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Terapia do Perdão
Dr. Ricardo de Souza Cavalcante
Quando não perdoamos alguém, ou a nós mesmos, alimentamos inúmeros sentimentos ruins, como a mágoa, o rancor, o ódio e a vingança. Apesar de serem sentimentos fortes, não há em nenhum deles, sequer, algo que faça bem a nossa saúde física, emocional e espiritual.
São sentimentos que fazem, comprovadamente, mal ao nosso organismo, provocando e alimentando doenças, em nossa mente e em nosso corpo, incluindo o aparecimento de tumores malignos.
“Enquanto dormimos / a dor que não se dissipa / cai gota a gota sobre nosso coração / até que / em meio ao nosso desespero / e contra nossa vontade / apenas pela graça divina / vem a sabedoria”
Os versos do poeta grego Ésquilo, escritos há 25 séculos, são considerados por muitos a mais bela conclamação ao perdão jamais escrita. Bob Kennedy recorreu a ela na tarde do dia 4 de abril de 1968 para, durante um comício, consolar a multidão revoltada com a chegada da notícia do assassinato do líder pacifista Martin Luther King. Dois meses depois, o próprio Bob foi morto a tiros.
A Via Maxi, nessa edição de final de ano, quando muitos param para reavaliar atitudes e se propor aos planos de mudanças para o ano que se inicia, procuramos o médico infectologista, Ricardo de Souza Cavalcante, do Hospital das Clínicas de Botucatu e professor da faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP, que também ministra palestras sobre a “Terapia do Perdão” para falar sobre os efeitos clínicos desses sentimentos. Em nossa 30ª edição da revista Via Maxi publicamos alguns trechos da entrevista, porém, aqui, você poderá acompanhá-la na íntegra.
Via Maxi: Como pode ser definido, de fato, o ato de perdoar?
Muitas pessoas acreditam que perdoar é esquecer a ofensa recebida. No entanto, isso é impossível, pois o fato em que ocorreu a ofensa permanecerá em nossa memória. O perdão significa compreender aquele que nos ofendeu de um modo diferente, modificando a nossa intimidade. É a verdadeira educação da alma.
VM: A mágoa tem o poder de provocar problemas físicos e psicológicos? Como ela pode desencadear doenças?
A mágoa sempre surge da raiva, emoção nata da criatura humana, quando mal conduzida. Sempre que nos sentimos ofendidos, agredidos ou acuados, a raiva surge como uma emoção natural. Ela desencadeia uma reação orgânica chamada “estresse”, em que há liberação de adrenalina e cortisol, hormônios que irão agir sobre o sistema cardiovascular e imunológico e sobre o cérebro. Quando fugaz, este fenômeno não traz danos ao organismo. O problema surge quando ocorre de maneira repetitiva. Quando não trabalhamos adequadamente a raiva que sentimos a transformamos em mágoa, e a partir deste momento, periodicamente nos lembramos daquela situação incômoda. O fato é que o nosso cérebro não consegue distinguir uma situação que está acontecendo de uma lembrança de algo que já aconteceu. A lembrança desencadeia a mesma reação de “estresse” liberando adrenalina e cortisol que cronicamente estarão agindo sobre o sistema cardiovascular a desencadear doenças como o infarto agudo do miocárdio, o acidente vascular cerebral; estarão agindo sobre o sistema imune, desmanchando nossas defesas e permitindo a ação deletéria dos agentes infecciosos e das células neoplásicas na formação dos cânceres; estarão agindo sobre o cérebro a desequilibrar os neurotransmissores abrindo portas ao desenvolvimento dos transtornos de ordem emocional como a depressão.
VM: Quem é mais prejudicado quando não perdoamos?
O grande prejudicado pela mágoa é aquele que a sente. A incapacidade de perdoar não é danosa para aquele que ofende, mas para o ofendido. É creditada a Shakespeare uma frase que vem de encontro a isso: “Não perdoar é como beber veneno desejando que o outro morra.” Quem não perdoa carrega consigo um grande fardo que trará no futuro danos físicos, psicológicos e espirituais ao portador da mágoa.
VM: Quais os problemas que a mágoa pode causar em um indivíduo?
