, e sentido pelo coração, consoante o caminho do estudo e da meditação. Jesus não filosofou, pregando teorias complexas ou confundindo os que o ouviram e aqueles que, ainda hoje, se rejubilam com as lições evangélicas, em complicadas dissertações. Não foi confuso na explanação metafísica dos seus ensinamentos: foi simples e claro. Tão simples e tão claro que soube usar da linguagem que, simultaneamente, chega ao cérebro e ao coração dos homens de boa vontade.
Ao indicar ao homem o rumo da resignação, não estabeleceu itinerário para a passividade. Tanto assim que - apontemos apenas um exemplo - na parábola da ovelha perdida, perguntou: "Se um homem tiver cem ovelhas, e uma delas se extraviar, não deixa as noventa e nove e vai aos montes procurar a que se extraviou? Se acontecer achá-la, em verdade vos digo que se regozija mais por causa desta, do que pelas noventa e nove que não se extraviaram." Deixemos de parte a interpretação comum dada a esse trecho evangélico e apreciemos outro aspecto dessa linda parábola. Se Jesus houvesse feito da passividade na forma de resignação, o homem se conformaria com o extravio da ovelha e ficaria satisfeito por ainda poder contar com noventa e nove. Entretanto, Jesus apontou como fato saliente da parábola a particularidade de o homem haver deixado as noventa e nove e por-se a caminho, nos montes, em busca da ovelha perdida. Em vez da resignação passiva, a energia realizadora.
Precisamos aprender a resignação evangélica, tão longe da passividade e do desânimo que marcam, geralmente, o raciocínio dos que não se detêm no exame sereno de tão delicado problema da vida humana. A resignação consciente é uma modalidade de ação. O homem resigna-se em face do irremediável. Enquanto não se capacita de que tudo está consumado, deve lutar sadiamente pela recuperação de sua ovelha perdida. Mesmo a conformação em face do fato irremediável, sua atitude não deve ser de estéril desalento. É prova de perfeita identificação com os princípios espirítico-evangélicos, o cultivo da coragem em face das vicissitudes.
Em "O Evangelho segundo o Espiritismo", lê-se numa comunicação do Espírito de Lázaro (Paris, 1863): "A doutrina de Jesus ensina, em todos os seus pontos, a obediência e a resiggnação, duas virtudes companheiras da doçura e muito ativas, se bem que os homens erradamente as confundem com a negação do sentimento e da vontade. A obediência é o consentimento da razão; a resignação é o consentimento do coração, forças ativas ambas, porquanto carregam o fardo das provações, que a revolta insensata deixa cair. O pusilânime não pode ser resignado, do mesmo modo que o orgulhoso e o egoísta não podem ser obedientes. Jesus foi a encarnação dessas virtudes que a antiguidade material desprezava."
É dever da criatura humana reagir nobremente em face das vicissitudes. É essencial não confundir resignação com covardia. Esta é uma "resignação" compulsória. imposta pela incapacidade de convocar todas as energias para enfrentar corajosamente as situações graves. A verdadeira resignação é serena e consciente. Ela resume o controle da situação em que se vê envolvida a criatura, dando-lhe meios de raciocinar e aceitar o fato consumado, desde que, efetivmnente, não possua elementos para desfazê-lo. Mesmo assim, a resignação, e não o desânimo, pode revestir-se do caráter ativo, reagindo. Como reagir? Fortalecendo-se na prece e exemplificando as lições evangélicas, com o fito de superar a provação que lhe foi imposta pela lei cármica.
