quinta-feira, 24 de abril de 2014

A Reencarnação no Evangelho - Sobrinho

A Reencarnação no Evangelho

Paulo da Silva Neto Sobrinho

No jornal o Estado de Minas, datado de 13.06.1999, na coluna Testemunho Cristão, um consulente pergunta: “Tenho lido a Bíblia à procura de ao menos uma frase que seja contra a re-encarnação, etc., cuja resposta da articulista foi: Entre numerosas evidências, de que são fartas as páginas sagradas, cito-lhe duas muito incisivas e fortes”. A nossa vida é a passagem duma sombra e não há regresso depois da morte, porque é posto o selo e ninguém torna” . (Sab 2,5). Na carta de S. Paulo aos hebreus, lemos: “E assim como está decretado que os homens morram UMA SÓ VEZ, e que depois disso se siga o julgamento, assim também Cristo se ofereceu uma só vez...” (9, 27).

Como queremos saber o que pensam outros segmentos religiosos temos por hábito de, sempre que possível, ler esta coluna. Desta vez, o tema chamou-nos a atenção e achamos que deveríamos pesquisar na Bíblia as passagens citadas.

Interessante como pegam frases isoladas de um texto para tentar justificar suas posições, sem levar em conta o contexto em que elas se encontram. O que é grave nisto é que aos que não têm o hábito de verificar em qual contexto a passagem se encontra, acabam convencendo de que aquilo é uma verdade, pois, geral-mente, têm a Bíblia como infalível, não se preocupam de eles mesmos irem ao encontro da verdade, simplesmente aceitam os pensamentos que lhe são passados pelos outros.

A primeira passagem que citam como prova de que não existe a reencarnação inicia-se assim; Dizem, com efeito, nos seus falsos raciocínios: Curta é a nossa vida e cheia de tristezas, para a morte não há remédio. Não há notícia de ninguém que tenha voltado da região dos mortos. Um belo dia nascemos, e depois disso, seremos como jamais tivéssemos sido! É fumaça a respiração de nossos narizes, e nosso pensa-mento uma centelha que salta do bater de nosso coração! Ex-tinta ela, nosso corpo se tornará pó e o nosso espírito se dissipará como vapor inconsistente! E ninguém se lembrará de nossas obras. Nossa vida passará como os traços de uma nuvem, desvanecer-se-á como uma névoa que os raios de sol ex-pulsam, e que seu calor dissipa”.

A partir daí, sim é que temos o versículo 5: "A passagem de uma sombra. Eis a nossa vida, e nenhum reinicio é possível uma vez chegado o fim; porque o selo lhe é aposto e ninguém volta”.

Daí continua até o versículo 20, onde o autor do livro procura mostrar o que pensam os ímpios.

Voltemos à narrativa, agora nos versículos 21-23: “Eis o que pensam, mas enganam-se, sua malícia os cega: eles desconhecem os segredos de Deus, não esperam que a santidade será recompensada e não acreditam na glorificação das almas puras. Ora, Deus criou o homem para a imortalidade e o fez à imagem de sua própria natureza".

Já vemos neste texto, de absoluta clareza, que não se trata de contradizer a tese da reencarnação, mas sim é mostrado de que maneira os ímpios pensavam sobre vida além túmulo, não acreditavam que depois da morte pudesse existir alguma coisa, para eles era o nada.

Constatamos, assim, que este texto não tem nada que possamos tirar como contestação da reencarnação, ficando, portanto, derrubado o primeiro argumento.

Vamos agora ao texto de S. Paulo, em Hebreus 9, 27, mas antes devemos saber que é retirado de parte da carta enviada aos hebreus, onde ele tenta mostrar que o sangue oferecido nos sacrifícios não pode apagar nossos pecados e que Cristo ao dar seu sangue, na cruz, pagou os nossos vários pecados. Aí completa: “Como está determinado que os homens morram uma só vez, e logo em seguida vem o juízo, assim Cristo se ofereceu uma só vez para tomar sobre si os pecados da multidão, e aparecerá uma segunda vez, não, porém, em razão do pecado, mas para trazer a salvação àqueles que o esperam".

