CLAUDIA GELERNTER
claudiagelernter@uol.com.br
Vinhedo, SP (Brasil)
Missão do homem inteligente na Terra
“Se Deus, em seus desígnios, vos fez nascer num meio onde pudestes desenvolver a vossa inteligência, é que quer a utilizeis para o bem de todos.” – Ferdinando (França – 1862).
A história humana é apontada como sendo um movimento constante e dialético, onde nós – seus construtores – atuamos de forma efetiva, ora negando a realidade, ora refazendo-a com outros parâmetros.
Desta forma, vamos construindo novos sistemas, derrubando alguns preconceitos, criando outros, clareando pontos obscuros e, paradoxalmente, seguimos outros caminhos que muitas vezes produzem novas medusas sociais que nos aterrorizam e consomem.
Durante a era medieval arrastamos séculos obscuros. O feudalismo – sistema econômico, político e social que se fundamentou basicamente sobre a propriedade da terra cedida pelo senhor feudal ao vassalo em troca de serviços mútuos – não permitia o uso da mente. Para auxiliar o homem a romper definitivamente com essa realidade, onde todas as explicações eram teológicas, certos pensadores europeus passaram a negar a existência de Deus.
Alguns filósofos, tais como Nietzsche (1844–1900), que foi atraído pelo ateísmo de outro filósofo chamado Schopenhauer (1788-1860), pautam seus escritos sob tal perspectiva. Buscam retirar o ser humano das amarras teológicas medievais, formulando a teoria da morte do Criador, indo de um ponto do pêndulo para o outro. Nesta nova fase, só a razão poderia prevalecer.
Demerval Saviani, autor do livro "Escola e Democracia" (1983), buscando esmiuçar a realidade educacional da atualidade e inspirando-se numa frase de Lênin, fala-nos sobre uma ideia bastante interessante, batizada com o nome de “teoria da curvatura da vara”. Lênin, quando fora criticado por assumir posições extremistas e radicais, respondeu aos acusadores da seguinte maneira: “Quando a vara está torta, ela fica curva de um lado e, se você quiser endireitá-la, não basta colocá-la na posição correta. É preciso curvá-la para o lado oposto”.
Apoio-me nesta fantástica analogia para demonstrar ao caro leitor como o ser humano vem buscando seu ponto de equilíbrio, desde as questões amplas (sociais), até as questões do próprio indivíduo para com ele mesmo, indo de um extremo ao outro, para então acomodar-se no centro – uma posição de equilíbrio e harmonia.
Passamos da fase negra medieval, onde o homem não raciocinava, para a fase da racionalidade total. Num momento negamos a razão, no outro negamos o Espírito, negamos Deus.
Muito satisfatoriamente já podemos perceber um movimento grande no sentido de reconsiderar todos os aspectos que envolvem nossa existência, inclusive reavaliando este mesmo Deus, realizando uma releitura do tema, onde Ele passa a ser explicado como sendo Inteligência Suprema, causa primária de todas as coisas, soberanamente Justo e Bom – muito distante da figura antropomórfica criada no início para nos facilitar o entendimento ainda infantil.
Neste ponto cabe uma pergunta: Será que invariavelmente necessitamos caminhar pelos extremos antes de percebermos a necessidade de considerarmos os múltiplos aspectos existentes e assim tomarmos uma posição mais moderada?
A experiência tem demonstrado que sim. Ao que parece, esta dialética é necessária ao ser humano. Ela faz parte do aprendizado, na construção de todo o seu conhecimento.
Mas isso não quer dizer que devamos compactuar com os extremos. Jesus, o Grande Mestre da antiguidade, certa vez elaborou uma frase muito interessante. Disse ele que “é preciso que haja escândalos, mas ai de quem os provocar” (Mateus, cap. XVIII, v. de 6 a 11). Devemos entender aqui como escândalo, não o barraco que acontece na casa do vizinho, mas, no sentido evangélico, como toda atitude que promove desequilíbrio. É todo resultado efetivo do mal moral.
Sim, precisamos passar por fases de aprendizado, muitas vezes complicados e doloridos, porém nunca devemos almejar sermos as ferramentas que causam tais dores.
Nietzsche partiu da Terra para o Outro Lado com sérios problemas de saúde, inclusive mentais. Schopenhauer, sempre pessimista e deprimido, escreveu sobre seus tormentos psicológicos, suas amarguras e carências, denotando também uma mente que, mesmo sendo possuidora de fino trato intelectual, era enferma e desequilibrada.
Retornando à concepção de Deus como sendo o Criador Perfeito que nos ensina através da pedagogia do amor (como ensinava Jesus), necessitamos refletir que, portanto, é Ele quem nos permite estar neste planeta, exatamente da forma como somos – com certos atributos físicos necessários para o desenvolvimento individual e coletivo.
Portanto, quando nos deparamos com criaturas bastante inteligentes (porém limitadas, uma vez que nossos conhecimentos ainda são muito estreitos, no atual estágio evolutivo), que usam seu intelecto para criar mecanismos de destruição da Criação ou até mesmo do Criador, podemos compará-las com jardineiros que recebem a enxada para lavorar nas terras do patrão e que, num ato de ingratidão e irresponsabilidade, usam esta ferramenta para destruir sua lavoura, para atacá-lo e exterminá-lo.
Assim são os criadores das guerras, da indústria bélica, da engenharia da destruição que ainda assolam o planeta. Assim são aqueles que usam o raciocínio para negar Aquele que nos criou e que nos permite viver.
Dia virá em que todas as nossas experiências extremistas, que nos causam tantos tormentos voluntários, nos conduzirão ao caminho do equilíbrio constante. Será a era do coração aliado à razão. Era da sabedoria.
Enquanto esta fase de harmonia geral não chega, precisamos nos esforçar no sentido de utilizarmos positivamente as nossas inteligências, conjuntamente com nossos melhores sentimentos, no sentido de promovermos o bem, colaborando assim para a construção de um mundo realmente melhor.
* Este artigo foi baseado no texto “Missão do homem inteligente na Terra”, contido em O Evangelho segundo o Espiritismo, capítulo VII, item 13.
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