quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

O Mestre e o Apóstolo

O Mestre e o Apóstolo

Emmanuel (espírito)

Jesus refere-se a Deus, junto da fé sem obras.

Kardec fala de Deus, rente às obras sem fé.

Jesus é combatido, desde a primeira hora do Evangelho, pelos que se acomodam na sombra.

Kardec é impugnado desde o primeiro dia do Espiritismo, pelos que fogem da luz.

Jesus caminha sem convenções.

Kardec age sem preconceitos.

Jesus exige coragem de atitudes.

Kardec reclama independência mental.

Jesus convida ao amor.

Kardec impele à caridade.

Jesus consola a multidão.

Kardec esclarece o povo.

Jesus acorda o sentimento.

Kardec desperta a razão.

Jesus constrói.

Kardec consolida.

Jesus revela.

Kardec descortina.

Jesus propõe.

Kardec expõe.

Jesus lança as bases do Cristianismo, entre fenômenos mediúnicos.

Kardec recebe os princípios da Doutrina, através da mediunidade.

Jesus afirma que é preciso nascer de novo.

Kardec explica a reencarnação.

Jesus reporta-se a outras moradas.

Kardec menciona outros mundos.

Jesus espera que a verdade emancipe os homens; ensina que a justiça atribui a cada um pelas próprias obras e anuncia que o Criador será adorado, na Terra, em espírito.

Kardec esculpe na consciência as leis do Universo.

Em suma, diante do acesso aos mais altos valores da vida, Jesus e Kardec estão perfeitamente conjugados pela Sabedoria Divina.

Jesus, a porta.

Kardec, a chave.

EMMANUEL (Opinião Espírita, cap. 2, CEC)

Allan Kardec em "O consolador"


7. Allan Kardec

1 A ação de Bonaparte, invadindo as searas alheias com o seu movimento de transformação e conquistas, fugindo à finalidade de missionário da reorganização do povo francês, compeliu o mundo espiritual a tomar enérgicas providências contra o seu despotismo e vaidade orgulhosa. 2 Aproximavam-se os tempos em que Jesus deveria enviar ao mundo o Consolador, de acordo com as suas auspiciosas promessas.
3 Apelos ardentes são dirigidos ao Divino Mestre, pelos gênios tutelares dos povos terrestres. 4 Assembleias numerosas se reúnem e confraternizam nos Espaços, nas Esferas mais próximas da Terra. 5 Um dos mais lúcidos discípulos do Cristo baixa ao planeta, compenetrado de sua missão consoladora, e, dois meses antes de Napoleão Bonaparte sagrar-se imperador, obrigando o papa Pio VII W a coroá-lo na igreja de Notre Dame, W em Paris, nascia Allan Kardec, aos 3 de outubro de 1804, com a sagrada missão de abrir caminho ao Espiritismo, a grande voz do Consolador prometido ao mundo pela misericórdia de Jesus-Cristo.

.Emmanuel


Em verdade vos digo: os que carregam seus fardos e assistem os seus irmãos são os meus bem-amados. Instrui-vos na preciosa doutrina que dissipa o erro das revoltas e vos ensina o objetivo sublime da prova humana. Como o vento varre a poeira, que o sopro dos Espíritos dissipe a vossa inveja dos ricos do mundo, que são freqüentemente os mais miseráveis, porque suas provas são mais perigosas que as vossas. Estou convosco, e meu apóstolo vos ensina. Bebei na fonte viva do amor, e preparai-vos, cativos da vida, para vos lançardes um dia, livres e alegres, no seio daquele que vos criou fracos para vos tornar perfeitos, e deseja que modeleis vós mesmos a vossa dócil argila, para serdes os artífices da vossa imortalidade.                                        

ESE 6-6

Kardec e Napoleão

Kardec e Napoleão

Irmão X


Logo após o 18 Brumário (9 de novembro de 1799) quando Napoleão se fizera o Primeiro-Cônsul da República Francesa, reuniu-se, na noite de 31 de dezembro de 1799, no coração da latinidade, nas Esferas Superiores, grande assembleia de Espíritos sábios e benevolentes, para marcarem a entrada significativa do novo século.