Devemos sempre ter em mente que na Bíblia não consta tudo e nem toda a ciência ali está, o próprio Jesus disse: que tinha muitas coisas para dizer, mas como os apóstolos ainda não eram capazes de compreender, não iria dizer.

Por outro lado, não devemos tomar como leis as opiniões pessoais dos apóstolos, pois seus pensamentos representam sempre o contexto cultural da época em que viveram.

Dito isto, vamos verificar que se realmente fosse dado ao homem morrer uma só vez, as ressurreições constantes do Evangelho (Mateus 9, 18-26; Lucas 7, 11-17 e João 11, 1-44, da filha de Jairo, do filho da viúva de Naim e de Lázaro, respectivamente) seriam uma contradição perante esta Lei, pois, nestes casos, estas pessoas que voltaram à vida tiveram duas mortes, ou não?

Ainda mais, se logo em seguida vem o julgamento. Não vemos nenhum sentido no juízo final (pensamento deles), pois seríamos julgados duas vezes. Se realmente houvesse dois julga-mentos estaríamos diante de uma aberração da justiça divina, pois valeria dizer que um não foi perfeito, o que equivaleria afirmar que Deus não agiu com perfeição, o que é um absurdo. Na hipótese do espírito ser condenado ao “fogo eterno” no primeiro julgamento, seria possível que, no segundo julgamento, ele fosse ab-solvido, ora se isto acontecer fica evidente que ele foi condenado injustamente. Vemos nisto só incoerência, assim não podemos, seguindo a linha de raciocínio deles, aceitar os dois julgamentos.

Por outro lado, na nossa percepção do texto, partindo para a essência, podemos afirmar que Paulo tem a mais completa razão, ou seja, neste corpo que ora habitamos morremos mesmo uma só vez e o julgamento de nossos atos será realizado em seguida, e ainda mais, teremos sempre um novo julgamento após cada desencarne.

Como já dissemos pegam os textos conforme suas conveniências, muitos dos quais se mostram incoerentes com outras passagens do Evangelho.

Vejamos por exemplo: “Porque sabemos que, quando for dissolvido este corpo, nossa habitação aqui na terra, receberemos de Deus uma habitação, uma moradia eterna nos céus, que não é feita pela mão humana. Por isso é que suspiramos nesta nossa situação, ansiosos por revestir-nos do nosso corpo celeste: sob a condição, porém, de sermos encontrados ainda vestidos e não despidos".(2 Coríntios 5, 1-3).

Esse texto é do mesmo Paulo que foi citado como base contra a reencarnação, entretanto ele é frontalmente contra a tese da ressurreição da carne, um de seus principais dogmas. Aqui ele mostra que temos um corpo celeste e é ele que teremos após nossa morte. Quanto ao corpo físico, este será dissolvido.

Agora nós é que procuraremos demonstrar o contrário, ou seja, que a reencarnação fazia parte da cultura do povo hebreu e, principalmente dos ensinos de Jesus.

Teremos para isto que buscar algumas passagens do Novo Testamento que irão nos dar elementos de convicção.

“Quando ele ia passando, viu um homem que era cego de nascença. Os discípulos perguntaram: "Mestre, quem pecou, para este homem nascer cego, foi ele ou seus pais? " Jesus respondeu:" Nem ele nem seus pais, mas isso aconteceu para que as obras de Deus se manifestem nele" . (João. 9, 1-3).

Como um cego de nascença poderia ter pecado? Se a cegueira fosse “castigo de Deus” pelos pecados daquele homem, onde estaria seu pecado, pois era cego desde quando veio ao mundo. Para ter lógica, somente poderia ter cometido suas faltas em existências anteriores. Fato que os discípulos acreditavam, pois só assim justificaríamos a pergunta deles a Jesus: “Quem pecou, para este homem ter nascido cego, foi ele ou seus pais?

Diante do princípio “a cada um segundo suas obras” (Mateus 16, 27), no dizer do Mestre, ninguém paga pelo erro do outro, ficando a responsabilidade dos atos atribuída às próprias pessoas que os praticam.

