segunda-feira, 26 de março de 2012

A MORTE DO BATISTA - Pastorino


Mat. 14;6-12

6 Chegado, porém, o aniversário de Herodes, a filha de Herodias dançou de público e agradou a Herodes.
7 Por isto este prometeu, sob juramento, dar-lhe o que ela pedisse.
8 E ela, instigada por sua mãe, disse: "Dá-me aqui num prato a cabeça de João o Batista".
9 O rei ficou entristecido, mas por causa de seus juramentos e também dos convidados, ordenou dar-lha;
10 e, mandando, decapitou João no cárcere.
11 E foi trazida sua cabeça num prato a dada à mocinha; e ela a levou a sua mãe.
12 Então vieram os discípulos dele, lavaram o corpo e o sepultaram; e, partindo eles foram dar a  notícia a Jesus

Marc. 6:21-29

21 E chegou um dia favorável, quando Herodes em seu aniversário natalício deu um banquete a seus
dignitários, aos comandantes militares e aos principais de Galiléia.
22 Tendo entrado a filha dessa Herodias, dançou e agradou a Herodes e a seus convidados. Então o
rei disse à mocinha: "pede-me o que quiseres e to darei".
23 E jurou-lhe: "eu to darei, ainda mesmo que me peças a metade de meu reino".
24 E ela saiu o perguntou a sua mãe: “Que devo pedir"? Esta respondeu: "A cabeça de João o
Batista".
25 Regressando logo depressa para o rei, diste.- "Quero que sem demora me dês, num prato, a cabeça de João Batista".
26 O rei ficou muito triste, mas por causa do juramento e também dos convidados não lha quis recusar.
27 Imediatamente o rei enviou um guarda com a ordem de trazer a cabeça de João. Saindo, ele decapitou-o no cárcere,
28 e trouxe a cabeça dele num prato e a deu à mocinha; e a mocinha a deu a sua mãe,
29 Sabendo disto, vieram seus discípulos e lavaram o cadáver dele a o depositaram num túmulo.


A narrativa de Mateus segue-se à declaração feita em 14:5, onde é dito que era desejo de Herodes liqüidar o Batista; em Marcos a seqüência é a mesma; daí dizer-se que "chegou um dia favorável". O aniversário (no grego "koiné" a palavra  genesía substituíra  genethlia  para exprimir o aniversário natalício) de Herodes deve ter ocorrido em janeiro de 31, quando o tetrarca se achava em sua "villegiatura" de inverno, no castelo de Maquérus, justamente onde se encontrava detido o Batista.

[102] Herodes ofereceu um banquete, ao qual compareceram os que tinham interesse em agradarlhe: os dignitários da corte, os comandantes militares (romanos) e as principais figuras da alta sociedade galiléia. Já pelo final do banquete, todos um pouco "tocados" pelos abundantes e generosos vinhos servidos, aparece a dançar a filha "dessa" Herodíades (de que Marcos falara no vers. 19 e voltaria a citar no vers. 24). A apresentação deve ter causado sensação, já que só se dedicavam à dança as profissionais, de vida livre, jamais moças de família e, menos ainda, "princesas". Segundo Josefo (Ant. jud. 18, 5, 2), a mocinha se chamava Salomé e devia contar nessa época por volta de 15 anos. Esse autor narra a prisão e morte do Batista, dando-lhe motivo político (“ para evitar uma insurreição"), que bem pode ter sido a causa alegada perante o público. A dança agradou plenamente a todos, mas sobretudo a Herodes, tanto que este a convida a pedir o que quisesse, que ele lho daria, imitando o gesto de Assuero (cfr. Ester, 5:2-3,6 e 7:2). Acrescentou que lhe concederia mesmo a “ metade de seu reino", palavras vazias, pois nenhum reino possuía, já que seu "reinado" consistia apenas numa simples "tetrarquia", que ele administrava por concessão do Imperador romano.

A mocinha corre à mãe para aconselhar-se e, por instigação dela, solicita-lhe seja entregue "aqui e agora, num prato (estava num banquete!) a cabeça de João Batista. Quer sinceramente, quer por causa da presença dos convivas, o tetrarca demonstra entristecer-se, mas faz questão de cumprir sua promessa. Dá ordem .que o pedido seja imediatamente atendido. Um guarda (Marcos usa um termo latino,  spectator, transcrito em letras gregas) resolveu o problema e decapitou João no cárcere, trazendo de volta a cabeça num prato.