Antigas personalidades de Roma imperial, pontífices e guerreiros das Gálias, figuras notáveis da Espanha, ali se congregavam à espera do expressivo acontecimento.

Legiões dos Césares, com os seus estandartes, falanges de batalhadores do mundo gaulês e grupos de pioneiros da evolução hispânica, associados a múltiplos representantes das Américas, guardavam linhas simbólicas de posição de destaque.

Mas não somente os latinos se faziam representados no grande conclave. Gregos ilustres, lembrando as confabulações da Acrópole gloriosa, israelitas famosos, recordando o Templo de Jerusalém, deputações eslavas e germânicas, grandes vultos da Inglaterra, sábios chineses, filósofos hindus, teólogos budistas, sacrificadores das divindades olímpicas, renomados sacerdotes da Igreja Romana e continuadores de Maomé ali se mostravam, como em vasta convocação de forças da ciência e da cultura da Humanidade.

No concerto das brilhantes delegações que aí formavam, com toda a sua fulguração representativa, surgiam Espíritos de velhos batalhadores do progresso que voltariam à liça carnal ou que a seguiriam, de perto, para o combate à ignorância e à miséria, na laboriosa preparação da nova era da fraternidade e da luz.

No deslumbrante espetáculo da Espiritualidade Superior, com a refulgência de suas almas, achavam-se Sócrates, Platão, Aristóteles, Apolônio de Tiana, Orígenes, Hipócrates, Agostinho, Fénelon, Giordano Bruno, Tomás de Aquino, S. Luís de França, Vicente de Paulo, Joana D’Arc, Teresa d’Avila, Catarina de Siena, Bossuet, Spinoza, Erasmo, Milton, Cristóvão Colombo, Gutenberg, Galileu, Pascal, Swedenborg e Dante Alighieri, para mencionar apenas alguns heróis e paladinos da renovação terrestre; e, em plano menos brilhante, encontravam-se, no recinto maravilhoso, trabalhadores de ordem inferior, incluindo muitos dos ilustres guilhotinados da Revolução, quais Luiz XVI, Maria Antonieta, Robespierre, Danton, Madame Roland, André Chenier, Bailly, Camille Desmoulins e grandes vultos como Voltaire e Rousseau.

Depois da palavra rápida de alguns orientadores eminentes, invisíveis clarins soaram na direção do plano carnal e, em breves instantes, do seio da noite, que velava o corpo ciclópico do mundo europeu, emergiu, sob a custódia de esclarecidos mensageiros, reduzido cortejo de sombras, que pareciam estranhas e vacilantes, confrontadas com as feéricas irradiações do palácio festivo.

Era um grupo de almas, ainda encarnadas, que, constrangidas pela Organização Celeste, remontavam à vida espiritual, para a reafirmação de compromissos.

À frente, vinha Napoleão, que centralizou o interesse de todos os circunstantes. Era bem o grande corso, com os seus trajes habituais e com o seu chapéu característico.

Recebido por diversas figuras da Roma antiga, que se apressavam em oferecer-lhe apoio e auxílio, o vencedor de Rivoli ocupou radiosa poltrona que, de antemão, lhe fora preparada.

Entre aqueles que o seguiam, na singular excursão, encontravam-se respeitáveis autoridades reencarnadas no Planeta, como Beethoven, Ampère, Fulton, Faraday, Goethe, João Dalton, Pestalozzi, Pio VII, além de muitos outros campeões da prosperidade e da independência do mundo.

Acanhados no veículo espiritual que os prendia à carne terrestre, quase todos os recém-vindos banhavam-se em lágrimas de alegria e emoção.

