quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Mortes prematuras

Mortes prematuras

Richard Simonetti


Quando a morte ceifa nas vossas famílias, arrebatando, sem restrições, os mais moços antes dos velhos, costumais dizer: Deus não é justo, pois sacrifica um que está forte e tem grande futuro e conserva os que já viveram longos anos cheios de decepções; pois leva os que são úteis e deixa os que para nada mais servem; pois despedaça o coração de uma mãe, privando-a da inocente criatura que era toda a sua alegria.
Humanos, é nesse ponto que precisais elevar-vos acima do terra-a-terra da vida, para compreenderdes que o bem, muitas vezes, está onde julgais ver o mal, a sábia previdência onde pensais divisar a cega fatalidade do destino. Por que haveis de avaliar a justiça divina pela vossa?
Podeis supor que o Senhor dos mundos se aplique, por mero capricho, a vos infligir penas cruéis? Nada se faz sem um fim inteligente e, seja o que for que aconteça, tudo tem a sua razão de ser. Se perscrutásseis melhor todas as dores que vos advêm, nelas encontraríeis sempre a razão divina, razão regeneradora, e os vossos miseráveis interesses se tornariam de tão secundária consideração, que os atiraríeis para o último plano.
Temos aqui o início de uma manifestação do Espírito Sanson, recebida na Sociedade de Estudos Espíritas de Paris, presidida por Allan Kardec. Consta do capítulo V, item 21, de O Evangelho segundo o Espiritismo, sob o subtítulo “Perda de pessoas amadas. Mortes prematuras”.
Se estabelecêssemos uma gradação para as dores morais que afligem os seres humanos, certamente a mais intensa, mais angustiante, seria a da mãe que vê um filho partir prematuramente, nos verdes anos da infância, no despertar da adolescência, no entusiasmo da juventude.
O grande lenitivo está na fé, concebendo o elementar: Deus sabe o que faz. Significativo exemplo está na famosa expressão de Jó, o patriarca judeu, que após morrerem não um, mas todos os seus filhos, sete varões e três mulheres, e perder todos os seus haveres, ele, que era muito rico, proclamou, convicto (Jó, 1-21):
Deus deu, Deus tirou! Bendito seja o seu santo nome.
O problema é que raros têm fé legítima. Cultivam precária confiança, que não resiste aos embates da adversidade. Por isso, muitas mães, debruçadas sobre o esquife de um filho que resumia suas alegrias e esperanças, indagam angustiadas: – Por que, Senhor? Por que fez isso comigo? O que fiz para merecer esse castigo?!
Esse questionamento não é bom, porquanto conduz facilmente ao desespero e à revolta, que apenas multiplicam angústias, sem chance para a consolação. A vida torna-se um fardo muito pesado quando nos debatemos ante o inexorável. Matematicamente falando, acrescentamos dores à alma, quando subtraímos a fé.
Um confrade, espírita da velha guarda, homem lúcido e inteligente, costumava dizer: – É preciso ter sempre um pé atrás, não apenas em relação à nossa morte, mas, também, quanto à morte de um ente querido, particularmente um filho.
Parecia adivinhar que seria chamado a esse testemunho, porquanto um filho, jovem inteligente e empreendedor, com brilhante futuro pela frente, faleceu repentinamente. E o nosso companheiro deu testemunho de que estava preparado, tanto ele quanto a esposa, comportando-se com muita serenidade e equilíbrio, a imitar o exemplo de Jó. Esse pé atrás na vida, para não se desequilibrar diante da morte, equivale a fortalecer a nossa fé, transcendendo a mera crença com o conhecimento da realidade.
É importante conceber que Deus existe; que seus desígnios são sábios e justos; que Ele trabalha sempre pelo nosso bem, mesmo quando males aconteçam; que seu olhar misericordioso está sobre nós. Nem sempre, porém, será o bastante. Para que a nossa fé ultrapasse os limites da mera crença, adquirindo consistência para resistir aos embates da vida, é fundamental que se estribe no conhecimento. Em relação às mortes prematuras, somente a Doutrina Espírita, a nos oferecer uma visão objetiva do mundo espiritual, pode nos consolar de forma perfeita, sem dúvidas, sem vacilações, mostrando-nos por que ocorrem.
À luz abençoada da Doutrina Espírita, podemos considerar o assunto em vários aspectos:
Aborto. Por que mulheres que anseiam pela maternidade experimentam sucessivas frustrações? Geralmente estamos diante de problemas cármicos, a partir de comprometimentos em existências anteriores.
A causa – quem diria! – é o mesmo aborto. Não o espontâneo, mas o induzido. A mulher que se recusa ao compromisso da maternidade, expulsando o filho que estagia em seu corpo, às portas da reencarnação, comete uma autoagressão. Produz desajustes em seu períspirito, o corpo espiritual, em área correspondente à natureza de seu delito. Em vida futura, mais amadurecida, a ansiar pela maternidade, terá problemas. Grávida, não conseguirá segurar a gestação do filho que anseia, na mesma proporção em que expulsou, outrora, filhos de seu seio.