A mocinha de 15 anos pegou a bandeja com a macabra encomenda e, na maior naturalidade e calma, entregou-a à mãe, revelando com esse fato .possuir nervos de aço que suporíamos difícil hoje, se não conhecêssemos o entusiasmo fanático de tantas mocinhas hodiernas pelas lutas de "box" e de outras pancadarias selvagens. Jerônimo (Patrol. Lat. vol. 23 col. 488), talvez influenciado pela lenda de Fúlvia com Cícero, afirma que Herodíades puxou a língua inerte de João, nela espetando uma agulha de costurar.

Ao saber da notícia, os discípulos vêm apanhar o corpo de seu mestre, para dar-lhe sepultura, embora não se saiba em que lugar o tenham feito.

A decapitação de João Batista foi o resultado cármico de sua ação, quando se manifestava na personalidade de Elias; o Tesbita. Leia-se: "Disse Elias: agarrai os profetas de Baal: que nenhum deles escape!  Agarraram-nos. Elias fê-los descer à torrente de Kishon e ali os matou"(1º Reis, 18:40); a morte a eles dada foi exatamente a decapitação: "Referiu Ahab a Jezebel tudo o que Elias; havia feito e como matara todos os profetas à espada" (1º Reis, 19:1). Portanto, execução rígida da Lei de Causa e Efeito, confirmando as palavras de Jesus: "todos os que usam a espada, morrerão à espada" (Mat. 26:52); não nos esqueçamos de que essa Lei é afirmada em mais de 30 lugares do Antigo e Novo Testamentos, sobretudo com a fórmula: da cada um será dado conforme suas obras".

[103] Aqui apresenta-se-nos um episódio chocante, mas pleno de ensinos.