O Primeiro-Cônsul da França, porém, trazia os olhos enxutos, não obstante a extrema palidez que lhe cobria a face. Recebendo o louvor de várias legiões, limitava-se a responder com acenos discretos, quando os clarins ressoaram, de modo diverso, como se se pusessem a voar para os cimos, no rumo do imenso infinito...

Imediatamente uma estrada de luz, à maneira de ponte levadiça, projetou-se do Céu, ligando-se ao castelo prodigioso, dando passagem a inúmeras estrelas resplendentes.

Em alcançando o solo delicado, contudo, esses astros se transformavam em seres humanos, nimbados de claridade celestial.

Dentre todos, no entanto, um deles avultava em superioridade e beleza. Tiara rutilante brilhava-lhe na cabeça, como que a aureolar-lhe de bênçãos o olhar magnânimo, cheio de atração e doçura. Na destra, guardava um cetro dourado, a recamar-se de sublimes cintilações...

Musicistas invisíveis, através dos zéfiros que passavam apressados, prorromperam num cântico de hosanas, sem palavras articuladas.

A multidão mostrou profunda reverência, ajoelhando-se muitos dos sábios  e guerreiros, artistas e pensadores, enquanto todos os pendões dos vexilários arriavam, silenciosos, em sinal de respeito.

Foi então que o grande corso se pôs em lágrimas e, levantando-se, avançou com dificuldade, na direção do mensageiro que trazia o báculo de ouro, postando-se, genuflexo, diante dele.

O celeste emissário, sorrindo com naturalidade, ergueu-o, de pronto, e procurava abraçá-lo, quando o Céu pareceu abrir-se diante de todos, e uma voz enérgica e doce, forte como a ventania e veludosa como a ignorada melodia da fonte, exclamou para Napoleão, que parecia eletrizado de pavor e júbilo, ao mesmo tempo:

– Irmão e amigo, ouve a Verdade, que te fala em meu espírito! Eis-te à frente do apóstolo da fé, que, sob a égide do Cristo, descerrará para a Terra atormentada um novo ciclo de conhecimento...

César ontem, e hoje orientador, rende o culto de tua veneração, ante o pontífice da luz! Renova, perante o Evangelho, o compromisso de auxiliar-lhe a obra renascente!...

Aqui se congregam conosco lidadores de todas as épocas. Patriotas de Roma e das Gálias, generais e soldados que te acompanharam nos conflitos da Farsália, de Tapso e de Munda, remanescentes das batalhas de Gergóvia e de Alésia aqui te surpreendem com simpatia e expectação... Antigamente, no trono absoluto, pretendias-te descendente dos deuses para dominar a Terra e aniquilar os inimigos... Agora, porém, o Supremo Senhor concedeu-te por berço uma ilha perdida no mar, para que te não esqueças da pequenez humana e determinou voltasses ao coração do povo que outrora humilhaste e escarneceste, a fim de que lhe garantas a missão gigantesca, junto da Humanidade, no século que vamos iniciar.

Colocado pela Sabedoria Celeste na condição de timoneiro da ordem, no mar de sangue da Revolução, não olvides o mandato para o qual foste escolhido.

Não acredites que as vitórias das quais foste investido para o Consulado devam ser atribuídas exclusivamente ao teu gênio militar e político. A Vontade do Senhor expressa-se nas circunstâncias da vida. Unge-te de coragem para governar sem ambição e reger sem ódio. Recorre à oração e à humildade para que te não arrojes aos precipícios da tirania e da violência!...

Indicado para consolidar a paz e a segurança, necessárias ao êxito do abnegado apóstolo que descortinará a era nova, serás visitado pelas monstruosas tentações do poder.

Não te fascines pela vaidade que buscará coroar-te a fronte... Lembra-te de que o sofrimento do povo francês, perseguido pelos flagelos da guerra civil, é o preço da liberdade humana que deves defender, até o sacrifício. Não te macules com a escravidão dos povos fracos e oprimidos e nem enlameies os teus compromissos com o exclusivismo e com a vingança!...