Conforme já colocamos anteriormente, a mágoa gera danos físicos, psicológicos e espirituais. De modo geral, as doenças apresenta origem multifatorial. Isto significa que muitos fatores contribuem para a ocorrência delas. Estão bem definidas pela medicina as condições relacionadas ao desenvolvimento de doenças como o sedentarismo, tabagismo, etilismo, alimentação com quantidade excessiva de gorduras e carboidratos entre outros. Quando colocamos que a mágoa pode ser um gerador de doenças significa que este sentimento tem um importante papel na origem destas patologias. Há 2000 anos, Jesus trouxe uma série de recomendações para que pudéssemos perdoar, pois a mágoa é extremamente deletéria em nossas vidas. E este conceito foi resgatado por Allan Kardec na codificação da doutrina espírita, apontando a mágoa e outros sentimentos comuns à criatura humana como altamente deletérios a vida e gerador de doenças. Hoje, as ciências médicas têm estudado este aspecto corroborando esta ideia. Assim identificamos que a mágoa pode estar na gênese das doenças cardiovasculares como o infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral; das neoplasias como os mais diversos tipos de câncer; das doenças infecciosas; dos transtornos de ordem emocional como o transtorno de ansiedade generalizada, as fobias e mesmo a depressão. Também, na doutrina espírita, identificamos outro grande problema. Aquele que é portador de mágoa, mantem pensamentos negativos que muitas vezes atraem espíritos infelizes permitindo a influência destes sobre o indivíduo. Isto pode ser intenso o suficiente para desencadear um processo obsessivo, em que ocorre grande estado perturbação espiritual.
VM: O perdão pode curar doença físicas e mentais?
Participando a mágoa da origem de diversas doenças, certamente o perdão é um remédio salutar para estas condições. Importante lembrar que todas as recomendações indicadas pela medicina também são necessárias no tratamento das doenças. O doutor Dean Ornish, célebre cardiologista norte-americano, escreveu uma obra intitulada “Amor e sobrevivência” que conta casos atendidos por ele e que foram submetidos à terapia do perdão. Conta o dr Ornish que, certa vez, recebeu um seu consultório um homem que sofria de dores no peito. A avaliação médica apontava para um quadro grave de angina, pondo-lhe a vida em risco. Durante sua conversa, Dr. Ornish questionou tal paciente sobre como estava sua vida. Sem que ele pudesse responder, sua esposa, que o acompanhava, disse enfaticamente: “ – A vida dele vai muito mal. Há anos tornou-se uma pessoa raivosa, irritada, agressiva até mesmo com seus familiares. O convívio dentro de casa é péssimo. Eu e nossos filhos não o aguentamos mais.” Diante do desabafo, o médico questionou o paciente se algo havia ocorrido para tal mudança. A esposa, novamente se interpôs: “ – Desde que ele brigou com o rabino, líder da sinagoga que frequentamos.” Diante do fato, o paciente expôs que ele era um homem muito participativo na sinagoga que frequentava. Para quem não sabe, sinagoga é o templo religioso dos judeus. Porém, outra sinagoga foi inaugurada próxima a sua e muitos fiéis passaram a frequentar o novo templo. Sentindo uma ameaça, o paciente exigiu do rabino (líder espiritual dos judeus, assim como é o padre para a igreja católica e o pastor para as igrejas protestantes) uma posição drástica, mas este manteve sua conduta. Tomou-se então de forte raiva com o rabino, e em reunião pública no templo, pôs-se a agredi-lo verbalmente, com calúnias infundadas, para desmoralizá-lo diante de todos. Desde então, guardava uma raiva contida daquele homem, e não mais conseguiu participar, do mesmo modo, de suas atividades no templo. Assim, aos poucos, foi tornando-se esta pessoa amarga, descontente com a vida. Este paciente tinha uma indicação médica de cirurgia para revascularizar as artérias coronárias, que são aquelas que irrigam o coração. O risco de um infarto do miocárdio era grande. No entanto, Dr. Ornish optou por esperar. Apenas ofereceu-lhe um tratamento clínico, a base de medicamentos e propôs-lhe uma medida que considerava essencial ao tratamento: seu paciente deveria pedir perdão ao seu desafeto. Inicialmente, o homem relutou. Sentia vergonha, acreditava que seria um covarde se tomasse tal medida. Mas, aos poucos, com a ajuda da esposa e algumas consultas este paciente foi convencido. Ele iria pedir perdão e isso seria em público, assim como foi seu momento de ira. Conta este paciente que em uma reunião, levantou-se e pediu a palavra. Emocionado começou a dizer tudo que estava em seu coração. Pediu perdão ao rabino, e disse que muitas vezes sentia inveja do líder judaico. Abraçaram-se junto a lágrimas e soluços. Dr. Ornish relata que a melhora clínica deste paciente foi tão evidente que a medida cirúrgica foi cancelada.