O problema pode estar, também, no reencarnante. Se foi um suicida, traz sérios comprometimentos perispirituais que poderão repercutir no corpo em formação, a promover o aborto. Fracassos sucessivos, tanto da gestante quanto do reencarnante, os ensinarão a valorizar e respeitar a vida.
Infância. Às vezes consuma-se a reencarnação, não obstante os problemas do Espírito de passado comprometedor, mas de forma precária. Vulnerável a males variados, em face da debilidade orgânica, logo retornará à Espiritualidade. André Luiz reporta-se a um suicida, que se matou ingerindo veneno, no livro Entre a Terra e o Céu, psicografia de Francisco Cândido Xavier. Em nova existência, saúde frágil, desencarnou aos sete anos.
Um mentor espiritual explicou que aquela breve experiência na carne fora sumamente útil ao Espírito, livrando-o de parte de seus desajustes, e que ele deveria reencarnar em breve, na mesma família, já em melhores condições.
A morte prematura pode ser também, um convite ao cultivo de valores espirituais. No livro Atravessando a Rua, comento a experiência de um casal que reencarnou com a tarefa de cuidar de crianças, numa instituição assistencial. No entanto, envolvidos pelos interesses imediatistas, ambos andavam distraídos de sua missão. Então, um mentor espiritual que os assistia, preocupado com sua deserção, reencarnou como seu filho. Foi aquela criança maravilhosa, inteligente, sensível, que faz a felicidade dos pais, que passam a gravitar em torno dela.
Consumando a intenção de despertar os pais, ele desencarnou na infância, deixando-os desolados, desiludidos, deprimidos. Encontraram lenitivo a partir do momento em que se entregaram de corpo e alma a crianças num orfanato, exatamente como fora planejado. O mentor viera apenas para ajudá-los a corrigir o desvio de rota.
Fica a pergunta, amigo leitor: O que acontece com o Espírito na morte prematura? Normalmente, um retorno tranquilo. O que dificulta nossa readaptação à pátria espiritual é o apego à vida física, os comprometimentos com a ambição, as paixões, os vícios... O Espírito literalmente entranha-se na vida física, o que lhe impõe sérias dificuldades, até mesmo para perceber sua nova condição. Já o jovem nem sempre tem esses comprometimentos. É alguém que desperta para a vida, que ainda não se envolveu. Será logo acolhido e amparado pelos mentores espirituais, por familiares desencarnados.
O grande problema dos que partem nessa condição é a reação dos que ficam. Desespero, revolta, rebeldia são focos pestilentos de vibrações desajustadas, que atingem em cheio o passageiro da Eternidade, causando- lhe aflições e desajustes, já que nos primeiros tempos de vida espiritual tende a permanecer ligado psiquicamente à família. E o que é pior – na medida em que os familiares insistem nas lembranças, quando a desencarnação ocorreu em circunstâncias trágicas, induzem o Espírito a reviver, em tormento, todas aquelas emoções. Há uma mensagem famosa de uma jovem que desencarnou no incêndio do Edifício Joelma, psicografada por Francisco Cândido Xavier, dirigida à sua mãe.
Após dizer-lhe que fora muito bem amparada e que sua morte atendera a compromissos cármicos, pediu à mãe que não ficasse recordando do incêndio nem a contemplasse, na tela de sua mente, morrendo queimada. – Cada vez que a senhora me vê assim, é assim que me sinto.
O final da mensagem de Sanson é bastante significativo e deve merecer nossa reflexão:
Em vez de vos queixardes, regozijai-vos quando praz a Deus retirar deste vale de misérias um de seus filhos. Não será egoístico desejardes que ele aí continuasse para sofrer convosco? Ah! essa dor se concebe naquele que carece de fé e que vê na morte uma separação eterna. Vós, espíritas, porém, sabeis que a alma vive melhor quando desembaraçada do seu invólucro corpóreo.
Mães, sabei que vossos filhos bem-amados estão perto de vós; sim, estão muito perto; seus corpos fluídicos vos envolvem, seus pensamentos vos protegem, a lembrança que deles guardais os transporta de alegria, mas também as vossas dores desarrazoadas os afligem, porque denotam falta de fé e exprimem uma revolta contra a vontade de Deus. Vós, que compreendeis a vida espiritual, escutai as pulsações do vosso coração a chamar esses entes bem-amados e, se pedirdes a Deus que os abençoe, em vós sentireis fortes consolações, dessas que secam as lágrimas; sentireis aspirações grandiosas que vos mostrarão o porvir que o soberano Senhor prometeu. (Op. cit., cap. V, item 21.)

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