Em outro ponto do Evangelho, Jesus ensina que a resignação não deve ser passiva. Na parábola do amigo importuno, demonstra que este conseguiu ser atendido em virtude da insistência com que procedeu, indiferente à negativa inicial que encontrara. Se não, vejamos: "Se um de vós tiver um amigo e for procurá-lo à meia-noite e lhe disser: Amigo, empresta-me três pães, porque um amigo meu acaba de chegar a minha casa de uma viagem, e nada tenho para lhe oferecer; e se do interior o outro lhe responder: Não me incomodes, a porta já está fechada, eu e meus filhos estamos deitados; não posso levantar-me para vos dar. Digo-vos: Embora não se levante para lhos dar por ser seu amigo, ao menos por causa da sua importunação se levantará e lhe dará quantos pães precisar." Se o solicitante se resignasse com a primeira negativa e se retirasse, teria assumido uma resignação passiva. Entretanto, insistiu, pôs energia para reagir contra o obstáculo e, afinal, triunfou. O mesmo acontece, na vida comum. Muitas vezes, somos feridos por um golpe sério e ficamos como que atordoados. Se o que aprendemos no Espiritismo possui força dentro de nós, começamos a reagir, realizando esforços para conter o desespero que, de outro modo, de nós se apossaria. Essa reação benéfica deixa um lastro de serenidade que nos permitirá, ainda que paulatinamente, reconquistar o domínio de nós mesmos. Ainda que em face do irremediável, temos o recurso da reação através da prece.
Portanto, é falso o conceito de que resignar-se alguém constitui entregar-se ao desânimo, numa atitude passiva. Está no Evangelho: "O homem pode suavizar ou aumentar o amargor de suas provas, conforme a marcha por que encare a vida terrena. Tanto mais sofre ele, quanto mais longa se lhe afigura a duração do sofrimento." A resignação real não exclui a possibilidade de a criatura reagir para sobrepor-se à desventura. Tudo depende, evidentemente, da preparação espiritual de cada um, das reservas morais que possua para resguardar-se do desânimo que precede ou sucede ao desespero, quando este parece em condições de adquirir forma. Esclarece o Espírito de Lacordaire (Havre, 1863, em "O Evangelho segundo o Espiritismo"):
"Quando o Cristo disse: 'Bem-aventurados os aflitos, '0 reino dos céus lhes pertence' , não se referia, de modo geral, aos que sofrem, visto que sofrem todos os que se encontram na Terra, quer ocupem tronos, quer jazam sobre a palha. Mas, ah! Poucos sofrem bem; poucos compreendem que somente as provas bem suportadas podem conduzi-los ao reino de Deus. O desânimo é uma falta. Deus vos recusa consolações, desde que vos falte coragem. A prece é um apoio para a alma; porém, não basta: é preciso tenha por base uma fé viva na bondade de Deus. Todos sabemos que o Pai não coloca fardos pesados em ombros fracos. O fardo é proporcional às forças, como a recompensa o será à resignação e à coragem. Mais opulenta será a recompensa, do que penosa a aflição. Cumpre, porém, merecê-la, e, para isso, é que a vida se apresenta cheia de tribulações."
A Doutrina Espírita, que vem de Jesus, pois é o Consolador Prometido pelo Mestre, prova exuberantemente que a resignação em face das vicissitudes não deve estar isenta da coragem para reagir contra o desânimo. Se assim não fora, as oportunidades proporcionadas pela reencarnação não teriam lugar na vida humana e na vida espiritual. Entretanto, em cada encarnação o Espírito enfrenta possibilidades magníficas de reagir contra os erros do passado, preparando-se para as alvoradas de luz do futuro. Seja qual for a situação, a criatura humana pode amparar-se na resignação ativa, buscando para si mesma, no Evangelho ou na Doutrina codificada por Allan Kardec, o bálsamo para as suas dores, o refrigério para as suas tribulações, a luz que lhe iluminará a trajetória.
Para aqueles que possuem o coração puro e o espírito humilde, as dificuldades da caminhada serão progressivamente atenuadas. Já o disse Jesus: "Bem-aventurados os que têm puro o coração, porque verão a Deus." O caminho mais curto para alcançar a humildade é a resignação consciente, a resignação que reage pela fé, pela energia que fortalece a compreensão do destino humano e pelo trabalho de reerguimento, após cada vicissitude, que revigoriza a trajetória espiritual.