VM: Os efeitos são os mesmos para quem perdoa alguém, quanto para quem se auto perdoa?
O auto perdão é o primeiro passo que devemos realizar para sermos capazes de perdoar. Antes de compreender aquele que nos ofendeu é necessário compreender a si mesmo e aceitar-se com nossas virtudes e defeitos. Sócrates, célebre filósofo grego, difundia um pensamento que leu na entrada de um oráculo “Conhece-te a ti mesmo”, nos ensinando a grande importância da auto aceitação. Jesus também trouxe esta mesma ideia. No evangelho de Mateus, capítulo 5, versículos de 25 a 26, encontramos a seguinte passagem de Jesus: “Reconciliai-vos o mais depressa possível com o vosso adversário, enquanto estais com ele a caminho, para que ele não vos entregue ao juiz, o juiz não voz entregue ao ministro da justiça e não sejais metido em prisão. – Digo-vos, em verdade, que daí não saireis, enquanto não houverdes pago o último ceitil.” Esta conhecida passagem de Jesus geralmente é interpretada como a necessidade da reconciliação com os adversários externos, aqueles indivíduos que nos causaram mal. Mas, podemos olhar estas palavras de modo mais profundo, como fez Joana de Ângelis na obra Triunfo Pessoal, psicografia de Divaldo Franco. A autora aponta que este adversário pode ser o adversário interno, os sentimentos que nos perturbam a alma, o orgulho ferido que foi o gerador da mágoa e do ressentimento. Uma importante observação deve ser feita: quem causa a mágoa em nós não é aquele que ofende, mas nós mesmos. É o modo como trabalhamos a situação que gera a mágoa. Carl Jung, psiquiatra e psicanalista suíço, fundador da psicologia analítica, propunha que todos nós temos uma sombra psíquica que contém todos os sentimentos que portamos e não aprovamos. São feridas da alma que adquirimos nesta ou em outras existências e que ficaram mal resolvidas. Quando alguém tem uma atitude conosco que faz desabrochar algum destes sentimentos escondidos, nos sentimos ofendidos. É como alguém que coloca o dedo em uma ferida na nossa pele – sentimos dor. Se o dedo é colocado na pele sã, nenhum incômodo sentimos. O mesmo acontece com a alma – se cutucada na ferida sentiremos dor. Por isso, o primeiro adversário que temos de enfrentar somos nós mesmos, os adversários internos. Foi isto que Jesus provocou na multidão que se preparava para o apedrejamento da mulher adultera. Quando questionado se a mulher deveria ou não ser apedrejada, Jesus pôs-se a desenhar na areia símbolos que representavam as faltas da criatura humana, permitindo uma reflexão daquela multidão sobre o conteúdo de sua sombra psíquica e fazendo-os ter consciência de que também possuíam faltas. A percepção da falibilidade da criatura humana que erra assim como seu semelhante é o primeiro passo para o perdão. Esta aceitação de si mesmo como criatura falível, em processo de evolução, este auto conhecimento, representa o auto perdão. Por isso, Jesus disse que deveríamos nos reconciliar com o adversário enquanto estivéssemos a caminho com ele – é na hora da ofensa que o sentimento guardado se manifesta e é nesse momento que devemos trabalhar com ele. Caso contrário, seremos entregues ao juiz e ao ministro da justiça que nada mais são do que a nossa própria consciência, pois é ela que nos julga, é nela que está escrita a lei divina. Entregues à nossa consciência, esta nos cobrará e nos sentiremos culpados – a culpa é a prisão anunciada por Jesus, da qual apenas sairemos até expiar todo o sentimento negativo. Portanto, certamente os efeitos do auto perdão são tão benéficos quanto aqueles oriundos do perdão a outrem.