Recorda que, obedecendo a injunções do pretérito, renasceste para garantir o ministério espiritual do discípulo de Jesus que regressa à experiência terrestre, e vale-te da oportunidade para santificar os excelsos princípios da bondade e do perdão, do serviço e da fraternidade do Cordeiro de Deus, que nos ouve em seu glorificado sólio de sabedoria e de amor!

Se honrares as tuas promessas, terminarás a missão com o reconhecimento da posteridade e escalarás horizontes mais altos da vida, mas, se as tuas responsabilidades forem menosprezadas, sombrias aflições amontoar-se-ão sobre as tuas horas, que passarão a ser gemidos escuros em extenso deserto...

Dentro do novo século, começaremos a preparação do terceiro milênio do Cristianismo na Terra.

Novas concepções de liberdade surgirão para os homens, a Ciência erguer-se-á a indefiníveis culminâncias, as nações cultas abandonarão para sempre o cativeiro e o tráfico de criaturas livres, e a religião desatará os grilhões do pensamento que, até hoje, encarceram as melhores aspirações da alma no inferno sem perdão!...

Confiamos, pois, ao teu espírito valoroso a governança política dos novos eventos e que o Senhor te abençoe!...

Cânticos de alegria e esperança anunciaram nos céus a chegada do século XIX e, enquanto o Espírito da Verdade, seguido por várias coortes resplandecentes, voltava para o Alto, a inolvidável assembleia se dissolvia...

O apóstolo que seria Allan Kardec, sustentando Napoleão nos braços, conchegou-o de encontro ao peito e acompanhou-o, bondosamente, até religá-lo ao corpo de carne, no próprio leito.

Em 3 de outubro de 1804, o mensageiro da renovação renascia num abençoado lar de Lião, mas o Primeiro-Cônsul da República Francesa, assim que se viu desembaraçado da influência benéfica e protetora do Espírito de Allan Kardec e de seus cooperadores, que retomavam, pouco a pouco, a integração com a carne, confiantes e otimistas, engalanou-se com a púrpura do mando, e, embriagado de poder, proclamou-se Imperador, em 18 de maio de 1804, ordenando a Pio VII viesse coroá-lo em Paris.

Napoleão, contudo, convertendo celestes concessões em aventuras sanguinolentas, foi apressadamente situado, por determinação do Alto, na solidão curativa de Santa Helena, onde esperou a morte, enquanto Allan Kardec, apagando a própria grandeza, na humildade de um mestre-escola, muita vez atormentado e desiludido, como simples homem do povo, deu integral cumprimento à divina missão que trazia à Terra, inaugurando a era espírita-cristã, que, gradativamente, será considerada em todo os quadrantes do orbe como a sublime renascença da luz para o mundo inteiro.


Do livro Cartas e Crônicas, de Irmão X, obra psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier.