Bem mais fácil é àqueles que não estão alanceados pela dor dar conselhos sobre a resignação; bem mais difícil se torna a recomposição rápida dos que são surpreendidos pelo sofrimento, se seu espírito não se encontra fecundado pelas sublimes lições do Evangelho. Os ensinamentos de Jesus não são expressões supérfluas de uma literatura mística. Eles representam o conteúdo de uma sabedoria que se consolidou no exemplo do Mestre, através do apodo dos ignorantes, das injúrias dos maus, das injustiças dos poderosos, da traição dos pusilânimes e do ódio dos que se enfermaram em cultos incompatíveis com os princípios de amor, de paz e de caridade. Sabedoria que se fortaleceu com a sinceridade dos crentes, com a prece dos que compreenderam os ensinos e as lágrimas daqueles que tiveram sua sensibilidade solicitada no testemunho das horas de amarga provação.
A resignação consciente é a arma da criatura que tem fé, pois que nela se resguarda das tempestades do desespero. Nos momentos cruciais da dor é que se evidencia a potencialidade da fé. Nem foi por outro motivo que Jesus, nas bem-aventuranças a que se referiu no Sermão da Montanha, o poema por Ele composto com o sentimento, disse: "Bem-aventurados os aflitos, pois que serão consolados." Essa consolação se estende a todos, indistintamente, mas aqueles que possuem a virtude da resignação consciente, da resignação ativa, são os que mais depressa recebem o conforto do Alto. Portanto, não se diga que o Cristianismo do Cristo prega o desânimo, porque, na verdade, ele institui a coragem moral como base da obra cristã, ao lado do amor e da caridade. Resignar-se conscientemente é compreender os desígnios da Vida e aceitá-los como se aceita a Verdade. A resignação consciente não despreza a luta pela própria recuperação, não abandona a energia estimulada pela fé racional. Ela trabalha, ativa-se, dinamiza-se, quer através da prece, quer através das ações verticais, porque é uma força espiritual positiva. Não é desalento, mas paciência e confiança nas leis que regem a vida humana e a vida espiritual. Resignação é força, é coragem e, sobretudo, fé, quando não se desvitaliza na passividade doentia nem se destrói no desespero inútil. Resignação consciente significa compreensão lúcida. Foi para os que sabem resignar-se, sem se perderem no tremedal da desesperação, que o Cristo Jesus ensinou à Humanidade, no episódio maravilhoso do "Sermão da Montanha":
"Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus; bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados; bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra; bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos; bem-aventurados os misericordioosos, porque eles alcançarão misericórdia; bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus; bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus; bem-aventurados os que têm sido perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus. Bem-aventurados sois, quando vos injuriarem, vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós, por minha causa. Alegrai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; pois assim perseguiram aos profetas que existiram antes de vós."
Os humildes de espírito sabem, intuitivamente, a importância da resignação esclarecida, porque esta decorre da sua própria humildade, o mesmo sucedendo quanto aos mansos e limpos de coração. Os que choram realizam a prece das lágrimas, mas não devem permitir que estas afoguem a capacidade de reagir, a fim de não se tornarem presas inermes do desalento. Os que têm fome e sede de justiça, os perseguidos e injuriados podem e devem colocar-se espiritualmente em condições de salvaguardar os direitos que deles são próprios, fugindo à violência, mas fortalecendo-se intimamente para resistir às iniqüidades. Os bem-aventurados e misericordiosos, os pacificadores e os justos, estes já se encontram tocados pela graça divina, tanto que externam, pelos atos e pelas palavras, o prêmio que já lhes condecora o espírito.
A resignação tem seu poder espiritual. Todavia, é preciso não permitir que ela se azinhavre ao contacto com o desânimo, porque este é um aspecto da resignação passiva e inútil, enquanto a reconquista do ânimo, a luta pela recuperação da esperança, significam um aspecto da resignação ativa e útil, porque consciente. Entendendo-se assim a resignação, nela encontraremos meios de atenuar, pelo menos, as provações da vida terrena, evitando nos abismemos na desesperança e na desorientação. Peçamos sempre ao Alto que nos dê, nas ocasiões propícias, essa elevada compreensão, a fim de que não falhemos no testemunho.
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