VM: Quem ganha mais ao perdoar?
O maior beneficiado do perdão é aquele que perdoa. Como já apresentamos anteriormente, o indivíduo magoado sofre muitos danos pelo sentimento que carrega e, portanto, é o que mais se beneficia com o perdão. Para aquele que ofende também há benefício, em especial se foi uma ofensa intencional. Na doutrina espírita temos o conceito de que toda criatura humana tem em sua consciência as leis divinas, mesmo que momentaneamente não as perceba. Mas, no íntimo é possível discernirmos o que podemos ou não realizar na vida. Quando cometemos uma ação deletéria para alguém, nossa consciência cobrará de nós pelo ato indevido, seja nesta existência ou nas futuras. Uma das etapas para que possamos obter a paz de consciência é o reconciliamento com aqueles a quem prejudicamos em algum momento de nossa jornada. Por isso, o perdão também beneficia o perdoado.
VM: É possível perdoar alguém, mesmo estando ainda magoada com ele?
O perdão não ocorrerá enquanto houver a mágoa. É necessária uma mudança de sentimento. Por isso, dizemos que o perdão não é um ato pontual, mas um processo longo, porque deve ser construído em nossa intimidade. Em “O Livro dos Espíritos”, obra inaugural da doutrina espírita, Allan Kardec traz a seguinte questão: “Qual o verdadeiro sentido da palavra caridade, como a entendia Jesus? R: Benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros, perdão das ofensas.” Em geral, quando pensamos em caridade, mentalizamos o ato de doar um bem material a alguém necessitado. Esta é a caridade material, a mais simples de ser praticada, uma obrigação de nossa parte, visto que nada de material possuímos, apenas temos o direito transitório do usufruto. A única propriedade da criatura é a sua intimidade. Por isso, estamos verdadeiramente a dar quando damos a nós mesmos. É a caridade moral. Aquela que deve ser exercida para com todos, principalmente com aqueles que estão a nossa volta – familiares, amigos, companheiros de trabalho. O perdão representa o ato mais elevado da caridade, ou podemos dizer do amor incondicional que Jesus nos ensinou. Porém, para alcançá-lo antes é preciso exercer a benevolência e a indulgência. A benevolência é fazer o bem mesmo quando nos é oferecido o mal. Certa vez, na Índia ainda dominada pela cora inglesa, os indianos não podiam transitar pela mesma calçada que os ingleses. Gandhi andava pela rua, sem temer a repreensão, foi abordado por um soldado que lhe deferiu um golpe com seu cacetete, atirando no chão. Se esboçar reação agressiva, pois seu lema era a não violência, levantou-se e continuou a caminhar, quando novamente o soldado lhe agrediu derrubando-o no chão. Diante da situação e indignado com a postura de Gandhi, o soldado lhe indagou: “ – Com quem aprendeu a ser tão covarde?”. Gandhi com sua serenidade, apontou o peito do soldado e disse-lhe: “Este homem que você carrega no peito”. O soldado portava um crucifixo com a imagem de Jesus. O homem percebendo a brutalidade que fizera deu as mãos a Gandhi ajudando a levantar-se e pedindo-lhe perdão. Este é o exemplo da benevolência. É retribuir com o bem o mal que alguém lhe fez. O passo seguinte à benevolência é a indulgência. As grandes mágoas que carregamos na alma são de pessoas da nossa intimidade. Jesus nos alertou o seguinte, conforme está escrito no evangelho de Mateus, capítulo 7, versículos de 3 a 5: “Como é que vedes um argueiro no olho do vosso irmão, quando não vedes uma trave no vosso olho? – Ou, como é que dizeis ao vosso irmão: Deixa-me tirar um argueiro do teu olho, vós que tendes no vosso uma trave? – Hipócritas, tirai primeiro a trave do vosso olho e depois, então, vede como podereis tirar o argueiro do olho do vosso irmão”. Devemos ser vigilantes. Sempre que nos percebermos observando incomodados com os defeitos alheios, em especial daqueles que nos são próximos e íntimos, devemos nos lembrar que também temos defeitos que causam os mesmos incômodos nos outros. É a sombra psíquica, ensinada por Jung, a se manifestar neste momento, oportunidade que devemos aproveitar para trabalhar este sentimento em nós. Devemos nos indagar por que este defeito do outro me incomoda? Não haverá algo em mim que devo melhorar para que este defeito não me incomode mais? Somente após obtermos o auto perdão, que representa a aceitação de si próprio, exercer a benevolência e a indulgência é que conseguiremos perdoar verdadeiramente. Por isso, o perdão é um processo construído em nossa intimidade e que devemos por em prática no dia a dia.