A resposta de Jesus: Nem ele nem seus pais, mas isso aconteceu para que as obras de Deus se manifestem nele, poderá ser explicada da seguinte forma: diante de tanta ignorância e atraso espiritual daquele povo havia a necessidade de Jesus fazer alguns “milagres”, como os fez, no sentido de despertar as criaturas para as verdades do Pai. Assim, com Jesus encarnaram vários espíritos que vieram com a tarefa de auxiliá-lo em sua missão e este homem cego era um deles. Aqueles que escolheu como apóstolos largaram tudo para segui-lo, atendendo ao seu chamado, que funcionou como lembrete do compromisso que assumiram, quando estavam no plano espiritual.

“Tendo chegado à região de Cesaréia de Felipe, Jesus perguntou aos discípulos:" Quem dizem por aí as pessoas que é o filho do homem? "Responderam: " Umas dizem que é João Batista, outras que é Elias, outras, enfim, que é Jeremias ou algum dos profetas " . (Mateus 16, 13-14; Lucas 9, 18-19; Marcos 8, 27-28).

O povo também acreditava que uma pessoa que já morreu poderia voltar. Ao dizerem que Jesus seria João Batista, Elias, Jeremias ou alguns dos profetas confirmam este entendimento, pois todos eles já haviam morrido, inclusive, destes, somente João Batista foi contemporâneo de Jesus, entretanto à época desta narrativa já tinha sido morto por Herodes.

“Nesse ínterim, Herodes, o Tetrarca, ouvia falar de tudo o que fazia Jesus e seu espírito se achava em suspenso – porque uns diziam que João Batista ressuscitou dentre os mortos; outros que aparecera Elias; e outros que um dos antigos profetas ressuscitara. – Disse então Herodes:" Mandei cortar a cabeça de João Batista; quem é então esse de quem ouço dizer tão grandes coisas? E ardia por vê-lo". (Marcos 6, 14-16 e Lucas 9, 7-9).

Nessa passagem encontramos novamente o pensamento do povo a respeito de Jesus, entretanto, desta podemos tirar, sem nenhuma sombra de dúvida, que naquele tempo o conceito de ressurreição é o que hoje chamamos de reencarnação. Conforme o texto, Jesus, no pensamento do povo, poderia ser João Batista ou mesmo um dos antigos profetas ressuscitado, o que significa em linguagem clara é que pensavam mesmo na possibilidade de Jesus ser alguém que viveu anteriormente reencarnado.

“Havia entre os fariseus um, chamado Nicodemos, dos mais importantes entre os judeus. Ele foi encontrar-se com Jesus à noite e lhe disse:" Rabi, bem sabemos que és um Mestre enviado por Deus, pois ninguém seria capaz de fazer os sinais que tu fazes, se Deus não estivesse com ele". Jesus respondeu:" Eu te afirmo e esta é a verdade: ninguém verá o reino de Deus se não nascer de novo ". Disse-lhe Nicodemos:" Como pode nascer um homem já velho? Pode tornar a entrar no ventre de sua mãe, para nascer segunda vez? " Jesus respondeu:" Eu vos afirmo e esta é a verdade: se alguém não nascer da água e do Espírito, não poderá entrar no Reino de Deus. O que nasce da carne é carne; o que nasce do Espírito é espírito. Não te admires do que eu disse: é necessário para vós nascer de novo. O vento sopra para onde quer e ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem aonde vai. Assim é quem nasceu do Espírito".(João 3, 1-8).

Antes de nossa argumentação vamos ver o que consta em Atos 23, 8: “É que os saduceus dizem que não há ressurreição, nem anjos, nem espíritos, enquanto que os fariseus admitem todas estas coisas". Nicodemos era um fariseu, assim deduzimos que ele acreditava na ressurreição, que conforme mostramos anteriormente, corresponderia dizer que ele acreditava na reencarnação.

Observemos que Nicodemos entendeu o que Jesus quis dizer com o “nascer de novo” a dúvida que lhe ficou era: como isto poderia acontecer. Razão de suas duas perguntas: Como pode nascer um homem já velho? Pode voltar ao ventre de sua mãe e nascer segunda vez?

Separa distintamente o corpo físico do elemento espiritual, o que nasce da carne é carne, o que nasce do espírito é espírito.

