segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Não vim trazer a paz, mas sim a espada



JOSÉ ARGEMIRO DA SILVEIRA
de Ribeirão Preto, SP

"Não penseis que eu tenha vindo trazer paz à Terra, não vim trazer a paz, mas a espada, porquanto vim separar de seu pai o filho, de sua mãe a filha, de sua sogra a nora; e o homem terá por inimigos os de sua própria casa". (Mateus, 10: 34-36)

As palavras acima parecem contradizer a doutrina que Jesus nos ensinou. Ele que recomendou o perdão, a tolerância, o esquecimento do mal. Assegurou-nos que toda a Lei e os profetas se resumem no amor a Deus e ao próximo, orientando-nos no sentido de orarmos pelos nossos inimigos, e fazermos o bem a quem nos fez mal. Como pode ter afirmado que não veio trazer paz à Terra, mas a espada? Paz é harmonia, equilíbrio, bem estar íntimo, tranqüilidade, segurança. Espada simboliza a luta, a divisão. No entanto, as palavras de Jesus são bem claras: Não veio trazer paz e sim a espada. Como entender a afirmativa?

De início, vale refletir que os ensinos do Mestre devem ser compreendidos no seu conjunto, atentando-se para o sentido, o significado dado a um enunciado. É comum observarmos determinados autores que pinçam uma frase de um texto, do evangelho, e mesmo de outros livros, para extrair conclusões totalmente diferentes daquele sentido em que empregou o autor. Por má fé, ou mesmo ignorância, se tira conclusões contrárias ao verdadeiro sentido atribuído pelo autor.

No texto em estudo, há que se considerar a paz do mundo e a paz do Cristo. Em João, cap. 14, vers. 27, afirma o Mestre: "A paz vos deixo, a minha paz vos dou, eu não vo-la dou como a dá o mundo". Emmanuel, no livro "Vinha de Luz" (lição n.° 105), considera: "É indispensável não confundir a paz do mundo com a paz do Cristo. A calma do plano inferior pode não passar de estacionamento. A serenidade das esferas mais altas significa trabalho divino, a caminho da Luz Imortal. O mundo consegue proporcionar muitos acordos e arranjos nesse terreno, mas somente o Senhor pode outorgar ao Espírito a paz verdadeira". O mesmo autor, na mesma página, ainda lembra: Na Terra, a paz das nações costuma representar o silêncio provisório das armas; a paz dos abastados inconscientes é a preguiça improdutiva e incapaz; a dos que se revoltam, no quadro de lutas necessárias, é a manifestação do desespero doentio; a paz dos ociosos sistemáticos, é a fuga do trabalho; a dos arbitrários, é a satisfação dos próprios caprichos; a paz dos vaidosos é o aplauso da ignorância; a dos vingativos, é a destruição dos adversários; a paz dos negociantes sagazes, é a exploração inferior; a paz dos que se agarram às sensações de baixo teor, é a viciação dos sentidos; a dos comilões é o repasto opulento do estômago. Portanto, a paz do mundo, Jesus realmente não veio trazer.

Ainda hoje muitos procuram Jesus, na religião, esperando que ele resolva todos os nossos problemas. Mas, na verdade, Ele não nos prometeu a solução dos problemas materiais. Convidou-nos, amavelmente, "vinde a mim os que estão cansados e sobrecarregados e eu os aliviarei". Notemos que Ele fala em alívio, e não em solução das nossas dificuldades, pois as dificuldades são as lições, os exercícios de que necessitamos para o nosso desenvolvimento espiritual.

No Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. 23, item 16, Allan Kardec, interpreta o texto em exame, afirmando: "Quando Jesus disse: Não penseis que vim trazer a paz mas a divisão, seu pensamento era o seguinte: Não penseis que a minha doutrina se estabeleça pacificamente. Ela trará lutas sangrentas, para as quais o meu nome servirá de pretexto. Porque os homens não me haverão compreendido ou não terão querido compreender-me. Os irmãos, separados pelas suas crenças, lançarão a espada um contra o outro e a divisão se fará entre os membros de uma mesma família, que não terão a mesma fé. Vim lançar o fogo na Terra, para consumir os erros e os preconceitos, como se põe fogo em um campo para destruir as ervas daninhas e anseio porque se acenda, para que a depuração se faça mais rapidamente, pois dela sairá triunfante a verdade".

A humanidade, tanto no tempo de Jesus, como ainda hoje, atribui um valor maior aos bens materiais, relegando a plano secundário os bens do Espírito. Jesus nos ensina a modificar essa tabela de valores. Os bens verdadeiros são os espirituais, o saber e as virtudes, são a riqueza que o ladrão não rouba e a traça não come. Desenvolver as potencialidades do Espírito, pela evolução, já que essas faculdades estão em nós, é o objetivo da vida. Aqueles que acreditam nessa realidade espiritual, e passam a trabalhar pelo seu aperfeiçoamento, embora não desejem, tornam-se diferentes da maioria. Daí a divisão, as incompreensões, e até mesmo perseguições, como registra a história. "Para que um homem obtenha a paz de Jesus é necessário trabalhe intensivamente no mundo íntimo, cessando as vozes da inadaptação à Vontade Divina e evitando as manifestações de desarmonia, perante as leis eternas. Todos rogam a paz no Planeta atormentado de horríveis discórdias, mas raros se fazem dignos dela. Exigem que a tranqüilidade resida no mesmo apartamento onde mora o ódio gratuito aos vizinhos, reclamam que a esperança tome assento com a inconformação e rogam à fé lhes aprove a ociosidade, no campo da necessária preparação espiritual. Para esmagadora maioria dessas criaturas comodistas a paz legítima é realização muito distante. Em todos os setores da vida, a preparação e o mérito devem anteceder o benefício" 1

1 Emmanuel, do livro Vinha de Luz, lição n.° 65, psicografia de Francisco C. Xavier.

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