VM: Perdoar significa necessariamente reconciliar-se com a pessoa que o perturbou?
Para aquele que verdadeiramente perdoa, a reconciliação é uma vontade presente. Estar de bem com a outra pessoa nos faz sentirmos bem. No entanto, nas relações humanas, em geral, somos ofendidos como também ofendemos. Para que ocorra a reconciliação é necessário que as duas partes estejam dispostas a isto, o que nem sempre acontece de pronto. Às vezes, uma das partes perdoa e deseja a reconciliação, mas a outra, ainda magoada não aceita. Para aquele que perdoa, os benefícios do perdão virão independentemente se outro quer ou não ser perdoado, pois os ganhos ocorrem na intimidade do ser. Nestes casos, o tempo, e as experiências sofridas, e a mudança de postura daquele que já perdoou levarão a outra parte também a perdoar.
VM: Este é um ponto de vista religioso, ou já foi confirmado pela ciência?
O conceito do perdão decorre de um ponto de vista religioso. Todas as religiões são dotadas de conteúdo moral semelhante, e a ideia do perdão é inânime entre elas. Alguns podem combater esta ideia confundindo a religião com certos religiosos radicais que ainda não compreenderam o conteúdo da doutrina que professam e comportam-se com intolerância. A ciência tem cada vez mais adentrado neste campo, pois o preconceito de que estes assuntos não fazem parte do escopo científico tem se tornado menor. Charlotte Van Oyen Witvliet, professora de psicologia do Hope College – Michigan – EUA, realizou um experimento com 71 voluntários pedindo a eles que se lembrassem de algum episódio que tenha causado grande mágoa em suas vidas. Monitorizados, foi possível detectar ao aumento da pressão arterial, da frequência cardíaca e do tônus muscular, semelhante ao que se observa durante uma crise de raiva. Quando ordenou que estes indivíduos mentalizassem o entendimento e o perdão com aqueles que os feriram, observou redução dos níveis de pressão arterial, frequência cardíaca e tônus muscular. A Dra. Charlotte Witvliet é uma grande pesquisadora dos efeitos do perdão, com diversos estudos publicados nesta área. O mesmo experimento foi repetido pela Dra. Britta Larsen, da Universidade da Califórnia – EUA, com 200 voluntários obtendo os mesmos resultados, indicando uma elevada evidência científica dos benefícios do perdão.
VM: Há alguns anos a medicina era mais cética, hoje, existem médicos que acreditam que a fé influencia diretamente na cura. Explique essa situação?