A ORDEM DO MESTRE

A  ORDEM  DO  MESTRE

Humberto de Campos

Avizinhando-se o Natal, havia também no Céu um rebuliço de alegrias suaves. Os Anjos acendiam estrelas nos cômoros de neblinas douradas e vibravam no ar as harmonias misteriosas que encheram um dia de encantadora suavidade a noite de Belém. Os pastores do paraíso cantavam e, enquanto as harpas divinas tangiam suas cordas sob o esforço caricioso dos zéfiros da imensidade, o Senhor chamou o Discípulo Bem-Amado ao seu trono de jasmins matizados de estrelas.
O vidente de Patmos não trazia o estigma da decrepitude como nos seus últimos dias entre as Espórades. Na sua fisionomia pairava aquela mesma candura adolescente que o caracterizava no princípio do seu apostolado.
- João – disse-lhe o Mestre – lembras-te do meu aparecimento na Terra?
- Recordo-me, Senhor. Foi no ano 749 da era romana, apesar da arbitrariedade de frei Dionísios, que colocou erradamente o vosso natalício em 754, calculando no século VI da era cristã.
- Não, meu João – retornou docemente o Senhor – não é a questão cronológica que me interessa em te argüindo sobre o passado. É que nessas suaves comemorações vem até mim o murmúrio doce das lembranças!...
- Ah! sim, Mestre Amado – retrucou pressuroso o Discípulo – compreendo-vos. Falais da significação moral do acontecimento. Oh!...se me lembro... a manjedoira, a estrela guiando os poderosos ao estábulo humilde, os cânticos harmoniosos dos pastores, a alegria ressoante dos inocentes, afigurando-se-nos que os animais vos compreendiam mais que os homens, aos quais ofertáveis a lição da humildade com o tesouro da fé e da esperança. Naquela noite divina, todas as potências angélicas do paraíso se inclinaram sobre a Terra cheia de gemidos e de amargura para exaltar a mansidão e a piedade do Cordeiro. Uma promessa de paz desabrochava para todas as coisas com o vosso aparecimento sobre o mundo. Estabelecera-se um noivado meigo entre a Terra e o Céu e recordo-me do júbilo com que Vossa Mãe vos recebeu nos seus braços feitos de amor e de misericórdia. Dir-se-ia, Mestre, que as estrelas de ouro do paraíso fabricaram, naquela noite de aromas e de radiosidades indefiníveis um mel divino no coração piedoso de Maria!...
Retrocedendo no tempo, meu Senhor bem-amado, vejo o transcurso da vossa infância, sentindo o martírio de que fostes objeto; o extermínio das crianças de Vossa idade, a fuga nos braços carinhosos da Vossa progenitora, os trabalhos manuais em companhia de José, as vossas visões maravilhosas no Infinito, em comunhão constante com o Vosso e nosso Pai, preparando-Vos para o desempenho da missão única que Vos fez abandonar por alguns momentos os palácios de sol da mansão celestial para descer sobre as lamas da Terra.
- Sim, meu João, e, por falar nos meus deveres, como seguem no mundo as coisas atinentes à minha doutrina?
- Vão mal, meu Senhor. Desde o concílio ecumênico de Nicéia, efetuado para combater o cisma de Ario em 325, as vossas verdades são deturpadas. Ao arianismo seguiu-se o movimento dos inconoclastas em 787 e tanto contrariaram os homens o Vosso ensinamento de pureza e de simplicidade, que eles próprios nunca mais se entenderam na interpretação  dos textos evangélicos.
- Mas não te recordas, João, que a minha doutrina era sempre acessível a todos os entendimentos? Deixei aos homens a lição do caminho, da verdade e da vida sem lhes haver escrito uma só palavra.
- Tudo isso é verdade, Senhor, mas logo que regressastes aos vossos impérios resplandecentes, reconhecemos a necessidade de legar à posteridade os vossos ensinamentos. Os evangelhos constituem a vossa biografia na Terra; contudo, os homens não dispensam, em suas atividades, o véu da matéria e do símbolo. A todas as coisas puras da espiritualidade adicionam a extravagância de suas concepções. Nem nós e nem os evangelhos poderíamos escapar. Em diversas basílicas de Rávena e de Roma, Mateus é representado por um jo0vem, Marcos por um leão, Lucas por um touro e eu, Senhor, estou ali sob o símbolo estranho de uma águia.
