sexta-feira, 17 de junho de 2016

O perdão das ofensas


Paulo Henrique D. Vieira
de Uberlândia, MG

São claras as palavras de Jesus no evangelho de Mateus, 5: 43 e 44: “Ouvistes que foi dito: Amarásao teu próximo, e odiarás ao teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai aos vossos inimigos, e orai pelos que vos perseguem e caluniam; (…)”.

Nesta parte de um de seus evangelhos, Jesus trata de uma das mais complexas dificuldades do ser humano: perdoar à quem o ofende.

Passados dois mil anos, será que nós já conseguimos assimilar e praticar mais efetivamente este preceito do mestre?

Quem de nós nunca sentiu no âmago do ser, o quanto é duro ser humilhado, ser perseguido ou caluniado, muitas vezes indebitamente.

Uma das grandes diferenças entre o comportamento de Jesus e o nosso, é que Ele além de pregar, também exemplificava o que preconizava.

Certa vez depois de proferir uma palestra em um centro espírita, fui abordado por um jovem que disse querer me falar algumas palavras. Aquiesci prontamente, convidando-o a nos sentarmos em um banco que estava próximo.

O jovem me relatou que há algum tempo atrás estava em seu trabalho com um colega e este fizera uma brincadeira de mau gosto com uma funcionária de sua seção. Esta reclamou na gerência e ambos foram chamados em separado pelo gerente da loja para prestar esclarecimentos. Dissera-me ele que como a corda arrebenta sempre do lado mais fraco, seu colega – que ocupava um cargo superior ao seu – atribuíra a autoria da brincadeira a ele e que por mais que tivesse tentado explicar ao gerente que não fora autor do desagravo, levara uma advertência da loja.

O rapaz relatou-me ter ficado bastante consternado com o fato e que desde então passara a alimentar um rancor pelo seu colega de trabalho, agravado pelo fato de ter que vê-lo todos os dias.

Ouvi a narrativa sensibilizado e recordei-lhe (pois me revelara ser espírita) que Jesus havia recomendado o perdão incondicional das ofensas e que o Espiritismo viera revelar ao homem que todas as dores, todas as vicissitudes porque passamos são destinadas ao nosso aperfeiçoamento moral, características de um planeta de provas e expiações.

Recomendei-lhe que se era difícil o perdão imediato aquele que o prejudicara, que orasse em favor do seu antagonista e que se aspiramos realmente a seguir o exemplo Daquele que se imolou em prol da humanidade, urgia suportar ofensas e dores.

O semblante do jovem parecia refletir tudo aquilo que eu lhe falara e este me disse que pensaria melhor no assunto. Despedimos jubilosos e cada qual tomou o caminho de sua casa.

Algum tempo depois estava eu no meu trabalho, e fui ofendido por um colega, vítima também de uma acusação indébita.

Silenciei diante da ofensa, mas pude sentir na pele, em minha condição de criatura humana, o quanto era difícil suportar a ofensa que nos é dirigida em rosto.

Lembrei-me daquele jovem e indaguei se a vida não me fazia a seguinte pergunta:

— Você é muito bom para pregar, mas será que já consegue exemplificar?

O espírito de Manoel P. Miranda diz que “(…) o ódio é fruto do egoísmo, do personalismo magoado1 e Kardec comenta no Evangelho segundo o Espiritismo que “O ódio e o rancor denotam uma alma sem elevação e sem grandeza. O esquecimento das ofensas é próprio da alma elevada, que paira acima do mal que lhes quiseram fazer. (…)” 2

É certo que a maioria de nós ainda se melindra diante da ofensa, pois somos todos espíritos em evolução, a bordo da nave Terra. Mas se realmente já desejamos assinalar a luz que resplandece do evangelho do Consolador Prometido, devemos nos lembrar que toda dor chega e passa e que Ele próprio disse que “(…) todo o que a si mesmo se exaltar será humilhado, e aquele que a si mesmo se humilhar será exaltado”.(Lucas, XIV: 11)

Mas além disso, o Espiritismo veio revelar ao homem um sentido mais amplo para o perdão das ofensas. Não se trata apenas de uma questão moral, da prática muitas vezes da falsa bonomia.

Allan Kardec também abordou no mesmo capítulo do Evangelho segundo o Espiritismo, que citamos anteriormente, no item “Reconciliar-se com os Adversários”, que na prática do perdão e do bem em geral, além de um efeito moral, há um efeito também material, pois a morte não nos livra dos nossos inimigos. Daí a causa da maioria dos casos de obsessão, pois “O espírito mau espera que aquele a quem quer mal esteja encerrado em seu corpo, e assim menos livre, para mais facilmente o atormentar, (…)”.

A nossa dificuldade em perdoar, se dá em grande parte por causa do orgulho ferido.

Todos nós que abraçamos o Espiritismo, temos que nos lembrar que nenhuma dor é por acaso e que esta doutrina nos dá o lenitivo para todas as dores, todas as decepções porque ainda é necessário que passemos.

E em se falando de perdão, mais uma vez recordamos a figura do mestre, que durante o seu apostolado de luz salientou a importância do perdão das ofensas, numa reformulação da lei mosaica. Lembremo-nos que mesmo perseguido, zombado e ultrajado pela multidão, diante da cruz, Jesus invocou o perdão irrestrito nas palavras:

“— Pai, perdoa-lhes; porque não sabem o que fazem.” (Lucas, XXIII: 34)

1. - Nas Fronteiras da Loucura, Análise das Obsessões - psicografia de Divaldo P. Franco.

2. - KARDEC, Allan - O Evangelho segundo o Espiritismo – Perdoai para que Deus vos perdoe, Cap. X. Edição EME.

(Jornal Verdade e Luz Nº 169 de Fevereiro de 2000)

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