Durante muitos séculos a humanidade utilizou-se da religião como forma de interpretação da vida. Mas, no século XVIII, com o surgimento do Iluminismo, a ciência ganhou força e passou a ditar as regras da sociedade. Neste contexto, a ciência médica esqueceu-se do aspecto espiritual da vida limitando a existência humana apenas ao organismo físico de que somos feitos. Assim, a medicina encara a gênese das doenças como resultado da interação entre os estímulos do ambiente e a carga genética do indivíduo. Se alguém tem um infarto agudo do miocárdio é porque tem predisposição familiar e se expõe a fatores de risco como o sedentarismo, o tabagismo ou a alimentação inadequada. Mais recentemente na história da medicina, alguns pesquisadores começaram a perceber a importância da mente sobre o corpo. Foram identificadas alterações orgânicas em decorrência do estado mental do indivíduo. É o caso de pessoas com depressão que tem maior facilidade para adquirir doenças infecciosas, pois o estado depressivo provoca uma queda das defesas do organismo. Apesar deste aspecto, a mente ainda é vista pela ciência médica como um produto do cérebro, restrita ao comando dos neurônios e suas conexões. Este modo de encarar a vida e a natureza como obras do acaso e negar a existência de uma transcendência é o que chamamos de reducionismo. A medicina reduz o homem a um aglomerado de células que podem funcionar harmônica ou desarmonicamente (quando estamos doentes). Ocorre que esta visão não têm sido suficiente para explicar os fatos referentes à saúde das pessoas e muitos pesquisadores passaram a considerar que além do corpo deveria haver algo transcendente, uma alma. Muitas pesquisas têm sido feitas nesta área indicando que a abordagem médica não deve se restringir apenas ao cuidar do corpo, mas também compreender a espiritualidade da criatura humana, que se apresenta de modo fundamental na vida das pessoas. Esta abordagem não tem a intensão de converter ninguém à determinada religião. Ela busca utilizar a fé que o indivíduo já possui para auxiliar no seu processo terapêutico. A crença pode contribuir para a pessoa enfrentar a doença de modo mais tranquilo e ser mais proativo no seu tratamento. Também é possível contar com o apoio do líder religioso que pode contribuir para uma melhor adesão ao tratamento médico. O apoio social oferecido nas instituições religiosas também é muito importante. Considerando que os sentimentos são agentes importantes na origem das doenças, uma abordagem da espiritualidade e religiosidade do indivíduo se faz altamente impactante em seu processo de cura. Por tudo isso, é que muitos médicos têm abordado esta questão e utilizado a espiritualidade e a religiosidade de cada paciente para contribuir em sua terapia.
VM: Existem pesquisas que estudam a relação Fé / Cura?
Atualmente, existem mais de 40.000 pesquisas médicas que avaliam os efeitos benéficos da abordagem da espiritualidade e da religiosidade no processo de cura das doenças. Um destaque deve ser feito para o Dr. Harold Koenig, médico, professor de psiquiatria e medicina da Faculdade de Medicina da Universidade de Duke (Duke University Medical Center), na Carolina do Norte, Estados Unidos. O Dr. Koenig é um grande pesquisador na área de saúde e espiritualidade e já esteve em visita no Brasil. A evidência científica desta abordagem espiritual se tornou algo tão concreto que hoje já se somam 100 faculdades médicas norte-americanas que criaram uma disciplina de fé e medicina. No Brasil, ainda estamos iniciando este processo nas faculdades médicas. Mas, em termos de pesquisa, muito se tem feito por aqui. Vale destacar o geriatra Giancarlo Lucchetti e o psiquiatra Alexander Moreira Almeida que são professores da Universidade Federal de Juiz de Fora – MG e o Dr. Sérgio Felipe de Oliveira que fundou o Pineal Mind, instituto que realiza pesquisas nesta área. Estudos têm sido realizados nas principais Universidades do estado de São Paulo, como UNESP, USP, UNICAMP e UNIFESP. Em Botucatu, junto a Associação Médico-Espírita e Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP, temos realizado uma pesquisa com voluntários para estudar os efeitos terapêuticos do passe espírita sobre o tratamento da ansiedade. Os resultados ainda são parciais, mas observamos impressionante melhora do nível de ansiedade nas pessoas submetidas a este tratamento.
Ricardo de Souza Cavalcante é médico infectologista da Comissão de Controle de Infecção Relacionada à Assistência à Saúde (CCIRAS) do Hospital das Clínicas de Botucatu; professor substituto da disciplina de Moléstias Infecciosas e Parasitárias do Departamento de Doenças Tropicais da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP; coordenador do ambulatório de infecções fúngicas e vice coordenador do serviço de infecções em transplantados do Hospital das Clínicas de Botucatu; presidente da Associação Médico-Espírita de Botucatu; membro do projeto de extensão Saúde e Espiritualidade da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP.
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