- E os meus representante, João, que fazem eles?
- Mestre, envengonho-me de o dizer. Andam quase todos mergulhados nos interesses da vida material. Em sua maioria, aproveitam-se das oportunidades para explorar o vosso nome e, quando se voltam para o campo religioso, é quase que apenas para se condenarem uns aos outros, esquecendo-se de que lhes ensinastes a se amarem como irmãos.
- As discussões e os símbolos, meu querido – disse-lhe suavemente o Mestre – não me impressionam tanto. Tiveste, como eu, necessidade destes últimos, para as predicações e, sobre a luta das idéias, não te lembras quanta autoridade fui obrigado a despender, mesmo depois da minha volta da Terra, para que Pedro e Paulo não se tornassem inimigos? Se entre meus apóstolos prevaleciam semelhantes desuniões, como poderíamos eliminá-las do ambiente dos homens, que não me viram, sempre inquietos nas suas indagações? ... O que me contrista é o apego dos meus missionários aos prazeres fugitivos do mundo!
- É verdade, Senhor.
- Qual o núcleo de minha doutrina que detém no momento maior força de expressão?
- É o departamento dos bispos romanos, que se recolheram dentro de uma organização admirável pela sua disciplina, mas altamente perniciosa pelos seus desvios da verdade. O Vaticano, Senhor, que não conheceis, é um amontoado suntuoso das riquezas das traças e dos vermes da Terra. Dos seus palácios confortáveis e maravilhosos irradia-se todo um movimento de escravização das consciências. Enquanto vós não tínheis uma pedra onde repousar a cabeça, dolorida os vossos representantes dormem a sua sesta sobre almofadas de veludo e de ouro; enquanto trazíeis os vossos pés macerados nas pedras do caminho escabroso, quem se inculca como vosso embaixador traz a vossa imagem nas sandálias matizadas de pérolas e de brilhantes. E junto de semelhantes superfluidades e absurdos, surpreendemos os pobres chorando de cansaço e de fome; ao lado do luxo nababesco das basílicas suntuosas, erigidas no mundo como um insulto à glória da vossa humildade e do vosso amor, choram as crianças desamparadas, os mesmos pequeninos a quem estendíeis os vossos braços compassivos e misericordiosos. Enquanto sobram as lágrimas e os soluços entre os infortunados, nos templos, onde se cultua a vossa memória, transbordam moedas em mãos cheias, parecendo, com amarga ironia, que o dinheiro é uma defecação do demônio no chão acolhedor da vossa casa.
- Então, meu Discípulo, não poderemos alimentar nenhuma esperança?
- Infelizmente, Senhor, é preciso que nos desenganemos. Por um estranho contraste, há mais ateus benquistos no Céu do que aqueles religiosos que falavam em vosso nome na Terra.
- Entretanto – sussurraram os lábios divinos docemente – consagro o mesmo amor à humanidade sofredora. Não obstante a negativa dos filósofos, as ousadias da ciência, o apodo dos ingratos, a minha piedade é inalterável... Que sugeres, meu João, para solucionar tão amargo problema?
- Já não dissestes, um dia, Mestre, que cada qual tomasse a sua cruz e vos seguisse?
- Mas prometi ao mundo um Consolador em tempo oportuno!...
E os olhos claros e límpidos, postos na visão piedosa do amor de seu Pai Celestial, Jesus exclamou:
- Se os vivos nos traíram, meu Discípulo Bem-Amado, se traficam com o objeto sagrado da vossa casa, profligando a fraternidade e o amor, mandarei que os mortos falem na Terra em meu nome. Deste Natal em diante, meu João, descerrarás mais um fragmento dos véus misteriosos que cobrem a noite triste dos túmulos para que a verdade ressurja das mansões silenciosas da Morte. Os que já voltaram pelos caminhos ermos da sepultura retornarão à Terra para difundirem a minha mensagem, levando aos que sofrem, coma esperança posta no Céu as claridades benditas do meu amor!...
E desde essa hora memorável, há mais de cinqüenta anos, o Espiritismo veio, com as suas lições prestigiosas, felicitar e amparar na Terra a todas as criaturas.

Humberto de Campos
(Recebida em Pedro Leopoldo a 20 de dezembro de 1935)

Do livro Crônico de Além Túmulo. Psicografia de Francisco Cândido Xavier.