No primeiro plano observa-se-nos o comportamento do homem involuído, ainda materializado,
que acredita bastar destruir o corpo de alguém (matá-lo) para libertar-se dele e de suas idéias.
julgamento primário, pois as idéias não morrem e nem sequer a criatura que continua bem viva,
somente perdendo seu veículo denso. Mas a ilusão de aniquilar "o inimigo" é total,' e satisfaz à
ignorância dos seres imaturos.
Aprofundando, verificamos que o homem encarnado (e o desencarnado também), quando
ainda materializado demais, quando ainda possua sua tônica no plano astral inferior (animal) das
emoções baixas e sensações violentas, dá extraordinário valor a tudo o que excite seus apetites mais
grosseiros, que se situam acima de qualquer prazer intelectual (nem se fala dos gozos espirituais ... ).
Observamos isso no exemplo de Herodes, que tanto se fascinou pela dança de Salomé, que estava
disposto a sacrificar até "metade de seu reino” , pelo prazer sensual que lhe causaram suas formas
físicas em movimentos luxuriosos.
Herodes é o símbolo da humanidade nesse estágio inferior de sensações físicas exacerbadas,
pelo qual todos nós passamos (e talvez ainda estejamos passando nos veículos pesados, sujeitos
mas rebeldes ao comando do Espírito, que tanta dificuldade encontra em manter-nos em nível mais
elevado).
No fato que comentamos, verificamos a ascendência do luxo falso (convite a dignitários e
autoridades transitórias, sem levar em conta o valor das individualidades), da gula (banquetes para
comemorar eventos alegres, só satisfeitos mediante sensações gustativas), da luxúria (dança sensual
excitante de apetites lúbricos) . Essa maneira de agir ainda é muito comum, não apenas "nos outros “ ,
mas em nós mesmos.
Levados pelas sensações e emoções descontroladas, somos muita vez arrastados a faltar no
setor de nossos deveres espirituais, para satisfazer aos apetites inferiores, a fim de agradar à nossa
vaidade, à nossa ambição, ao nosso apego a coisas e formas passageiras, mas que nos parecem
valiosíssimas e insubstituíveis. Sacrificamos, então, o Espírito à matéria, o Eu eterno às satisfações
do eu transitório, e "cortamos a cabeça" de nossa consciência, esperando silenciá-la para sempre.
Observarmos ainda, no episódio, que a filha (sensações) pede opinião a mãe (emoções) a
respeito do que deve escolher. Realmente são as emoções que governam as sensações e até toda a
personalidade imatura. São as emoções que causam os maiores descontroles em nossa vida. Elas
levaram Herodes a repudiar a filha de Aletes IV, por preferir Herodíades, conquistada a seu próprio
irmão consangüíneo; elas induziram a filha a perturbar a cabeça de Herodes por meio da dança; elas
pediram, como vingança, a cabeça de João Batista, sendo sempre obedecidas cega e imediatamente
pelas sensações (veja vol. 1, pág. 13, onde se diz que Herodes simboliza o duplo-etéríco mais o
corpo físico).
Olhando agora sob o prisma de João, verifiquemos o ensino que nos chega através do fato.
[104] Antes de tudo, a lição básica da realidade indiscutível da Lei de Causa e Eleito (carma).
Mas, sendo João o representante da personalidade iluminada ("o maior dentre os filhos de
mulher") nele encontramos representado o protótipo de todas as personalidades desse grau
evolutivo. O que se passou com o Batista é o que terá que suceder a todos nós.
Tendo ele aceito o "mergulho" (o encontro com "o Cristo"), que ale pregou e realizou às
margens do Jordão, viu-se, por isso mesmo, encarcerado no corpo de carne: reconheceu que sua
existência terrena não era a verdadeira vida, mas um cárcere, que tinha que ser destruído, para que
seu Espírito reconquistasse a liberdade gloriosa dos filhos de Deus. Reconhecendo-o, errou pela
libertação, sabendo de antemão que devia resgatar seus débitos passados.
O golpe de espada, que lhe destruiu o corpo físico, significou, portanto, a dupla, libertação de
seu Espírito: a do cárcere de seu corpo e o resgate cármico do erro cometido, quando ele se
manifestava através de personalidade de Elias. Nem todas as personalidades, porém, se libertarão
através de um golpe de espada física: muitos sofrerão golpes de companheiros, de amigos, de
esposos ou esposas, de filhos e pais, que virão cobrar as dívidas do passado, e que, por vezes,
fazem sofrer mais do que um seco e rápido talho de afiada espada. Convençamo-nos, entretanto, de
que, uma vez na prisão, "daí não sairemos sem haver pago até o último centavo" (Mat. 5:26).
Todavia, se dos resgates morais e materiais nos não podemos libertar sem efetuar o
pagamento, podemos colocar-nos fora do alcance deles, quando passarmos a viver unidos ao Cristo,
que nos dá Sua Paz, não a paz do mundo (cfr. João, 14:27); teremos a Paz Interna da tranqüilidade
absoluta no coração, embora nos assolem as tempestades e furacões de um mundo turbulento em
redor de nós, e até investindo contra nós; estaremos unidos ao Cristo "que dorme no fundo do barco
durante a ventania" (cfr. pág. 50), bastando que o despertemos, a fim de permanecermos a Seu lado.
Prosseguindo na meditação, verificamos que, com freqüência, o intelecto ou raciocínio ou
razão (João) é vencido totalmente pelos veículos inferiores.
Quantas vezes ocorre isso conosco: o corpo etérico e físico (Herodes) viciado na sede de
sensações fortes e inéditas, encontra ocasiões de desvio em movimentos desordenados e luxuriosos
(dança) de seus nervos excitados (Salomé) e começa a sentir-se dominado e vencido. Entra, então,
em entendimentos ilícitos, desejoso de satisfazer-se radicalmente até o fim, perguntando que deve
ele dar em troca de mais um prazer desregrado. Há, nesse ínterim, uma consulta à emoção
exacerbada (Herodíades), e esta opta pelo assassinato imediato e violento da razão (João Batista) a
fim de poder, com seu afastamento, ser atingido o objetivo visado.
Emoções e sensações jamais titubeiam, quando excitados pelos movimentos interiores (de
luxúria, de raiva, de ódio, e ciúme, de inveja, e de quaisquer outros desregramentos). jamais hesitam
em fazer silenciar o raciocínio, para dar vazão a seus instintos inferiores.
A difícil tarefa da evolução consiste exatamente em conseguir-se que o intelecto vença essas
fortes correntes baixas, dominando-as com a lógica do bom-senso e com a razão do Espírito.

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