Algumas correntes religiosas buscam sustentar que o nascer da água significa nascer de novo pela água do batismo. Entretanto, o sentido, na época, da palavra água é bem outro. Sabemos que 2/3 da Terra é composto de água, e que sem água não haveria vida material em nosso planeta. Assim o elemento água é a ba-se para a manifestação da vida material, aí incluindo, é claro, nosso corpo físico.

Além do mais, no período de nossa gestação, ficamos por nove meses dentro d’água, no útero de nossa mãe. Donde concluímos que, neste sentido, literalmente nascemos da água, não acham?

Quanto à questão do batismo, no Evangelho só encontramos João Batista utilizando a prática do batismo, não como um rito de iniciação ou para nos livrarmos do pecado original, mas somente batizava as pessoas que se arrependiam de seus pecados, era, portanto o batismo do arrependimento. Tanto é que os fariseus e saduceus o procuraram para serem batizados ele negou-se a fazê-lo dizendo: “Raça de víboras, quem vos sugeriu escapardes da cólera que está chegando? Portanto, produzi frutos que sejam o testemunho da vossa conversão, sem presumirdes que vos basta dizer dentro de vós:" Temos por pai a Abraão". (Mateus 3, 7-9).

Mais ainda, se realmente o batismo fosse algo importante a ser feito, por que é que Jesus não batizou ninguém? Não seria o caso de dar-nos este exemplo?

Bem, voltemos ao nosso assunto principal, veremos agora o próprio Jesus confirmar a reencarnação, fato que não combateu, quando do questionamento dos discípulos acerca do cego de nascença e a respeito de quem as pessoas pensavam que ele era.

No Antigo Testamento, o profeta Malaquias (3, 23) anuncia a volta de Elias: “Vou mandar-vos o profeta Elias, antes que venha o grande e terrível dia do Senhor, e ele converterá o co-ração dos pais para os filhos, e o coração dos filhos para os pais, de sorte que não ferirei mais de interdito a Terra".

A volta é de Elias e não como querem dar ao termo Elias a conotação de que quer dizer Messias ou Mensageiro.

Em Lucas 1, 11-14, encontraremos o anúncio da chegada de Elias: “Mas o anjo lhe disse:" Não tenhas medo, Zacarias, porque tua oração foi ouvida: tua esposa Isabel vai te dar um filho e lhe porás o nome de João”. E continuando no versículo 17: “Ele o precederá com o espírito e o poder de Elias, para reconduzir o coração dos pais aos filhos, bem como os rebeldes aos sentimentos dos justos. Vai preparar assim para o Senhor, um povo bem disposto".

Se João estaria com o espírito e o poder de Elias, conclusão lógica que João era o próprio Elias reencarnado.

E finalmente a confirmação que João Batista era o Elias: “Os discípulos lhe perguntaram:" Por que dizem os escribas, que Elias deve vir antes? "Respondeu-lhes: "Elias há de vir para restabelecer todas as coisas. Mas eu vos digo que Elias já veio e não o reconheceram, mas fizeram com ele o que quiseram. Do mesmo modo, também o filho do homem está para sofrer da parte deles.”. Então, os discípulos compreenderam que Jesus lhes tinha falado a respeito de João Batista". (Mateus 17, 10-13; Marcos 9. 11-13).

Não foi Elias reconhecido por estar reencarnado como João. Se fosse o contrário Jesus não deixaria que seus discípulos continuassem pensando que João era o Elias, pois em várias passagens, demonstrou conhecer os pensamentos mais íntimos das pessoas.

E para que não restasse dúvida alguma quanto a isso, vem ele próprio confirmar: “E, se quiserdes compreendê-los, João é o Elias que estava para vir. Quem tiver ouvidos, que escute bem". (Mateus 11, 14-15).

Aqui fica bem clara e taxativa a reencarnação, pois é da boca do próprio Jesus que sai a afirmativa de João ser o Elias que estava para vir antes dele, a fim de preparar-lhe o caminho.

E como sabia que ainda os homens não teriam o completo entendimento de que realmente falava era da reencarnação acrescenta: “Quem tiver ouvidos, que escute bem”.

Bibliografia

Bíblia Sagrada. Editora Ave Maria, 68ª Edição, 1989; Novo Testamento. São Paulo, SP, LEB - Edições Loyola, 1984.

Nenhum comentário:

Postar um comentário